Anjos socorrem bebês
Paola Carvalho
Era madrugada de lua cheia quando Natiele dos Anjos Silva Sousa, de 25 anos, sozinha em casa, começou a sentir os primeiros sinais de que as gêmeas Aline e Alice estavam prontas para o nascimento. Depois de 35 semanas de gestação, as meninas ainda prematuras indicavam ter pressa. A mãe, que tanto planejou, não acreditou que o parto estava por vir. Ligou para o marido, enfermeiro de um hospital da capital, que chegou em casa, no Bairro Piratininga, Região Venda Nova, às 5h30 do dia 15 de março de 2011, no prego. A próxima hora seria decisiva.
Com a sacola já preparada para a maternidade, saíram em disparada, mas os nervos se exaltaram ainda mais quando perceberam que a gasolina poderia ser insuficiente para atravessar a cidade e chegar ao Hospital Unimed, no Grajaú, Região Oeste. Por causa do horário, os postos de combustíveis ainda estavam fechados. Os minutos voavam. O trânsito na avenida Antônio Carlos começou a apertar. As contrações de Natiele eram em intervalos cada vez menores. “Quando vimos o batalhão dos bombeiros, resolvemos entrar e pedir socorro”, conta a mãe. O sentinela que fazia a vigia, surpreso, disparou o alarme e, por sorte, uma equipe estava de prontidão, conta o soldado Rafael Maciel de Aguiar, que estava prestes a fazer seu primeiro parto.
Natiele foi posta na maca, mas não deu tempo de o protocolo médico ser seguido. Às 6h25 – 55 minutos depois do início da saga – nasceu a primeira menina. “O dia estava amanhecendo e lembro que foi muito emocionante. Em meus braços, ela deu um bocejo seguido de um sorrisinho. Fiquei todo bobo. Para a segunda nascer, tivemos que romper a placenta. Ela era mais fraquinha e demorou a chorar. Foi uma felicidade para a guarnição trazer as duas à vida”, afirma. No dia anterior, foram registradas três chamadas para parto, informa Aguiar. “Falaram que foi a lua cheia.” Seria ela a responsável mesmo por em apenas uma hora mudar a vida dessa família e dos soldados?
Tempo para perdoar
Jefferson da Fonseca Coutinho
Tudo em fração de hora: o apelo, a ajuda e a morte. Um tiro no escuro, nas costas do garoto que tentava impedir um assalto na primeira madrugada de junho de 2003, na Savassi, Região Centro-Sul de Belo Horizonte. Aos 27 anos, Madson Vargas Loçasso, filho único da atriz Heloísa Duarte, foi morto por disparo efetuado por Éder Aparecido Pereira. Três dias depois, criminoso preso, 60 minutos para toda a vida. Entre as 10h e as 11h, o perdão da mãe ainda em estado de choque. Foram muitos os pedidos de familiares e amigos para que a produtora cultural desistisse de falar com o assassino do filho. Até o secretário de Defesa Social, conhecido da artista, a aconselhou a mudar de ideia. Não adiantou. Heloísa, profissional tarimbada da construção de emoções, estava decidida a fazer algo contra a violência, mesmo que sua força lhe custasse as entranhas.
“Não que quisesse salvar o mundo… é aquela história do passarinho, levando a água no bico, acreditando salvar a floresta”, diz. Na cabeça e no coração da mulher em pedaços, com o encontro, a esperança de paz no outro. “Não guardo ódio. Tenho muita tristeza. É muito difícil. Sinto muita falta, muita saudade, mas ódio não tenho”, emociona-se. Ao assassino, reincidente, assistida por amigos, policiais e jornalistas com as lentes abertas para o mundo, palavras vindas da alma, como nunca ditas nos palcos: “Estou falando com você agora, perante você e perante a imprensa. Estou dando o meu perdão...” . Kardecista, Heloísa acredita que sua atitude levou ainda mais luz aos desdobramentos do filho desencarnado. “Isso, naturalmente, me deu forças para seguir adiante com minha vida”, revela.
Da hora, única, vivida na Departamento de Investigações em BH, ficou a fala do delegado que disse que o mundo seria melhor com mais corações como o da atriz. De lá para cá, quase nove anos na velocidade da luz, arrastados pela ausência do rebento companheiro e parceiro de arte – Madson cresceu em meio aos artistas de Minas Gerais e trabalhava como técnico de espetáculos. Sua morte mobilizou a categoria, que promoveu várias manifestações pela vida. Seis meses depois de perdoar o algoz do filho, Heloísa recebeu mensagem psicografada de Madson, que, “num plano melhor”, ressaltou a importância da compaixão da mãe naqueles 60 minutos. Julgado, Éder Aparecido foi condenado a 29 anos e quatro meses de prisão em regime fechado por latrocínio (roubo seguido de morte), roubo e falsa identidade.
Salva dos escombros
Sandra Kiefer
Os sonhos da artesã Maysa Cunha Moraes, de 45 anos, desmoronaram com a queda de prédio no Bairro Caiçara, em BH, no segundo dia do ano. Em menos de uma hora, ela perdeu apartamento, móveis e marido, Janilson Aparecido de Moraes, de 40, soterrado nos escombros. Dois meses antes, o casal havia acabado de reformar o apartamento e trocar todos os móveis. “Já estávamos no pátio, saindo do prédio. A torre balançou e separou a minha mão da dele. Só andávamos de mãos dadas. O prédio abriu ao meio e caí no buraco. É a última lembrança do meu marido”, relata.
O resgate pelos bombeiros levou 40 minutos. “Me salvei porque caí em um vão. Desmaiei e quando acordei não entendi o que estava ocorrendo. Tudo estava em câmera lenta”, conta Maysa, sobrevivente do desabamento dos dois blocos. Outras 11 pessoas que estavam no local foram retiradas 15 minutos antes por militares, alertados por uma moradora que ouviu os estalos .
Maysa quebrou três costelas e a clavícula. Ela não sabe explicar porque demorou para deixar o prédio. “Tudo aconteceu num piscar de olhos. Janilson tinha acabado de ligar para a Defesa Civil quando os policiais mandaram sair. Mandamos as sobrinhas primeiro. Não consigo parar de pensar no ‘se’: se a gente tivesse saído antes, se a gente tivesse passado o réveillon fora, se a gente não tivesse voltado cedo do almoço, se…”
O caminho para o amor
Uma carona de uma hora entre serras do distrito de Monte Verde, em Camanducaia, no Sul de Minas, em maio de 2011, mantém na trajetória do altar uma bióloga de BH, de 35 anos, e um consultor financeiro paulista, de 38, que hoje mora do Rio. O casal pede anonimato, mas não esconde a história dos 60 minutos que mudaram suas vidas. Depois de um fim de semana de workshops, os dois já haviam desistido de tentar encontrar a alma gêmea. Ela decidiu sair antes para pegar um táxi e ele ofereceu carona “Se não fosse esse momento não teríamos enxergado um ao outro. Foi na travessia de uma serra muito bonita que descobrimos as nossas afinidades”, conta a bióloga.
Os dois não se casaram e nenhum deles tem filhos. O que têm em comum vai além. “Não sei como explicar quais são as afinidades. Mas sei que ele é o homem da minha vida”, acrescenta. O cupido do casal é Cláudia Toledo, presidente da A2Encontros, que já teve trajetória parecida no litoral paulista, no fim de um carnaval de 21 anos atrás. Ela conta que, com uma amiga, conseguiu carona para voltar e em conversa de uma hora no carro se apaixonou pelo mostorista, hoje seu marido. “Foi uma hora que mudou a minha vida. O que ocorreu foi muito forte”, diz. (PC)