Roupas, móveis, carro, casa, trabalho, parentes. A chuva espalhou perdas irreparáveis pela Zona da Mata mineira. Comum a todos os atingidos é a necessidade de recomeçar e a quase impotência frente ao tamanho do desafio. A maioria já tinha pouco. Perdeu muito. Perdeu o que já não pode ser reposto, como aconteceu com Leandra Alves, de 12 anos, que viu a mãe morrer, arrastada pela enxurrada. Gente que não sabe de onde tirar força, dinheiro, apoio e vontade de continuar.
Com a família abrigada em uma escola estadual, o embalador Jeffer Pereira, de 30, diz ter “ligado o piloto automático” para lavar telhas e tentar reconstruir o telhado de casa. “Não estou pensando. Não consigo. Estou apenas fazendo”, define.
Já Solange Aparecida, de 53, e o marido, José, de 57, não têm mais casa para consertar. “Foi embora com a chuva. Vamos tentar um financiamento para ter um teto”, relata Solange. Ao Estado de Minas, as vítimas falam sobre a difícil tarefa de recomeçar.
ALÉM PARAÍBA
Vidas na correnteza
Ela ouve a brincadeira dos amigos, mas já não sorri. Leandra Alves, 12 anos, fala pouco. Em 8 de janeiro, ela se agarrou a um portão para não perder a vida. Com o filho de 2 anos ao colo, a mãe, Aparecida Alves, de 32, não conseguiu fazer o mesmo. Leandra perdeu mãe e irmão arrastados pela correnteza do Rio Limoeiro. Por água abaixo se foram também roupas, brinquedos, móveis. Tudo. "Mas eu só não queria perder minha mãe e meu irmão", diz. Ela agora tenta reconstruir a vida na casa da avó, com o apoio dos amigos. "A minha vida vai mudar muito. Não estou preparada para isso", diz a menina, obrigada a raciocinar como adulto. Sua professora, Luciana Ferreira, de 36 anos, escutava a mãe da aluna gritar por socorro na correnteza, mas não podia fazer nada. Para se salvar, Luciana subiu na laje de casa. "Era uma escuridão. E o barulho da água. Só. Um desespero." Ela diz que é como se ouvisse o ronco da enchente todas as noites. Apesar do medo, a professora pretende tirar as economias do banco e remontar sua casa.
Oficina arrasada
"Minha sorte é ser aposentado. Tenho pelo menos um salário para recomeçar." Seu Manoel Xavier, de 66 anos, morava no início da Rua José Francisco dos Santos, Mangueiras, no Bairro Santa Rita, completamente destruída pela chuva. Apesar da "sorte", ele não só perdeu a casa, como não tem mais como trabalhar. O galpão e as máquinas que usava para consertar carroças foram embora com o Rio Limoeiro. Havia terminado uma obra no quartinho em que dormia, às margens do curso d'água. "Não tenho casa nem trabalho para mudar minha vida agora. Preciso de ajuda", diz. O irmão Américo Xavier Filho (foto), de 58, era sócio no negócio das carroças. Diz que o movimento na oficina já estava fraco, já que o mundo se modernizou e os meios de transporte mudaram, mas lembra que os pagamentos ainda ajudavam a família. Além do ganha-pão, ele perdeu dois xodós: um Opala 1974 e um Kadett 1995. "Ver seu carro no meio da correnteza é desesperador. Dá vontade de pular na água, mas você não pode fazer nada", relata.
GUIDOVAL
200 anos vão abaixo
"Você não se acostuma com essa situação. Você a aceita", constata a trabalhadora rural Solange Aparecida Mendonça, de 53 anos. Ela mora na comunidade rural Monumento de Guido, nome dado em homenagem ao catequizador francês que fundou o município. Junto à área rural vizinha, Vargem Alegre, Monumento virou um rio. Solange e o marido, José Silveira Mendonça, de 57, perderam tudo. Ele vivia desde pequeno na casa, que calcula ter 200 anos. "Deus não dá prejuízo a ninguém. Isso ocorreu por conta do homem", avalia, enquanto caminha entre os escombros e olha para as grandes áreas desmatadas e transformadas em campos. A família vendia leite, produção de 15 vacas, e mangas. Na madrugada da tragédia, só conseguiram salvar parte dos móveis e um carro por insistência do genro. Apesar da descrença dos sogros, ele avisava que o rio vinha subindo rápido. Vivendo em casa de amigos, o casal quer um financiamento para construir uma casa em área mais alta da comunidade.
Empresário se rende
Empresário se rende
Só restaram os esqueletos, ainda assim muito sujos, das cadeiras que Osvaldo Cruz, de 53 anos, vendia para municípios de Minas, Rio, Espírito Santo, Rio Grande do Norte e Goiás. A fábrica de móveis foi destruída pela chuva. Algumas máquinas foram parar a mais de um quilômetro de distância. Ele não queria, mas teve de demitir 20 funcionários. "A fábrica nasceu em 9 de maio de 1969 e morreu em 2 de janeiro de 2012", registra. Com o olhar desolado, ele não sabe nem o que fazer com o que sobrou da produção. "Alguns representantes até venderam móveis esses dias, porque não tínhamos nem telefone para avisar sobre o desastre", relata. Ele estava na fábrica quando a água subiu e pensou em salvar parte da produção. "Não deu tempo." Em 2008, o empresário já havia perdido tudo para outra enchente. Agora, sem ter acabado de pagar o empréstimo do desastre anterior, diz ter desistido. "Sem ajuda do poder público, não tenho como continuar."