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Estado de Minas

Com decisão do STJ, especialistas preveem avalanche de ações em Minas

Filha privada de cuidados do pai conseguiu indenização por danos morais. Entendimento divide juristas: uns o veem como avanço; outros, como uma tentativa de dar preço às relações de família


postado em 04/05/2012 06:00 / atualizado em 04/05/2012 07:10

Bárbara, que hoje estuda em Ouro Preto, deixou de conviver com o pai aos 10 anos. Ela admite mágoa, mas diz que não cobraria afeto na Justiça:
Bárbara, que hoje estuda em Ouro Preto, deixou de conviver com o pai aos 10 anos. Ela admite mágoa, mas diz que não cobraria afeto na Justiça: "Não sinto falta dele e sei tomar conta da minha vida sozinha" (foto: Cesar Trópia/Esp. EM )
Delicadas relações familiares em jogo. Anos e anos de distância e ressentimento. Outros tantos de debate judicial e um desfecho que promete revolucionar os bastidores do direito de família em todo o país. A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de condenar um pai a indenizar a filha em R$ 200 mil por danos morais resultantes de abandono afetivo pode mudar os rumos desse tipo de ação em Minas. A previsão de juristas é de que o episódio, envolvendo personagens paulistas, leve muitos filhos mineiros que se sentem desamparados a procurar a Justiça para que, mesmo tendo pensão alimentícia, possam ter a reparação financeira por não receberem cuidados e amor. Isso faria multiplicar o número de processos dessa natureza, que hoje representam menos de 1% de todas as ações que chegam às varas de família de todo o estado. Em Belo Horizonte, onde o percentual é o mesmo, aproximadamente 50 pedidos são protocolados por ano no Fórum Lafayette. De todos os casos, apenas oito chegaram a ser analisados pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG); somente um chegou ao STJ, e ainda assim foi negado.

“As ações de dano moral vão aumentar muito e é até possível que haja uma mudança de entendimento com base nesse posicionamento da ministra Nancy Andrighi (do STJ). Mas, ainda assim, vou examinar cada caso concretamente”, afirma o juiz da 1ª Vara de Família do Fórum Lafayette, Newton Teixeira Carvalho. O magistrado recebeu com reservas a decisão da instância superior. “Abre precedentes para muitos casos, mas pode fechar as portas da reconciliação pelo diálogo. É uma decisão desagregadora”, afirma, criticando o que considera uma tentativa de dar caráter monetário ao direito da família. “Afeto não tem preço: se constrói no dia a dia e não pode ser imposto por meio financeiro.” Em quase 100% dos casos, acrescenta, as ações são contra homens, que se separam e abandonam os filhos, ou que são casados e têm filhos fora da relação conjugal.

Já na avaliação do presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, os filhos devem acionar a Justiça como forma de questionar o pai pelo abandono. “As pessoas não devem mover processos pensando em ganhar dinheiro, mas sim como forma de marcar uma posição. É muito mais para fazer uma pergunta pública do que para ter um benefício financeiro. A atitude tem efeito pedagógico para o pai, que vai responder pelo descumprimento do seu dever com o filho”, afirma.

Para ele, o afeto tem valor jurídico e sua negação deve ser punida. No entanto, Rodrigo da Cunha destaca que os ministros do STJ ainda vão precisar se entender quanto a seus posicionamentos. “Existem duas turmas que fazem esse tipo de julgamento, mas que têm entendimentos contrários. Vão precisar entrar em um consenso para que se forne jurisprudência”, disse.

O presidente do Ibdfam foi defensor no caso em que o gerente de projetos Alexandre Batista Fortes, hoje com 31 anos, pediu indenização por danos morais decorrentes de abandono afetivo. Na época, Alexandre tinha 19 anos e, segundo ele, havia perdido o contato com o pai. O caso foi o primeiro no Brasil a ser reconhecido em segunda instância. Ironicamente, foi barrado no próprio STJ. O advogado João Bosco Kumaira, que defendeu o pai, sustentou não haver situação de abandono. “Meu cliente viajava muito e só precisou se afastar quando foi transferido no trabalho para fora do país”, afirma.

Divisão

A iniciativa de tentar na Justiça uma indenização pela ausência de afeto não é consenso nem mesmo entre filhos que se ressentem da ausência. Pessoas como a universitária Bárbara Vilaça, de 22 anos, aprenderam a conviver sem a figura paterna. O tempo parou da última vez em que ela se encontrou com o pai em um restaurante em Belo Horizonte. A jovem não se lembra do nome do lugar, nem do dia exato, mas nunca esqueceu o sentimento de frustração. Os dois não se viam havia  anos, apesar de morarem no mesmo bairro. “Só o cumprimentei e fui embora. Ele continuou sentado à mesa, nem se levantou”, conta a estudante da Universidade Federal de Ouro Preto.

