Um dos problemas que demandam solução mais urgente em todo o Brasil e, contraditoriamente, um dos filões mais lucrativos e cobiçados de prestação de serviços ao setor público parece prestes a entrar em uma nova era em Minas Gerais. Nela, o tratamento do lixo ganhará novas tecnologias, a geração de energia a partir do que hoje é só sujeira será realidade, a reciclagem terá prioridade e reduzir o volume de resíduos enterrados será obrigação. Em um estado onde é preciso ameaçar prefeitos com punição severa para acabar com os 278 lixões ainda ativos e obrigá-los a construir aterros sanitários, esse cenário pode parecer ficção. Mas é a mais nova aposta para a transformar a Grande Belo Horizonte na primeira região metropolitana da América a ter 100% do lixo tratado. Um total de 47 cidades se juntou para fazer um megaconsórcio do lixo e ter muito mais em comum do que apenas a proximidade geográfica. A iniciativa começa a ganhar forma hoje, com a abertura da consulta pública aos interessados no empreendimento.
BH é a única cidade da região metropolitana que não participará da iniciativa. Entre as 47, há 14 integrantes do Colar Metropolitano. A consulta pública vai nortear a elaboração final do edital de parceria público-privada (PPP) para transbordo, tratamento e disposição final de resíduos sólidos urbanos, coordenado pelas secretarias de Estado de Gestão Metropolitana de Belo Horizonte (Segem) e de Desenvolvimento Econômico (Sede). Até o dia 28 do mês que vem, elas querem saber de grupos de catadores de material reciclável, operadores de tecnologia nacionais e internacionais e dos investidores o que pode ser acrescentado ou mudado no projeto.
O modelo de gerenciamento do lixo – aterro, incinerador ou outra tecnologia – será definido pelo vencedor da licitação, que deverá, além de oferecer o menor preço, se comprometer a aterrar menos resíduos. Essa é a principal novidade: o consorciado terá a obrigação de não enterrar, pelo menos, 20% de todo o detrito recolhido nas 47 cidades – percentual que deverá ser reciclado ou transformado em energia. Os aterros ou usinas não têm ainda locais definidos e serão escolhidos pela iniciativa privada. A estimativa é de que três cidades sejam apontadas para receber os depósitos.
Interesse internacional
Durante a consulta, serão feitas também audiências públicas. A abertura da licitação está marcada para junho, na Semana do Meio Ambiente. A expectativa é de que a empresa vencedora assine contrato até o início do ano que vem e as primeiras operações comecem ainda no segundo semestre de 2013. A concorrência é internacional e, até agora, cinco empresas internacionais, da Inglaterra, Estados Unidos, Espanha, Japão e China, e 10 nacionais manifestaram interesse em participar.
“A questão do resíduo sólido é muito de escala. Não adianta ter poucos municípios com poucos resíduos. A Grande BH tem essa marca: a população vivendo razoavelmente próxima”, afirma o diretor-geral da Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte (ARMBH), vinculada à Segem, Camillo Fraga. Ele explica que, além de tratamento total do lixo, um avanço do consórcio será o aproveitamento energético, que poderá se dar pelo gás metano ou aproveitamento direto do resíduo (por meio da incineração, gaseificação ou outras tecnologia). “O combustível derivado do resíduo pode ser vendido, queimado no forno ou gerar energia proveniente do calor. Países da Europa e o Japão estão bem mais avançados nesse aspecto”, ressalta. A coleta seletiva será também obrigatória em todos os municípios participantes.
Coordenador-geral da Unidade Central de PPPs, vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Marcos Siqueira destaca que o projeto se apoia numa lógica inversa e na inovação, inspiradas em projetos desenvolvidos no Reino Unido. “Hoje, mesmo as cidades que dispõem corretamente o lixo o fazem em aterros sanitários. Queremos um menor volume aterrado, pois esse já é um modelo que ficou para trás e está deixando grande passivo ambiental”, diz. “Propomos uma flexibilidade tecnológica e um incentivo ao não aterramento. O contrato prevê que sempre que surgir uma nova tecnologia que diminui o depósito de lixo, haverá incentivo financeiro e pagamento garantido para que o modelo seja alterado, sem precisar de aditivos contratuais e outras modificações”, acrescenta.
Proposta envolve contrato milionário
Um negócio lucrativo. A empresa candidata a mudar os conceitos de tratamento de resíduo sólido da Região Metropolitana de Belo Horizonte terá de desembolsar mais de R$ 750 milhões. Em compensação, terá por ano, numa conta simples, vários incentivos e muitos milhões em rendimentos. A participação de cada integrante dessa história também está bem definida: o estado vai licitar, terá também o contrato com o grupo responsável pela execução do trabalho, e aos municípios caberá levar os resíduos para o local indicado e dividir o custo pela destinação adequada.
Juntas, as 47 cidades da Grande BH e do Colar Metropolitano participantes da parceria público-privada que, juntas, vão gerar cerca de 40 milhões de toneladas de lixo durante os 30 anos de vigência do contrato – prorrogável por mais cinco anos. Apenas no primeiro ano, a Unidade Central de Parcerias Público-Privadas e a Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte (ARMBH) estimam 1 milhão de tonelada de destritos, quantidade que aumentará para 1,5 milhão de tonelada nos anos seguintes.
Pela proposta inicial, o pagamento de estados e municípios vai obedecer o teto de R$ 65 por tonelada. De acordo com o Coordenador-geral da Unidade Central de PPPs, da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Marcos Siqueira, esse é o valor para aterramento de 50% dos resíduos. “Acima disso paga-se menos, para incentivar o não aterramento”, destaca. Já a taxa de retorno, que representa quanto o vencedor da concessão vai ganhar ao investir, é de 12% ao longo do projeto. “Além do pagamento compartilhado do governos do estado e prefeituras, é uma mistura de três receitas que dão viabilidade ao projeto. Lixo é um produto lucrativo”, destaca o diretor-geral da ARMBH, Camillo Fraga.
Cooperação
O projeto de análise de resíduos sólidos nos municípios da RMBH e Colar Metropolitano contaram com a cooperação técnica entre a Secretaria de Estado de Gestão Metropolitana de BH e representantes da Agência Japonesa de Cooperação Internacional (Jica) e da Prefeitura de Kitakyushu, também no Japão. Em março, os japonses estiveram em Minas para conhecer as iniciativas em gestão ambiental desenvolvidas na Grande BH, com ênfase em resíduos sólidos.
Representantes do governo de Minas também foram ao Japão conhecer o modelo de incinerador desenvolvido no país. A agência japonesa se comprometeu a subsidiar a capacitação de técnicos brasileiros que ficarão responsáveis pelos estudos e análise dos resíduos sólidos na Região Metropolitana de BH, identificando, principalmente, o poder calorífico com potencial para ser usado na geração de energia.