São Sebastião do Paraíso - Parece até frase feita, dita da mesma maneira por todo mundo e evocando o mesmo olhar de quem busca uma imagem no passado: “Já foi bem pior”. Mas para o visitante é difícil imaginar como é possível ser pior. As águas fétidas e turvas embrulham o estômago e indicam por que o Córrego Liso, em São Sebastião do Paraíso, no Sul de Minas, é considerado o pior curso d’água de Minas Gerais. Serpenteando seu leito, parte da Sub-Bacia dos Afluentes Mineiros do Médio Rio Grande, correm restos da indústria, de curtumes e o esgoto doméstico da cidade. Em alguns pontos, produtos tóxicos e dejetos se misturam e deixam o Liso coberto por espessas espumas amareladas. E todo morador insiste em repetir: a cor da água ainda é escura, mas bem mais clara que o preto de até pouco tempo atrás.
O primeiro a construir uma ETE foi o Curtume Santo Antônio, em 1998. O dono, José Carlos Marinzek, garante que a água despejada por ele no Liso é 100% tratada. A diferença da água que entra nos tanques de tratamento e a que sai está atestada por um certificado de análise, feita mensalmente para verificar diversos parâmetros, como os níveis de sulfeto, cromo e oxigênio. O curtume foi construído ao lado do Liso em 1958. “Poluí o rio por mais de 30 anos porque não tinha noção do que precisava ser feito. Depois, mudei os procedimentos e, ainda na década de 1980, investi alto num tratamento que não deu certo, mas não desisti. É um empreendimento custoso para mim, mas vale a pena”, diz.
Descumprimento
Se dentro da cidade o problema está sendo considerado controlado, na zona rural, é ainda bem grande. Moradores garantem que tem curtume descumprindo as regras e lançando os restos tóxicos diretamente no curso d’água - são mais de 90 produtos usados na indústria do couro. Há três semanas, eles fizeram um abaixo-assinado denunciando e cobrando providências. A dona de casa Cleide Gonçalves Jeremias, de 55 anos, conta que acorda todas as manhãs com um cheiro insuportável, mesmo vivendo a certa distância do córrego, que passa nos fundos de sua casa, na Fazenda Santa Luzia.
“Estão liberando os restos do curtume no fim da tarde e de madrugada para não chamar a atenção”, denuncia. A filha dela, Rosângela Jeremias Sobrinho, de 27, relata que ainda é possível ver a água preta, “como petróleo”. “Já morreu muita vaca por causa disso. Tivemos que cercar a beira do córrego, para elas não entrarem”, relata. Cleide lamenta: “Meu marido conta que pescava no Liso quando jovem, mas já não me lembro dele limpo. Para quê fazer isso com a água? Água é coisa sagrada, em que você pode banhar, pegar um peixinho…”
A moradora mais próxima do córrego, a também dona de casa Josiane Alves, de 27, tem passado aperto com os cinco filhos, desde que se mudou para o local há dois anos. “Tínhamos muita dor de cabeça e as crianças todas adoeceram, com vômito e diarreia. Acordo todos os dias com o nariz ardendo. Os curtumes não pararam de jogar os dejetos, caso contrário, não haveria mais o cheiro nem a cor preta logo depois das chuvas, época em que temos um pouco de alívio”, afirma.