Bárbara diz que o pai e a mãe não chegaram a se casar. O homem conviveu com a filha até por volta dos 10 anos, mas depois se afastou, sem explicações. “Tenho mágoa dele, mas não entraria na Justiça cobrando afeto. Não sinto falta da figura de um pai e sei tomar conta da minha vida sozinha”, diz. Mas o ressentimento deixou marcas: mais do que outras jovens, Bárbara aprendeu a redobrar o cuidado nas relações amorosas. “Primeiro, eu nunca ficaria grávida. Depois, em uma situação dessas, acho que é preciso arrancar a pensão de qualquer jeito, pois ninguém faz filho sozinho e não é certo uma criança crescer sem pai”, resume, amargurada.

Desistência com sabor de amargura e revolta

Ele esteve perto de ver reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ação judicial movida contra o pai. Mas hoje, depois que os magistrados decidiram pela condenação em caso semelhante em São Paulo, o gerente de projetos Alexandre Batista Fortes, de 31 anos, desistiu de novo processo. “Já consegui superar um pouco essa história e sei que não tenho mais chances de ter o pai que queria. Acredito que ele se sentiu ferido e, como não penso no lado financeiro da ação, não pretendo voltar à Justiça. O que buscava era uma resposta pelo abandono e isso eu sei que ele não vai dar”, desabafa.

A relação entre Alexandre e o pai, o engenheiro Vicente Fortes, foi quebrada quando o menino tinha 7 anos. “Fui um filho planejado pelos dois. Não foi por acaso. Mas depois eles se separaram e ele se casou novamente. Quando teve uma filha, nosso contato acabou”, disse. Ele afirma que até os 19 anos tentou contato com o pai. “Supliquei pelo amor dele. Mandei cartas, liguei e o esperei em momentos importantes, como em minha formatura no colégio. Ele me via como um carnê: a pensão nunca foi o problema, mas não me dava o carinho que eu queria receber”, afirma.

Alexandre diz ter ficado feliz com a nova decisão do STJ. “Concluo que meu caso não foi em vão. Ele pode levantar o olhar para essa responsabilidade que o pai deve ter com o filho, que não se resume ao lado financeiro. O lado afetivo é muito importante”, alega.

ABANDONO

Há 40 anos, a assistente de pessoal Deise de Oliveira, de Santa Luzia, foi abandonada pelo pai no dia do seu aniversário de 6 anos. O bolinho já estava preparado, ela e os cinco irmãos estavam ansiosos para cantar os parabéns. Mas o pai discutiu com a mãe, saiu de casa e nunca mais voltou. Não deu assistência financeira nem emocional para a família. Décadas depois, a história se repete com a filha de Deise, de 6. Depois de três anos, o casal se separou seis meses após o nascimento da menina. O pai concordou em registrar o bebê, mas fez questão de declarar em ata que não queria contato com Daniele.

Orientada pela advogada Rosa Werneck, Deise entrou em acordo com o ex-companheiro, devolvendo os valores gastos na construção da casa, abatidos no pagamento da pensão da filha. “Não vou deixar ocorrer com minha filha o que aconteceu com a minha família. Foi muito sacrificante para meus irmãos e para minha mãe. Se esse tipo de decisão existisse antes, processaria meu pai. Hoje não adianta mais batalhar, porque ele está doente e em situação pior do que a nossa”, conclui.


É legítima a cobrança por abandono afetivo?

João Bosco Kumaira
advogado que defendeu o pai de Alexandre Batista Fortes da acusação de abandono afetivo

Não

O processo de danos morais por abandono afetivo não é capaz de aproximar pai e filho. Advogados que patrocinam essa ideia devem repensar essa postura, porque é um erro grave: em vez de promover o contato entre as partes, faz com que eles percam totalmente a relação, devido ao procedimento judicial. A questão básica desse tipo de processo, em que se requer uma indenização, é entender onde está o ato ilícito para que a multa seja imposta. É ilícito o pai não ter condição de dar afeto ao filho? Não se pode pagar por afeto, nem se pode obrigar uma pessoa a dar afeto. Em vez de entrar com esse tipo de ação, as partes devem procurar uma forma pacífica de aproximação, já que a ação na Justiça só desagrega.


Rodrigo da Cunha Pereira
presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam) e advogado de Alexandre Batista Fortes

Sim

A grande mudança do direito de família é que afeto tornou-se valor jurídico e a negativa do pai de dá-lo ao filho, direito que está previsto na Constituição, deve ser punida. Afeto não é sentimento, é cuidado, amparo, educação, imposição de limites. O fato de pagar uma pensão alimentícia não substitui a presença do pai. A condenação do STJ no caso de São Paulo é uma das decisões mais importantes dos últimos tempos do ponto de vista político e social. No caso do Alexandre, o pai pagava a pensão, mas não só de pão vive o homem. Ele precisa de alimento para o corpo e para a alma. O abandono tem a ver com o princípio da responsabilidade: o pai tem de se responsabilizar pelo filho, seja desejado ou não.


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