A quantidade de processos nas prateleiras das varas criminais responsáveis pelo julgamento dos casos envolvendo crimes contra mulheres ilustra a dificuldade do Poder Judiciário em atender a demanda das vítimas. Em 2011, chegaram até as comarcas mineiras 31.504 pedidos por medidas protetivas relacionados à Lei Maria da Penha e, desse total, apenas um quarto foi efetivamente julgado. Das ações analisadas, 5.709 foram concedidas, o equivalente a 18% do total dos pedidos feitos à Justiça mineira. Segundo balanço do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), até o ano passado, mais de 45 mil processos com pedidos de proteção no estado estavam à espera de uma definição da Justiça. As medidas vão desde impedir a aproximação de agressores das vítimas até a prisão dos acusados.
Apenas em Nova Lima, cidade na qual a procuradora da Advocacia Geral da União Ana Alice Moreira Melo foi assassinada na madrugada de ontem, foram registrados 155 pedidos por medidas protetivas em 2011. O ritmo de pedidos na cidade continua acelerado. Somente nos dias 31 de janeiro e 1º deste mês (terça e quarta-feira), sete casos foram analisados pelo juiz Juarez Morais de Azevedo, de Nova Lima. Do total, dois foram concedidos e dois chegaram a um acordo. Em outros dois, as partes não compareceram e em um houve uma revisão da sentença anterior, dessa vez inocentando o acusado.
Em Belo Horizonte, dois juízes são responsáveis pelas varas criminais que atendem casos envolvendo violência contra mulheres, que recebem por dia mais de 50 processos. Um deles, Nilseu Buarque de Lima, admite dificuldades e cobra mais estrutura. “Precisamos criar mais varas e aumentar o número de servidores para dar maior fluidez a todos esses processos”, diz. “Enfrentamos um problema operacional, com uma média anual de 43 mil processos para dois juizes e somente 10 servidores. O número vem aumentando desde a criação das varas e é preciso acompanhar essa demanda”, acrescenta o juiz.
“Loucura”
Sobre o caso de Ana Alice Moreira Melo, o juiz lamentou. “Se foi concedida a medida protetiva, juridicamente ela (a vítima) está amparada. Mas como é que você evita que um camarada cometa uma loucura dessas?”, perguntou. Segundo ele, os principais problemas para garantir agilidade ao processo estão nas fases que antecedem as decisões dos magistrados. Do momento em que a vítima registra a ocorrência até que o pedido chegue aos juiízes, ele diz, muitos trâmites dificultam o caráter emergencial dos pedidos.
“A lei diz que a mulher vítima de agressões ou ameaças deve registrar a queixa nas delegacias e que a autoridade policial precisa oficializar o procedimento e enviar à Justiça. Ao chegar para o juiz, é preciso decidir a questão em 48 horas. O problema é que, até chegar ao juiz, as 48 horas de urgência se dispersam na tramitação”, lamenta Nilseu.
O juiz ressalta que já houve avanço na legislação brasileira desde a criação da Lei Maria da Penha, em 2006, mas que as dificuldades estruturais são os maiores desafios para que as regras sejam aplicadas e passe a reduzir efetivamente os casos de violência contra mulheres. “Essa lei pegou e veio para ficar de forma marcante na história do Brasil. Foi uma ação benéfica para resgatar a dignidade e quebrar o silêncio da mulher, mas o ciclo de violência ainda é muito grande. Damos baixa em 500 processos e chegam novos 700”, diz Nilseu.
Além dos pedidos por medidas protetivas, tramitam no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) mais de 57 mil ações penais envolvendo violência contra mulheres. No ano passado, as comarcas do estado receberam 29.888 processos, dos quais 13.880 foram julgados até dezembro. Do total, 178 ações penais foram abertas.