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Estado de Minas

Superlotação e precariedade marcam sistema prisional em Minas Gerais

Minas possui uma das maiores populações carcerárias do país. Ceresps são alguns dos locais aonde a superlotação tem sido mais preocupante.


postado em 09/05/2012 08:38 / atualizado em 09/05/2012 10:17

Minas Gerais possui uma das maiores populações carcerárias do país. Dos 321.014 detentos cumprindo pena no Brasil, atualmente, cerca de 44 mil estão localizados no Estado. Os números são da Secretaria de Estado de Defesa Social, contudo segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o número é ainda maior: mais de 47 mil homens e mulheres encarcerados. A quantidade só perde para São Paulo. Para atender esse público, Minas possui hoje 129 Unidades Prisionais, dentre eles Centros de Remanejamento do Sistema Prisional (Ceresp), presídios, penitenciárias, complexos penitenciários, casas de albergado e hospitais de custódia. Mesmo assim as vagas não são suficientes e o número de detentos supera em 13 mil a capacidade das unidades carcerárias.

Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, os Ceresps são alguns dos locais aonde a superlotação tem sido mais preocupante. Por meio de uma ferramenta chamada Geopresídios, o CNJ monitora a situação carcerária em todo o país. Segundo os dados, na unidade Gameleira, por exemplo, a capacidade é de receber 404 detentos, contudo no mês de março foram registrados 965 presos. No Ceresp São Cristóvão a capacidade é de 80 homens, mas a lotação atual é de 177. A penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, tem situação mais ‘tranquila’ e o número de detentos excede em aproximadamente 100 a quantidade de vagas. Já a penitenciária de São Joaquim de Bicas poderia receber 754 presidiários, mas, segundo os dados, ela é ‘casa’ de 1740 pessoas. Em Betim a situação não é diferente e o Ceresp da cidade tem cerca de 1040 detentos para 402 vagas.

O resultado disso é sentido na pele pelos homens que têm que viver com pouca qualidade de vida e, muitas vezes, em situações precárias dentro das unidades. O Aqui Betim se propôs a debater a questão da criminalidade e algumas de suas vertentes em uma série de reportagens, que os leitores poderão conferir essa semana. Na primeira reportagem, o especialista analisou alguns pontos que têm motivado mais adolescentes a entrarem no mundo do crime. Depois a série mostrou o que tem acontecido com quem faz parte do universo do crime e hoje discute o sistema carcerário.

Testemunhas

Marcos (nome fictício) recentemente foi liberado do Ceresp Betim e não tem boas recordações do período em que viveu lá. Ele conta que a cela em que ficou tinha seis camas (ou “jegas”, como os detentos as chamam), no entanto o número de homens no local girava em torno de 18 a 20 presos. No espaço de três metros por quatro, eles revezavam quem poderia deitar nas camas e quais tinham que dormir no chão. “Os que estavam lá há mais tempo podiam dormir nas camas. Os outros tinham que deitar no chão mesmo, em um colchãozinho fino que eles (Ceresp) dão para a gente. Era muito apertado, para ir ao banheiro, por exemplo, tinha que sair pulando na cabeça dos outros”, recorda. As únicas distrações eram uma pequena televisão e aparelhos de rádio, levados pelas famílias.

Mesmo com o Estado contando com várias iniciativas já dentro das unidades carcerárias para ajudar na ressocialização do preso, a única de Betim não conta com praticamente nenhuma delas. Segundo o superintendente de atendimento ao preso, da Subsecretaria de Administração Prisional (Suapi), Helil Bruzadelli, a instituição não possui estes serviços por ter a função de remanejamento - teoricamente o detento fica em um Ceresp enquanto aguarda decisão judicial. Se condenado, deverá ser encaminhado para um presídio ou outra unidade prisional, onde cumprirá a pena. “Lá os detentos possuem oficinas de pré-moldados de concreto e podem cuidar da horta. Eles fazem a manutenção da unidade”, afirma.

