Desde os primeiros passos, o menino A. via os dois irmãos traficantes exibirem, em casa, tênis de marcas, bonés importados e camisas oficiais de times de futebol. No dia em que completou 9 anos, ganhou de presente de um deles a responsabilidade de acompanhá-lo, como segurança, em um baile funk. Nas mãos do garoto, uma pistola 765, que ele mal conseguia segurar. A. não sabia, mas naquele dia estava deixando a infância para trás e entrando no pior dos mundos, o do crime. “Meus pais batiam, davam conselho. Tentavam me segurar. Mas larguei tudo, parei de estudar e entrei para a droga. A maconha e o crack, para mim, foram dinheiro e curtição”, diz hoje o jovem franzino, de 15 anos, menos de 1,5 metro de altura e 11 passagens pela polícia por tráfico, roubo, porte de arma e tentativa de homicídio na defesa de uma boca de fumo.
Uma folha corrida ainda mais farta está no prontuário do acusado de matar três pessoas e balear 12 no mês passado, na Região Noroeste de BH. Por trás do suspeito, de 17 anos, um enredo de crime e vingança relacionado ao tráfico. As histórias e origens são várias, mas o destino dele, de A. e da maioria dos 27 menores apreendidos a cada dia em BH é um só: drogas e violência. O vício e o crime cruzam a trajetória de crianças que trocam o lar pelas ruas, deixando para trás a família e a escola. Meninos e meninas amadurecem precocemente, longe dos ensinamentos da vida cidadã, e se transformam em jovens infratores. Deixam de ser Maria, José ou João e ganham uma inicial nas páginas policiais. São uma pedra no caminho das incipientes políticas públicas e uma dor de cabeça para a sociedade.
Ciranda sem volta
Nas ruas, crianças e adolescentes ganham intimidade com o nebuloso mundo das drogas e da violência imposta para manter o vício. Nos últimos cinco anos – de 2005 a 2010 – o número de casos envolvendo o uso e o tráfico de entorpecentes entre crianças e adolescentes teve aumento de 441% em Belo Horizonte, passando de 832 para mais de 4,5 mil ocorrências no ano passado. Atualmente, quase a metade (45,7%) dos crimes registrados no Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional de Belo Horizonte (CIA/BH) está diretamente relacionada às drogas. Os demais, na avaliação da juíza Valéria da Silva Rodrigues, titular da Vara Infracional da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, têm a maconha, o crack, a cocaína e os solventes como pano de fundo.
Segundo a magistrada, há uma mudança no perfil dos crimes, com a migração dos menores dos crimes violentos para o tráfico nos últimos anos. “Na Vara da Infância e da Juventude, 45% dos casos são de venda e uso de drogas. Outros 10% dos crimes são contra o patrimônio, mas a maioria deles furta e rouba para transformar o produto em entorpecentes. Os homicídios e tentativas de homicídio somam 1%, mas temos consciência de que são ocorrências de disputa por drogas. Por isso, batemos na tecla de que a repressão e a punição têm de caminhar juntas com a prevenção e o tratamento, pois o município hoje é carente de locais para acolher adolescentes usuários e dependentes químicos”, afirma Valéria Rodrigues.
A análise ajuda a entender o caso de barbárie que chocou Belo Horizonte no último mês, quando um infrator de 17 anos matou três pessoas e baleou outras 12, com o apoio de dois comparsas, usando uma pistola calibre 380, nos bairros São Salvador e Glória, na Região Noroeste da capital. As investigações, que culminaram com a prisão de D.H.S.D. na semana passada, num sítio em Jaboticatubas, na Grande BH, trouxeram à tona um histórico de violência e criminalidade. O ataque de fúria teria sido motivado pelo assassinato do irmão Iago Duarte, em março, por envolvimento com traficantes. A mãe deles, Gislândia Duarte, também foi acusada de tráfico e chegou a ser presa. Em apenas dois anos, o acusado acumulou 12 passagens pela polícia.