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Estado de Minas

A seca corre pelo vale do Jequitinhonha e Mucuri

Rio Jequitinhonha, ícone de uma região rica em cultura mas carente economicamente, exibe efeitos da sede de seus afluentes. Muitos agora só correm na chuva. Outros apenas sumiram


postado em 12/07/2012 06:00 / atualizado em 12/07/2012 07:20

E a ponte virou viaduto: em Salinas, onde passava o rio, hoje ficou só a areia que um dia foi trazida pela água (foto: Fotos: Luiz Ribeiro/EM/D.A PRESS)
E a ponte virou viaduto: em Salinas, onde passava o rio, hoje ficou só a areia que um dia foi trazida pela água (foto: Fotos: Luiz Ribeiro/EM/D.A PRESS)
 


Diamantina, Coronel Murta, Araçuaí e Virgem da Lapa – O Rio Jequitinhonha empresta sua riqueza em forma líquida irrigando uma das regiões mais secas do estado e uma das mais pobre do país. Por isso, é vital para os 72 municípios da bacia, uma população estimada em 800 mil pessoas. Apesar disso o rio, um ícone da região que transpira cultura, tornou-se doente há décadas, envenenado por garimpos ilegais e extração de areia. Com a construção da   hidrelétrica de Irapé, inaugurada em 2006, a vazão melhorou. Mas o aspecto positivo se restringe ao leito principal. No restante da bacia, dezenas de pequenos rios e córregos que eram perenes hoje só correm quando chove. Muitos sequer existem mais. Dos que resistem, muitos estão contaminados por esgoto doméstico e lixo.

Ao percorrer a bacia, a equipe do Estado de Minas se deparou com casas abandonadas em vários pontos da zona rural, denunciando um êxodo que também é conseqüência do desaparecimento dos rios e córregos. “À medida que acabam os cursos d’água, cresce a saída de pessoas para o corte de cana no interior de São Paulo e colheita de café no Sul de Minas. Sem água, não tem como sobreviver”, afirma o técnico José Humberto Limo, extensionista da Emater em Araçuaí. Segundo ele, estudos apontam que mais de 70 córregos e pequenos rios já desapareceram no vale em três décadas. As causas são variadas: assoreamento, queimadas, monocultura de eucalipto no Alto Jequitinhonha, desmatamento para plantio de capim e destruição das matas ciliares.

O Rio Araçuaí, maior afluente do Jequitinhonha, é o retrato de algumas dessas agressões e está ameaçado pelas dragas da extração de areia, pelo lançamento de esgoto e pelo lixo jogado nas suas margens, como ocorre no município que divide com o rio seu nome e seus detritos. Uma situação agravada pelo fato de muitos tributários simplesmente terem desaparecido. Um deles é o Córrego São Domingos, que atravessa a área urbana de Virgem da Lapa. Ali, uma grande ponte revela que um dia o São Domingos correu forte. Hoje, a travessia virou viaduto: debaixo dela sobrou um imenso leito seco. Onde falta água, agora sobra lixo. “Por causa do cultivo do eucalipto, desmataram áreas perto da nascente. Acabaram com a biodiversidade e com a água”, afirma o empresário Charles Ursine, que luta pela revitalização do curso d’água.

O último levantamento do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), de 2011, mostra que o Índice de Qualidade das Águas (IQA) bom do Jequitinhonha caiu de 50% para 42% desde o ano anterior, enquanto o médio subiu de 40% para 49%. As amostras ruins passaram de 10% para 8% e o índice muito ruim, inexistente em 2010, passou a marcar 1%.

Segundo a gerente de Monitoramento Hidromeorológico do Igam, Wanderlene Fereira Nacif, os fatores que mais contribuíram para os índices foram o lançamento de esgoto e o mau uso do solo. A barragem de Irapé contribuiu para aumentar a vazão do Jequitinhonha e facilitou o trabalho de um grupo de mulheres que integram o cenário do rio: as lavadeiras. Uma delas é  Maria Rita de Jesus, de 57, que ganha R$ 15 por trouxa lavada e confirma ter percebido a mudança.

Mas a usina que beneficiou as lavadeiras incomoda os pescadores. “Depois da usina, os peixes sumiram”, protesta José Pedro Lopes de Almeida, de 49. Ele conta que há mais de 40 anos pesca no ponto em que o Jequitinhonha recebe o Araçuaí. “Já peguei até 80 quilos de peixe por dia. Hoje, a gente arma a rede e ela sai da água cheia de lodo”, lamenta o pescador, que diz não encontrar mais espécies como piau, piabanha e surubim.

 

No leito seco do Jurucutu, Clemente e Adevaldo, pai e filho, já não sabem como vão manter a plantação(foto: Fotos: Luiz Ribeiro/EM/D.A PRESS)
No leito seco do Jurucutu, Clemente e Adevaldo, pai e filho, já não sabem como vão manter a plantação (foto: Fotos: Luiz Ribeiro/EM/D.A PRESS)


A asfixia do Mucuri

As margens devastadas dão indício de quão desprotegido anda o curso d’água que corta o nordeste do estado até desaguar na Bahia, com desafio de fertilizar uma região castigada pela seca e a pobreza. No período de apenas um ano, o Rio Mucuri, que domina a bacia vizinha do Jequitinhonha, teve redução expressiva nas águas de boa qualidade e ainda viu aumentar a contaminação por substâncias tóxicas e metais pesados, de acordo com o último monitoramento do Igam. No que se refere ao IQA – índice que reflete, principalmente, o problema do esgoto – houve redução brusca das amostras consideradas boas, que despencaram de 30% para 9% na comparação entre 2010 e o ano passado.

O parâmetro que mede a presença de tóxicos tampouco foi favorável, sendo que amostras com contaminação média ou ruim saltaram de 11% para 18% das ocorrências no mesmo período. Pressões que ameaçam peixes endêmicos da bacia, como a vermelha. “Em vários municípios estamos observamos a diminuição progressiva da vazão dos rios. A grande devastação ambiental provocada inicialmente pela extração de madeiras e posteriormente pela criação de pastagens contribui para tonar a região uma das mais degradadas e de mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano”, afirma a presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Mucuri, Alice Godinho. (Flávia Ayer)


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