Em outros locais, relatos de presos também confirmam condições precárias. Roberto (nome fictício), de 35 anos, foi indiciado por participação em um assalto, em 2005, quando foi condenado pela primeira vez. Ele cumpriu seis meses no Ceresp Betim e seis meses na penitenciária Nelson Hungria. Já em sua segunda prisão, no início de 2012, ele ficou por dois meses no Ceresp Gameleira. Em todos os casos ele encontrou desconforto e passou por dificuldades. “Quando eu passei em Betim, em 2005, não tinha colchão para dormir, foi quando a Suapi ainda não tinha assumido. Tinha era mantas para forrar no chão. Quando fui para a Nelson Hungria, lá já tinha colchão. Na minha cela tinha 40, num espaço que cabia 13 pessoas. Tudo era muito escasso e a higiene não tinha. As pessoas sofriam muito com isso. A gente tinha que dormir dois em uma cama e o resto no chão, um do lado do outro. Só quando inauguraram uma nova área que a gente ficou em celas com quatro, aí foi bem melhor”, relata. “Depois, na Gameleira, num lugar que cabia 12 pessoas, tinha 23. Era muito desconfortável”, conta.

Contudo, mesmo com o desconforto da superlotação, ele acredita que a maioria dos presos tem dentro dos presídios o que muitas vezes não têm, quando em liberdade. “Lá nós temos quatro refeições por dia, com horário certo sempre. Não é tão ruim quanto as pessoas falam. Tem muita gente que não come aqui fora o que a gente come lá dentro, por exemplo, lá você tem carne todo dia, tem leite e tem pão. Muitas vezes as pessoas nem fazem por merecer o que ganham lá”, comenta.

Ressocialização

O superintendente de atendimento ao preso, da Subsecretaria de Administração Prisional (Suapi), Helil Bruzadelli, afirma que em Minas os detentos contam com um programa que pretende implementar ações de profissionalização de forma a ajudar na ressocialização enquanto ainda cumprem a pena. Segundo Bruzadelli, o “Trabalhando a Cidadania” possui mais de 300 parcerias de trabalho com empresas de várias regiões do Estado. “Por meio do programa, detentos dos regimes fechado, semi-aberto e aberto têm a oportunidade de trabalhar, o que ajuda na ressocialização deles. Os que cumprem pena no (regime) aberto ou no semi-aberto e que possuem autorização judicial, podem ir até os locais para trabalhar. Já para os do regime fechado, a Seds possui parceria com algumas empresas que habilitam unidades produtivas dentro das unidades prisionais”, explica.

De acordo com o superintendente, cerca de 2 mil presos mineiros estão trabalhando atualmente, número que corresponde a 60% da população de condenados. “Eles estão em mais de seis ramos de atividades como padaria, marcenaria, serralheria, oficinas de costura, circuitos eletroeletrônicos, dentre outras”, diz. “Uma obra importante que conta com mão de obra prisional, é a de reforma do Mineirão para a Copa do Mundo de 2014. Aproximadamente 23 presos atuam no projeto e um deles chegou a ser escolhido como melhor funcionário do mês. Minas foi o primeiro estado a inserir detentos nas obras para a Copa; é uma mão de obra muito qualificada”, completa.

Antes de serem encaminhados para o mercado de trabalho, os detentos que trabalham são avaliados pela Comissão Técnica de Classificação. A existência desse grupo é prevista na Lei Federal de Execução Penal (nº 7.210, de 11 de julho de 1984). A Comissão é formada por representantes da unidade prisional, psiquiatra, psicólogo e assistente social. Esses profissionais analisam a situação do detento e orientam os órgãos competentes na individualização da execução penal. O grupo também pode sugerir propostas de ressocialização durante o cumprimento da pena.

Além da profissionalização, os detentos também têm acesso à educação. De acordo com Bruzadelli, a Secretaria de Estado de Educação disponibiliza um corpo pedagógico dentro de 56 unidades prisionais, para que o preso conclua os estudos. A condição para o detento estudar, é estar trabalhando. “São escolas normais, dos ensinos fundamental e médio”, diz. Em média 5500 encarcerados estudam nas unidades prisionais mineiras. Ainda segundo o superintendente, 17 presos cursam o ensino superior por educação à distância ou em aulas presenciais.

Apesar das oportunidades que o estado afirma oferecer, nem todos os detentos têm acesso à elas. O egresso Roberto, por exemplo, conta que desconhece programas de capacitação para detentos e não trabalhou em nenhuma de suas passagens pelo sistema carcerário. Mesmo assim, ele acredita que o trabalho e a capacitação são essenciais para quem cumpre pena. “A gente fica parado demais lá dentro. Acho que deviam ter programas de trabalho em todos os locais. Porque você estimula as pessoas a trabalharem e ainda ajuda o Estado a cortar despesas, porque ele conta com o trabalho do preso”, afirma.

