Passos – Com pouco mais de um metro e meio de altura, o garoto é tão miúdo que precisa se debruçar para alcançar uma janela. O corpo franzino, de 50 quilos, o faz encolher no uniforme vermelho amarrotado da Subsecretaria de Administração Prisional (Suapi). A voz desafinada do adolescente W.B.M., de 13 anos, no entanto, é desafiadora. Considerado a pessoa “mais perigosa” do município pela polícia de Passos, no Sul de Minas, ele assume sem embaraço quatro homicídios e três tentativas de matar outras pessoas. W. faz parte de grupo cada vez maior de crianças e adolescentes que, longe de escolas e quadras esportivas, contribuem para o aumento dos índices de violência em cidades do interior de Minas.
O problema também ocorre em outras cidades. Em Coronel Fabriciano, no Vale do Aço, houve aumento de 85% nos crimes violentos e de 75% nos homicídios. O delegado da cidade, Walter Felisberto, estima que 70% dos casos tiveram participação de menores, seja direta ou em parceria com maiores de 18 anos. “O tráfico se aproveita desses menores e da sua imputabilidade”, avalia. Ao Estado de Minas, autoridades policiais de Varginha, Sete Lagoas, Divinópolis, Conselheiro Lafaiete e Barbacena, cidades nas quais também foi registrado aumento nos índices de violência, disseram que a participação de adolescentes em crimes predomina. Em Ipatinga, no Vale do Aço, os crimes recuaram, mas a polícia afirma que ali cada vez mais menores estão relacionados a ocorrências policiais.
Centros de internação
Na maioria das cidades, autoridades policiais dizem que a falta de centros de internação nos municípios ou de vagas em localidades vizinhas contribuem para o problema. Para eles, mais menores cometem infrações diante da certeza de que ficarão apreendidos por pouco tempo. “Não temos dificuldades para solucionar os casos. O problema é que os envolvidos são presos e acabam soltos”, diz o delegado regional de Passos, Carlos Alves Francisco. Segundo ele, este ano já houve quatro homicídios e pelo menos sete pessoas estão marcadas para morrer por causa da guerra entre gangues de traficantes com menos de 18 anos. O delegado aponta que, no município, os menores já não são apenas usados por traficantes. Em alguns casos, estão à frente de grupos. “Antes, o traficante, muitas vezes ligado ao crime organizado paulista, usava os menores para matar e traficar. Agora, os próprios menores assumiram as bocas de fumo”, diz.
Em Passos, o caso do adolescente W., apreendido com um revólver calibre 38 e uma pistola calibre 380, é apontado pela polícia como exemplo de que menores não temem punição na cidade. “Num só dia, esse menor, o W., foi apreendido de manhã por tentativa de homicídio. Foi solto sob a guarda do responsável e à tarde o pegamos de novo por tentar matar outra pessoa. Nos dois casos, as vítimas levaram muitos tiros”, conta o comandante da PM local, tenente-coronel Ronaldo Rezende. Como Passos não dispõe de uma unidade para internação de menores, a Justiça só permite a permanência de infratores por cinco dias em presídios. Quando se trata de casos graves, uma internação preventiva chega a ser pedida, o que resulta numa prorrogação de 45 dias. O prazo é considerado pela polícia e pelo Ministério Público exíguo para que o processo jurídico resulte na aplicação de uma medida socioeducativa, o que culmina na soltura do menor.
Menores de 18 anos não escondem da polícia seus próximos movimentos. Segundo o delegado regional de Passos, eles fazem ameaças até dentro da delegacia. “O garoto (W.) falou para mim: ‘pode me prender que daqui a 45 dias estou na rua de novo e vou matar mais’, referindo-se aos seus desafetos no tráfico de entorpecentes, principalmente o crack”, conta Carlos Francisco. Na semana passada, os adolescentes Y.F.A. e P.H.M., de 17, suspeitos de matar dois irmãos em Passos, foram libertados depois de 45 dias internados em Uberaba, no Triângulo Mineiro. “Já estão todos no bairro. E o pior é que os dois mortos eram irmãos de dois bandidos que eles confundiram. Agora, ou matam para se proteger ou vão ser mortos por vingança”, prevê o delegado Carlos Francisco. (Colaboraram Simone Lima e Marcos Avellar)
75% É o percentual dos assassinatos em Passos, no Sul de Minas, que foram atribuídos a menores no ano passado
70% É o percentual dos crimes violentos em Coronel Fabriciano que tiveram participação de adolescentes, segundo a polícia