Não havia uma só cadeira vazia no auditório da Secretaria Municipal de Meio Ambiente durante a reunião do Conselho Municipal de Política Urbana (Compur), normalmente frequentada por arquitetos, ambientalistas e líderes comunitários. Conselheiros tinham a missão de votar projetos de dois hotéis – de 13 e 15 andares – próximos à orla da Lagoa da Pampulha, tratados pela comunidade como ameaça ao patrimônio e primeiro passo para a verticalização da região. O burburinho no canto da sala e a ansiedade de um grupo de senhores chamava a atenção. “Eles vieram para apoiar a Pampulha”, comentava o presidente da Associação dos Amigos da Pampulha, Flávio Marcus Ribeiro Campos, junto de companheiros dos bairros Belvedere, Mangabeiras e Santa Lúcia, na Zona Sul, do outro lado de BH.
A cena, ocorrida no último dia 26, na primeira reunião do ano do Compur, é emblema de um novo movimento que nasce na capital mineira. Moradores de bairros de classe média e média alta descobrem a força da mobilização social e se unem para tentar interferir nos projetos que consideram problemáticos para o patrimônio, o meio ambiente e a qualidade de vida. Antes dispersos, associações de bairros como do Mangabeiras, Belvedere, Santa Lúcia e Cruzeiro, na Zona Sul, São Luiz, São José e Bandeirantes, na Pampulha, e Planalto, na Região Norte, usam a internet como aliada e formam movimento articulado.
Por meio de troca frequente de e-mails, esse grupo tem conseguido discutir empreendimentos em áreas verdes, a construção de espigões em cartões-postais e até a demolição do último mercado distrital ativo em BH, no Bairro Cruzeiro. Sem motivação partidária nem liderança definida, cada associação, com seu problema localizado, encontra apoio de uma rede de moradores para batalhar por causas similares, seja a construção de três torres de hotéis próximos à Lagoa da Pampulha ou a criação de um parque ecológico na área de mineração no Belvedere.
“Somos um grupo de associações que defende o meio ambiente e a lei de uso e ocupação do solo. A comunidade tinha que se integrar”, afirma Antônio Matoso Bisneto, fundador da Associação Comunitária do Bairro Planalto, contrária a projeto que prevê a construção de oito torres de 15 andares em área remanescente de mata atlântica. “Ao nos agrupar, fortalecemos nossas reivindicações”, completa o presidente da Associação dos Moradores do Bairro Mangabeiras, Marcelo Marinho Franco.
Em novembro, a mobilização desencadeada pela comunidade do Mangabeiras contribuiu para barrar o projeto de lei que autorizava a ampliação do Hospital Hilton Rocha, na Serra do Curral. O caso repercutiu do outro lado da cidade, na Pampulha, entre um grupo de moradores incomodados com o projeto de construção de três hotéis – dois de 15 andares e um de 13 andares. “A causa de um se torna de todos”, afirma o presidente da Associação dos Amigos da Pampulha, Flávio Marcus Ribeiro de Campos. Por e-mail, eles avisam sobre audiências públicas e reuniões. Vez ou outra, um integrante de uma associação também comparece na reunião da outra para trocar experiências.
Redes Sociais As conversas desse movimento comunitário começaram no ano passado por diferentes razões. Na mata do Planalto, a mobilização foi para preservação de área verde. No Belvedere, houve manifesto pela criação de um parque em terreno concedido a uma mineradora e que já tem previsão para projeto imobiliário. No Santa Lúcia, a mobilização ocorreu por causa de notícia de que a prefeitura venderia parte de uma rua para a construção de um hotel. Integrantes desse movimento ressaltam que a internet desempenha papel fundamental.
“As redes sociais e a facilidade de comunicação via internet permitiram uma nova integração. Além disso, a consciência ambiental agora é muito maior”, conta o presidente da Associação dos Moradores do Bairro Belvedere, Ricardo Michel Jeha, ressaltando que a ausência de motivações partidárias ajudou o grupo a se unir. Bem próximo dessas discussões está o Instituto dos Arquitetos do Brasil em Minas (IAB/MG). Uma das conselheiras da entidade, Cláudia Pires, volta no período da ditadura para comentar o fortalecimento das associações. “Agora, há a compreensão de que é mais fácil falar ”, opina.
A prefeitura, embora muitas vezes seja alvo de críticas, diz ver com “bons olhos” esse novo movimento. “As pessoas têm se interessado mais em discutir as propostas para a cidade e isso valoriza a democracia”, afirma o secretário de administração municipal Centro-Sul, Harley Andrade. A conquista de moradores do Bairro Cruzeiro, que conseguiram barrar o projeto da prefeitura que previa a demolição do mercado distrital, virou troféu para associações. “A mobilização social é um tesouro que precisa ser trabalhado. As redes sociais, a internet e abaixo-assinados virtuais são ferramentas poderosas”, diz Patrícia Caristo, presidente da Associação dos Cidadãos do Bairro Cruzeiro.
Duas perguntas para...
Rennan Mafra
doutor em comunicação social e pesquisador em mobilização social
Como você avalia o fortalecimento das associações de bairros?
Há uma compreensão muito grande da questão ambiental no contexto contemporâneo, algo que questiona os modelos de desenvolvimento que nossa sociedade tem adotado. A sociedade está atenta e se organiza. A questão ambiental ganhou o cotidiano, sendo entendida como as formas de se viver pautadas em modelos de desenvolvimentos sociais, e não
mais algo ligado somente à Amazôniaou ao
Rio São Francisco.
Qual o papel da internet na criação e articulação de movimentos sociais?
A internet chega para que possamos nos organizar de modo muito prático, pois não é necessário que estejamos copresentes. Posso participar de um movimento e, ao mesmo tempo, estar no trabalho. A internet e redes sociais oferecem oportunidades para que o cidadão seja convocado a comparecer a um evento, sem excluir modos de vida presenciais. A internet expressa e amplifica uma força que existe na vida social.