"Agora eu quero trabalhar"

Marcos está em liberdade condicional desde o dia 15 de fevereiro. Ele foi condenado a seis anos de prisão por tráfico de drogas. Antes de conseguir o benefício, ele cumpriu a pena em regime fechado no Ceresp Betim por dois anos e no último ano conseguiu o semi-aberto, período que passava sete dias em casa e 45 na cadeia.

Além da situação precária para dormir e viver em uma cela apertada ele conta que os espaços de higiene pessoal também não eram bons. O banheiro, segundo ele, é um pequeno espaço com uma pia, um cano, que funciona como chuveiro, e um orifício aberto no chão para necessidades fisiológicas. A água era liberada apenas quatro vezes por dia. “O cheiro era insuportável e a cela não tinha ventilação. Os colchões e as paredes ficavam mofados”, recorda.

Diariamente os presos tinham o banho de sol que durava cerca de uma hora, momento em que eles costumavam jogar bola e conversar uns com os outros. Cada galeria de celas possui um pátio, o que impede que detentos de galerias diferentes se encontrem.Segundo ele, a prisão funciona como uma escola do crime pois, entre si, eles trocam experiências sobre os crimes praticados. “Junta a falta da liberdade, o descaso e a humilhação que somos tratados e em muitos casos o esquecimento por parte da família, faz que muitos presos ficam revoltados e saem de lá pior do que entraram”, afirma. Um dos companheiros de cela dele cumpria pena de 60 anos por homicídio. Ele já teria matado mais de 30 pessoas.

Celulares, drogas e cigarros são objetos proibidos dentro de uma unidade prisional, mas comumente vistos e utilizados, segundo ele. “Não sei como entra nem quero saber”, é o que se limita a dizer sobre o assunto. Ele conta que entrou para o mundo do crime por desespero. “Foi em 2006. Eu trabalhava de carteira assinada e fiquei desempregado. Sou casado e tenho dois filhos para sustentar. Eles estavam passando fome e eu não conseguia emprego de jeito nenhum. Teve um natal que não tinha nada para comer em casa, olhei para as vasilhas e estavam todas vazias. Então um rapaz me perguntou se eu não queria vender droga. Eu aceitei, pois precisava de dinheiro rápido e não conseguia emprego”, lembra.

Marcos relata que chegou a ganhar de 3 a 4 mil reais por semana com a venda dos entorpecentes. “Era um dinheiro que vinha fácil e ia fácil também, eu não conseguia investir. Mas pelo menos estava colocando comida dentro de casa”, diz. Ele conta que suas atividades no tráfico se restringiam à venda da droga. “Não matei nem assaltei ninguém”, afirma.

Quando a Polícia o prendeu, ele foi encaminhado para o Ceresp Betim. “Foi um período difícil. Fiquei um mês sem ver minha esposa e filhos. Eu e minha mulher estávamos separados na época e voltamos enquanto eu estava na prisão, com a ajuda da Pastoral Carcerária”, diz. Na cadeia Marcos ainda teve problemas de saúde: se tornou hipertenso e hoje faz tratamento tomando três remédios por dia. Ele consegue a medicação gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde.

Mas a privação da liberdade trouxe a Marcos vontade de mudança. Ele conta que não quer voltar para a criminalidade por medo de ter que retornar para a prisão. “Era só sofrimento e mais nada. Sentia falta da minha liberdade, isso é algo muito bom. Era sofrido ver meus filhos às vezes e quando via era uma felicidade. Agora quero trabalhar e tenho fé que Deus vai me ajudar. Falo para os meus filhos não seguirem este caminho, para estudarem e terem uma profissão”, diz.

Ele afirma que está com dificuldades de conseguir emprego por ser ex-presidiário. A esposa trabalha como diarista e é ela quem está sustentando as contas da família. Marcos ainda possui uma dívida de mais de 3 mil reais com a Justiça. “É uma multa de ação penal e eu nem sei para quê isso serve. Não sei como vou pagar isso. Fiquei preso por três anos, saí, não consigo emprego e tenho que pagar dívida ainda. Não quero ter que voltar para o crime para conseguir dinheiro”, lamenta.


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