Quando colocou os pés em Brasília pela primeira vez, Maira Selva Borges não poderia imaginar como sua vida seria diferente daquele momento em diante. Recém-separada, a mineira de Uberlândia foi transferida de Tocantins para a capital federal. Na nova rotina, ela precisou se acostumar a não dividir mais a casa com ninguém. Com a separação dos pais e os problemas de saúde enfrentados pela mãe, em 2008, a depressão foi chegando devagar, sem que ela percebesse. Durou até 2010. “Vi pesquisas que mostram que há uma porcentagem alta de pessoas que moram sozinhas e são solitárias em Brasília”, comenta a advogada, de 31 anos. “Eu sinto essa solidão aqui.”
A sensação está longe de ser exclusividade de Maira. De acordo com uma pesquisa feita pela Universidade de Helsinki, na Suécia, e pelo Finnish Institute of Occupational Health, na Finlândia, pessoas que vivem sozinhas têm 80% mais chances de se tornarem depressivas, quando comparadas às que moram com amigos ou parentes. No caso da advogada, a única companhia é o cachorro, Nino. Trabalhar, ir ao cinema, fazer compras no supermercado, assistir a uma peça no teatro ou realizar qualquer outra atividade sem companhia não é problema para ela, já que a rotina apressada a faz esquecer da “subpopulação” doméstica. Quando, contudo, o expediente termina, ela sente falta de ter alguém para resumir como foi o dia. “Acho que a depressão vem porque você tem mais tempo para refletir sobre a vida, não tem uma válvula de escape”, arrisca.
Laura Pulkki, docente do Instituto de Ciências do Comportamento da Universidade de Helsinki e principal autora da pesquisa, explica que a equipe acompanhou 5.871 participantes de 30 a 65 anos. Por meio do registro de prescrição de remédios que existe na Finlândia (no qual os dados de quem compra medicamentos ficam arquivados), os pesquisadores puderam descobrir se aqueles que viviam sozinhos compraram mais antidepressivos entre 2000 e 2008 do que os indivíduos que moravam com outras pessoas. “No começo do estudo, nenhum deles jamais havia tomado esse tipo de remédio”, detalha. “Dos que moravam com alguém, 15% compraram o remédio durante os oito anos da pesquisa, enquanto 25% dos que moravam sozinhos precisaram usar”, completa Laura.
Ela diz que já há análises que apontam como viver sozinho aumenta os riscos de problemas mentais, de consumo de drogas psicotrópicas e até mesmo de suicídio. Dividir a casa, em contrapartida, traria suporte emocional e o sentimento de integração social. Além dos problemas emocionais, dificuldades financeiras também são uma dor de cabeça que pode fazer com que a experiência de morar sozinho não seja tão libertadora assim. Para as mulheres do estudo, esse foi o fator que mais incomodou: um terço do risco de depressão associado a elas foi atribuído ao valor do aluguel, a condições de vida insatisfatórias e ao desemprego. Os homens sofrem mais com o isolamento social. “Eles sentem que não têm muitos amigos, boas relações no trabalho ou no tempo livre”, explica a pesquisadora.
Força externa
Há três anos, o estudante Moacir Pisoni Junior, de 19, não sabe o que é ter que dar explicações sobre onde vai, a que horas pretende voltar ou se já lavou a louça do fim de semana. A liberdade para exercer plenamente o direito de ir e vir, contudo, não é sempre um mar de rosas. Ele admite que ter que cuidar das próprias coisas sem ajuda demanda maturidade e uma boa dose de controle emocional. Se não há com quem dividir os perrengues do dia a dia, o jeito é se adaptar: os amigos, para Moacir, substituem perfeitamente eventuais companheiros de moradia.
Ele conta que já teve depressão, mas, ainda assim, prefere manter a liberdade de escolher como comandar a casa sozinho. “Procuro companhia fora de casa, dos amigos”, justifica. “Morar com outra pessoa dá muita intriga, porque as duas têm direitos iguais mas tentam impor sua opinião à outra.” Buscar suporte entre os amigos, como Moacir faz, é uma medida importante para evitar que a depressão se instale – ou volte a incomodar.
Estruturas depressivas
O psicólogo Ricardo Alves de Oliveira explica que para pessoas com estruturas emocionais depressivas, estimular relações interpessoais intensas é importantíssimo para que os sintomas não apareçam. Reavaliar periodicamente a escolha também é uma forma de se observar. Ele diz que, muitas vezes, a decisão se esconde por trás de justificativas como “não gosto de conviver com outras pessoas” ou “os outros me irritam”, mas, na realidade, o conflito está mais próximo do que parece. “A pessoa pode descobrir que o problema não está em conviver com outras pessoas, mas em conviver com ela mesma.”
Apenas o fato de viver sozinho, contudo, não é suficiente para fazer com que uma pessoa tenha depressão. “Existem pessoas que têm traços da personalidade que não casam com a convivência familiar. Esses indivíduos precisam de um espaço individual”, explica o psicólogo. Uma coisa pode até não estar associada diretamente à outra, mas a escolha por si só já serve como um sinal de alerta. Perder referências familiares e a convivência com pessoas próximas aguça os sintomas da doença. “A depressão tem um caminhar crescente. A pessoa não começa deprimida, ela dá indícios. Fazer questão de morar sozinho pode ser um sinal de que a complicação está começando”, conclui Ricardo Alves.
Samir Miguel Lesme não vê problemas em morar sozinho. Aos 22 anos, o estudante está acostumado a cuidar da própria vida desde os 18, quando saiu da casa dos pais. Os quatro primeiros anos de “independência” foram passados em repúblicas de estudantes mas há seis meses ele administra sozinho a vida em uma quitinete. Para ele, a afirmação de que pessoas que não dividem a casa são tristes é exagerada.
“Nunca tive depressão, apesar de me sentir sozinho às vezes”, reforça. “O fato de você morar sozinho não o impede de ligar correndo para alguém quando sentir que precisa de companhia.” Aprender a se bastar também é uma dica para os mais tristonhos: quando a solidão (ou o tédio) bate à porta, Miguel assiste à tevê, cozinha, ouve música ou lê um livro. “Talvez esse seja o motivo pelo qual eu nunca tive depressão”, arrisca.
Solitários no Brasil
O número de pessoas que resolveram não rachar o aluguel com ninguém está aumentando. De acordo com o Censo 2010, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a parcela da população que mora sozinha aumentou de 8,6% para 12,1% de 2000 para 2010. Alguns prováveis motivos, segundo o levantamento, são a diminuição do tamanho dos apartamentos e a quantidade cada vez maior de pessoas divorciadas e idosas.
Ranking nacional
Minas Gerais está em quinto lugar entre as regiões com maior percentual de residências ocupadas por apenas uma pessoa. Descubra onde estão os maiores redutos de moradores solitários:
» 1. Rio de Janeiro: 15,57%
» 2. Rio Grande do Sul: 15,17%
» 3. Mato Grosso do Sul: 13,24%
» 4. Goiás: 13,2%
» 5. Minas Gerais: 13%
» 6. Bahia: 12,82%
» 7. Distrito Federal: 12,67%
» 8. Tocantins: 12,56%
» 9. Mato Grosso: 12,4%
» 10. São Paulo: 12,34%
O RISCO DA SOLIDÃO