Um carro corta outro pela direita, costura os veículos que acha pela frente, acelera e some na curva. Dessa vez a cena, registrada na manhã dessa sexta-feira, não terminou em acidente, ao contrário do que ocorreu na quarta-feira, quando um Captiva que seguia no sentido Belo Horizonte decolou sobre as pistas da BR-040, perto de Nova Lima, e se espatifou contra uma árvore, deixando o velocímetro travado na marca dos 170 km/h. Os dois casos estão longe de ser fatos isolados na rodovia, uma das mais traiçoeiras do estado, na qual mais uma pessoa morreu e 11 ficaram feridas na tarde dessa sexta-feira, em desastre envolvendo um caminhão e seis carros na altura de Congonhas. Não é preciso passar muito tempo na estrada para constatar um festival de imprudência, excesso de velocidade e afrontas de todo tipo à legislação de trânsito. Foi o que comprovou a equipe do Estado de Minas, acompanhada de um especialista em trânsito munido de radar portátil, nas proximidades do km 548, próximo ao Viaduto da Mutuca, onde ocorreu o desastre de dois dias atrás, que deixou um homem gravemente ferido, supostamente em decorrência de disputa de “pega”.
Ao todo, 54 veículos tiveram a velocidade medida. Mesmo com trânsito intenso, a presença de radares e chuva em determinados momentos, motoristas não se preocupavam em acelerar acima do máximo permitido. “O percentual de veículos acima da velocidade chama a atenção, porque o limite para o local já é alto e, além disso, a via é movimentada, com significativo número de veículos, o que tende a diminuir a velocidade média”, afirma Frederico Rodrigues. Entre os carros, 15,4% estavam acima do permitido, sendo que o radar chegou a marcar 133km/h. “A velocidade máxima obtida para o trecho, que não tem pavimento em perfeito estado, é bastante significativa, e indica imprudência por parte dos usuários”, alerta.
No caso dos caminhões, o desrespeito imperou entre 14,3% dos condutores, com flagrantes de até 99km/h. Mas, entre os veículos pesados, outra imprudência chama ainda mais a atenção: em apenas 10 minutos de plantão no km 548, onde ocorreu o acidente com o Captiva, o EM flagrou 10 carretas trafegando fora da pista da direita, outra infração ao Código de Trânsito Brasileiro.
Exemplos de descumprimento às leis compõem, de forma geral, a cultura do motorista brasileiro e respondem por 65% dos acidentes, de acordo com o doutor em engenharia de transportes. “No caso deste trecho da BR-040, a via com alta capacidade, com três faixas em cada pista, leva o motorista a desenvolver velocidades elevadas”, afirma. No percurso há quatro pontos com radares, instalados no ano passado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).
Segundo o órgão federal, todos os aparelhos estão em funcionamento, mas os condutores parecem ignorar medidores, placas e alertas. “Se a gente não anda a pelo menos 120km/h, os carros passam por cima”, afirma o motociclista Jorge Luiz Gonçalves, de 37 anos. O motorista Emerson Carneiro vivenciou literalmente essa experiência na última quarta-feira, por volta das 12h, quando o Captiva de Marco Túlio Araújo Nascimento, de 40 anos, voou sobre seu Vectra.
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) suspeita de que o veículo, a 170km/h, estivesse disputando um pega com outra caminhonete, que sumiu depois do acidente. Marco Túlio foi o único a ficar ferido. Está internado em estado grave no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, em BH. De acordo com o hospital, ele tem vários traumas pelo corpo e sua condição é estável. A fratura mais grave é uma exposta, na perna direita.
Além da imprudência, a condição das rodovias contribui para a insegurança. No caso da BR-040, na saída para o Rio, apesar de trecho com pista duplicada até o posto da Polícia Rodoviária Federal, o asfalto está em mau estado em vários pontos e as placas, cobertas pelo pó e lama espalhados pelos caminhões de minério. Uma condição precária que contribuiu para que, apenas no período de janeiro a agosto do ano passado, ocorressem 160 acidentes com 55 feridos no trecho entre o km 545, no Viaduto da Mutuca, e o km 556, próximo ao posto policial. O levantamento é do Dnit, baseado em dados da PRF. Porém, sobre as condições, a manutenção e a possibilidade de reforma da via, o órgão federal não se manifestou.
Armadilhas pelo asfalto
Em 15 de novembro de 2011, fim do último feriado prolongado do ano passado, o Estado de Minas já alertava para as armadilhas da BR-040, considerada por especialistas até mais traiçoeira que a BR-381, cujo trecho entre BH e Governador Valadares tornou-se conhecido como Rodovia da Morte. De acordo com levantamentos baseados em dados do Dnit, referentes aos oito primeiros meses do ano, na 040 estava o ponto das estradas federais mineiras que matou com mais regularidade no período (km 320, em Três Marias, saída para Brasília, com cinco mortes em cinco acidentes), o que registrou mais mortes em um único desastre (km 647, em Cristiano Otoni, saída para o Rio de Janeiro, com sete vítimas), além dos recordistas em feridos (km 517) e em batidas (km 508), ambos em Ribeirão das Neves, na Grande BH.