"Ele nos abordou com uma arma e disse que dois homens estavam cercando o prédio. Falou para não gritarmos, senão nos mataria, e nos levou para o segundo nível da garagem, no subsolo. Lá, nos mandou tirar a roupa e praticou o abuso. Horrível". Foi com a voz calma que duas irmãs, de 29 e 26 anos, contaram os momentos de terror que viveram em julho de 1996, quando foram violentadas por um homem que elas afirmam ser o ex-bancário Pedro Meyer Ferreira Guimarães, de 56 anos, acusado de ter atacado sexualmente pelo menos 13 mulheres e adolescentes em Belo Horizonte.
As irmãs foram as primeiras a prestar depoimento na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Belo Horizonte. Ouvidas pela força-tarefa que está investigando os crimes cometidos pelo acusado, preso na semana passada depois de ter sido reconhecido por uma mulher que o identificou como o responsável por tê-la violentado em 1997, no Bairro Cidade Nova, na Região Nordeste da capital, elas contaram em detalhes como foi a agressão sexual.
Conforme detalhou a empresária M., a mais velha, o estupro ocorreu no prédio onde elas moravam, no Bairro Nova Floresta, próximo ao Cidade Nova. "Eu tinha apenas 13 anos. Era uma menina. Estávamos eu, minha irmã, de 11 anos, e uma prima, de 12. Era época de férias. Por volta das 14h30, voltávamos da casa de uma amiga, bem em frente à minha casa. Tocamos o interfone e minha mãe abriu o portão da rua, mas havia um outro portão, que precisava ser aberto com uma chave por minha mãe. Quando passamos a primeira entrada, já encontramos com ele dentro do edifício", contou.
Talvez por ser a mais velha entre as três meninas e com o corpo mais desenvolvido, M. disse que foi a principal vítima dos abusos do estuprador, que se deitou sobre ela. "Ele usava boné e óculos. Quando se deitou, os óculos dele caíram e vi a sobrancelha dele, que é bem marcada. Nunca esqueci aquela imagem. Passei anos o enxergando pela rua. Isso foi um trauma que marcou minha vida", disse a empresária. A violência sexual só não prosseguiu porque o criminoso ouviu um barulho na escada. "Algumas crianças estavam descendo, brincando com uma bola. Ele foi ver o que era. Pegamos nossas roupas e fugimos nuas pelo elevador. Fomos para casa e encontramos minha mãe". A polícia foi chamada, mas o agressor já havia fugido.
A irmã mais nova lembrou que, além da sobrancelha, outras características físicas, como o cavanhaque e o formato do rosto, ficaram gravadas na memória e foram determinantes para que elas reconhecessem Pedro como o homem que as atacou. "A lembrança foi imediata. Quando vimos a foto dele no noticiário não tivemos dúvida. Lembramos perfeitamente do boné vermelho, dos óculos escuros de cor preta, da barba e da sobrancelha grossa", disse M. Para a mulher, que hoje tem uma filha de 8 anos, retomar o assunto é doloroso, mas vê-lo preso é um alívio. "Estou vivendo tudo de novo. Nessa semana, chorei muito, tive um misto de raiva, medo, mas estou aliviada. Quero que seja feita justiça. Que ele fique preso e pague pelos crimes que cometeu."
Ambas contam que após a violência sexual passaram a ter medo de dormir sozinhas e de sair de casa. "Isso atrapalhou a minha vida na escola, meus relacionamentos com homens. Não queria mais sair de casa. Todo o bairro ficou sabendo. Eu e minha irmã passamos por cerca de 10 anos de acompanhamento psicológico", concluiu M.
Reconhecimento
De acordo com a delegada Elizabeth de Freitas de Assis Rocha, as outras mulheres que procuraram a polícia relatando serem vítimas de Pedro vão ser ouvidas formalmente nos próximos dias. "Já ouvimos a vítima responsável pela denúncia do acusado, além das duas irmãs ouvidas hoje. Após a conclusão das oitivas e dos inquéritos policiais, vamos trazer o acusado à delegacia para que as mulheres façam um reconhecimento coletivo", afirmou. Isso deve ocorrer em até 15 dias. “Ainda é cedo para afirmarmos que ele é responsável por esses crimes que estão sendo denunciados. Precisamos ouvir todas as vítimas e traçar a vida dele. Apesar disso, os indícios levam a crer que ele seja culpado”, afirma a delegada.
Ontem, na delegacia, ela apresentou os objetos que foram apreendidos na casa do acusado. Na residência, onde ele vivia com a mãe, uma senhora de 93 anos, foram encontrados 10 bonés com marcas de postos de gasolina e cores diversas, óculos escuros e várias camisas sociais. Segundo Elizabeth, todas as vítimas até então ouvidas relatam que ele usava tais peças no dias das agressões. Também foram recolhidos recortes de jornais com temas sexuais e bilhetes com nomes de apresentadoras de televisão da capital.
Pedro cumpre prisão temporária (30 dias) no presídio Inspetor José Martinho Drumond, em Ribeirão das Neves, na Grande BH. A delegada informou que, se necessário, a prisão pode ser prorrogada, além de poder ser pedida prisão preventiva. O Estado de Minas procurou o advogado de Pedro, mas ele não atendeu as ligações nem retornou.