A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) tem pela frente o desafio de usar a política, a Justiça e a engenharia para vencer a matemática e, em apenas três meses, fazer o dobro do que conseguiu em quase um ano: desapropriar os imóveis que restam na Avenida Pedro I entre os selecionados para abrir caminho para as obras do transporte rápido por ônibus (BRT, na sigla em inglês). Nesse curto espaço de tempo, a missão do município é concluir a derrubada de casas e lojas que deveria ter terminado no ano passado e foi adiada para o fim do semestre. Desde março de 2011, quando começaram as demolições, 40% dos imóveis – 95 de um total de 240 ao longo de 4,7 quilômetros –foram ao chão e mais um está pronto para ser derrubado, segundo a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap). Outras 76 unidades estão em processo de negociação. As 68 restantes nem sequer foram notificadas pelo município.
Para correr contra o tempo e os números – denunciam moradores e comerciantes com endereço no importante eixo que une o Centro de BH e o Vetor Norte da capital –, a PBH tem usado mão de ferro, pouca conversa e notificações judiciais diretamente para liberar áreas, principalmente nos casos em que o proprietário não concorda com o valor de indenização oferecido. São vários os relatos: concordando ou não com o montante a ser recebido, o único caminho é sair dos imóveis para abrir caminho aos tratores. De acordo com os contribuintes, a prefeitura paga e dá prazo para sair. Para quem acha o preço injusto, resta a solução de recorrer à Justiça. Foi o que fizeram pelo menos 21 pessoas, segundo dados da Sudecap.
Representante dos comerciantes, João Fernando Fernandes, de uma conhecida loja especializada em pneus, foi um dos que já acionaram advogado. “A prefeitura não está dando chance alguma de negociação. Calcula o valor e quem concordar, bem. Se não, que cada um procure seus direitos”, afirma. Ele deve deixar o ponto onde está há 12 anos, na esquina com a Avenida João Samaha, em, no máximo, 60 dias.
Uma das representantes dos moradores, Deise Cristina Jaques, de 50 anos, que vive na Rua São Pedro do Avaí, tem até o início de abril para deixar a casa na qual vive há quatro décadas. “Na intimação, o juiz já bateu o martelo. Não há chance para reclamar. O problema todo é que estão pagando valores abaixo do mercado e considerando apenas o terreno, sem levar em conta o imóvel em si. Para mim, foram pelo menos R$ 100 mil a menos, segundo a avaliação de corretores”, diz.
Algumas pessoas afirmam não ter sido sequer procuradas, mas já sentem a pressão. É o caso da dona de casa Mariza Borges, de 55. Ela conta que ficou sabendo da futura demolição por meio de um advogado, o qual a informou sobre uma lista na internet e o número do processo para acompanhar on-line. “Até hoje, não fui avisada pela prefeitura, mas procurei o escritório de desapropriação e recusei a proposta que me foi feita. Mandamos avaliar e percebi que a prefeitura está desconsiderando a cobertura que comprei pronta. Ela diz que não estava legalizada”, relata.
No escritório de desapropriação, que procurou para saber o rumo dos acontecimentos, a moradora se assustou: “O responsável me disse que, fazendo acordo, o barato não sai caro e, assim, eu poderia conseguir um prazo maior para sair. Mas, sem acordo, corria o risco de me darem 72 horas para deixar o apartamento e de ter que me mudar primeiro para só depois receber o dinheiro. Não sei o que fazer, pois não tenho a mínima condição de recorrer à Justiça”, desabafa Mariza, dona de um apartamento na Pedro I, pouco depois do Parque Lagoa do Nado.
Apesar de haver operários e máquinas em menos da metade da extensão da avenida (cerca de dois quilômetros), a Sudecap nega qualquer atraso ou entraves e afirma que as desapropriações estão ocorrendo de acordo com o avanço da obra. Assim, argumenta a superintendência, não seria necessário derrubar tudo primeiro para seguir com as intervenções. Mesmo com o atraso nas desapropriações e com o impasse envolvendo parte dos proprietários, a Sudecap garante que a conclusão dos trabalhos deve ser antecipada. Em vez de abril do ano que vem, novo cronograma prevê o término das obras em março de 2013.
Palavra de especialista
Maria Geralda Alves Debien
advogada especialista em direito público
Caminho da desapropriação
“O decreto de desapropriação garante a ampla defesa, mas ela só pode ser reivindicada na Justiça. A princípio, o município tenta acordo extrajudicial, com oferta a partir de avaliação da equipe de engenharia. Se o acordo for assinado, é preciso outorgar a escritura de desapropriação, momento em que ocorre o pagamento. A dificuldade é que nem sempre os donos estão com a documentação em dia e, nesse caso, a escritura só sai, assim como o pagamento, depois da regularização. O município não está obrigado a fazer chamada na via administrativa: pode distribuir ações de desapropriação, com comunicado judicial, se for invocado o interesse público em razão da urgência. Havendo recusa de acordo ou necessidade de distribuição do processo, o juiz vai nomear um perito oficial. O magistrado vai intimar o município a depositar o valor encontrado em perícia. Será aberta conta judicial e o valor passa a ser atualizado até o fim do processo. O proprietário tem acesso a 80% do montante. Os 20% restantes serão retidos até o julgamento de mérito. O processo é muito rápido: tem demorado de quatro a seis meses.”