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Estado de Minas

Morte de procuradora põe mulheres em alerta e lota delegacia

Após assassinato de procuradora, unidade especializada registra aumento de 40% nas denúncias de mulheres agredidas. Número de queixas/dia subiu 18,5% este ano


postado em 07/02/2012 06:00 / atualizado em 07/02/2012 08:54

 

O caso de K., com três boletins de ocorrência registrados só na última semana, retrata a dificuldade para conseguir proteção(foto: JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS)
O caso de K., com três boletins de ocorrência registrados só na última semana, retrata a dificuldade para conseguir proteção (foto: JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS)
A repercussão nos meios policiais do brutal assassinato da procuradora da União Ana Alice Moreira de Melo, de 35 anos, foi muito além da intensa mobilização para esclarecer o caso. O crime – ocorrido na quinta-feira e que tem como principal suspeito o marido da vítima, o empresário Djalma Brugnara Veloso, de 49 – encorajou mulheres agredidas a romper o silêncio e denunciar seus companheiros. O resultado foi um aumento na procura pela Divisão Especializada de Atendimento à Mulher da Polícia Civil  de Belo Horizonte, estimado em nada menos que 40%. São jovens, mães e esposas vítimas de seus parceiros, que temem a repetição de uma história que há quase uma semana é destaque na imprensa. “Muitas chegam à delegacia falando que vivem a mesma situação e não querem morrer como Ana Alice”, conta a delegada Margaret de Freitas Assis Rocha, chefe da divisão.

Dentro da delegacia lotada, Margaret afirma que a reação é fruto de casos de grande repercussão. “Constatamos esse efeito em casos como o do goleiro Bruno, no assassinato da cabeleireira Maria Islaine (morta pelo marido diante das câmeras de segurança) e agora, com a morte da procuradora. Várias vítimas chegam dizendo que não querem virar manchete de jornal”, conta. Segundo a delegada, dados preliminares sobre solicitações de medidas protetivas, como afastamento do agressor do lar, mostram que a média de pedidos diários este ano já é 18,5% maior em relação ao primeiro semestre do ano passado.

Até domingo, a Divisão Especializada de Atendimento à Mulher registrou 992 solicitações de medidas protetivas, média de 27,5 por dia. Já no primeiro semestre do ano passado foram 4.202 pedidos, média diária de 23,2. O total de requerimentos feitos até dia 5 representa quase um quarto (23,6%) das solicitações dos primeiros seis meses de 2011. “A divulgação da Lei Maria da Penha (criada em 2006 para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher), o atendimento 24 horas pelas delegacias, tudo isso contribui para o aumento das denúncias”, afirma Margaret.

Ainda assim, a delegada ressalta que faltam ações mais ágeis e educativas para afastar a violência da realidade feminina. “Se houvesse uma ação imediata dos juizados, a vítima já voltaria para casa com o pedido analisado. O monitoramento eletrônico dos denunciados (que devem manter distância das mulheres ameaçadas) também ajudaria a resguardar vítimas, além de ações preventivas e projetos de polícia comunitária, propondo reflexões sobre a violência doméstica”, avalia.

Bancos cheios


Enquanto isso não ocorre, falta espaço nas delegacias para tantas vítimas à procura de proteção, segurança e, principalmente, paz. Separada do marido há sete anos, a auxiliar administrativa K., de 31 anos, perdeu as contas de quantas vezes recorreu à polícia para garantir distância do ex-marido, pai de sua única filha. Ontem, na divisão especializada, ela trazia três novos boletins de ocorrência, todos registrados na última semana. “Não quero que ele chegue perto de mim. Ontem, esteve na minha casa e estava descontrolado, gritando e xingando. Já me bateu uma vez e estamos todos assustados, ainda mais depois do caso da procuradora”, afirma.

Grávida de oito meses, a dona de casa N., de 21 anos, ameaçada pelo ex-marido, é outra mulher para quem o sossego depende de intervenção da polícia e da Justiça. “Tenho medo de ele me matar, pois bate para machucar. No fim de semana esteve lá em casa, embriagado, e me empurrou”, conta. A dificuldade começa com o registro da ocorrência: “Os militares falam como se fosse uma simples briga de marido e mulher”, diz a jovem, que passou o dia, ontem, entre a delegacia, o fórum e a Defensoria Pública. “Quero garantir que ele mantenha distância de mim e da minha filha e isso ninguém faz pela gente. Somos nós que temos que correr atrás de tudo”, diz.

A coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a cientista política Marlise Matos, afirma que essa realidade – expressa em boletins de ocorrência malfeitos e no descaso em relação a questões femininas – é reflexo da cultura de uma sociedade patriarcal. “Quando um policial chega e aconselha a mulher a deixar para lá, ele reforça a estrutura brasileira machista a favor dos homens em detrimento das mulheres”, afirma.

Caminho da proteção

No momento da agressão, mulheres vítimas de violência podem acionar a Polícia Militar, pelo telefone 190. Outra opção é procurar a Divisão de Atendimento à Mulher da Polícia Civil (Rua Aimorés, 3.005 – BH). O atendimento é 24 horas e a vítima recebe atendimento psicológico, paralelamente ao início do processo de medidas protetivas. Em cidades do interior que não tenham o serviço especializado, a orientação é procurar a unidade local da Polícia Civil.

A jornalista mineira Débora Favarini, mulher do atacante Kleber, ex-Cruzeiro, atualmente no Grêmio, permanece abrigada na casa dos pais, em Belo Horizonte, depois de denunciar o marido por agressão em Porto Alegre. Segundo boletim de ocorrência registrado na Primeira Delegacia de Polícia Civil para Mulheres da capital gaúcha, onde o casal mora com a filha, na madrugada do dia 28 o atleta, conhecido como Gladiador, acertou um soco na cabeça da esposa. A equipe do Estado de Minas conversou com o pai dela, o executivo comercial Hélio Pacelli Favarini, de 53 anos, que revela ter receio de que a situação saia do controle.

Três perguntas para...
Hélio Pacelli Favarini, pai de Débora Favarini, que denunciou o atacante Kleber por agressão

1) A Débora pode falar a respeito dos problemas que enfrentou com o marido?


Em um primeiro momento, minha filha não está querendo se pronunciar sobre o que aconteceu. Está procurando se preservar.

2) Por que ela voltou para Belo Horizonte?

Ela tem medo de ser agredida novamente, porque esta não foi a primeira vez. Além disso, ela vem acompanhando com receio os vários casos que estão acontecendo no Brasil (de maridos que agridem e matam as mulheres).

3) Como pai, qual é a sua opinião a respeito?

O receio de qualquer pai é ver a situação se agravar de tal forma que chegue a um ponto extremo e leve à morte. Mas não estou influenciando as decisões da minha filha e não existe um movimento de separação do casal.


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