Depois de quatro assaltos, uma decisão: mudar de endereço. No ano passado, o Estado de Minas acompanhou o drama da família da advogada Iara Cristina Marks, de 45 anos, que para se proteger dos ladrões se mudou para o 23º andar de um prédio. O medo da violência é justificado pelas consecutivas vezes que a residência onde morava, na Rua Agena, Bairro Alto Santa Lúcia, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, foi invadida por bandidos. Os vizinhos da família também tinham sido vítimas, mesmo pagando por segurança privada. No último réveillon antes de se mudar, Iara, o marido e os três filhos não viajaram para proteger a moradia.
Nessa quinta-feira, a sensação de insegurança na rua era a mesma. Os moradores instalaram uma guarita no início da via, com vigilância também feita por motociclista. “Somos três trabalhando dia e noite. Os moradores arrecadam dinheiro e pagam o nosso patrão”, disse o vigilante Reiner de Souza, de 30. Na rua, todas as casas têm cercas elétricas e alarmes e, mesmo assim, ninguém se sente seguro. “Temos alarmes, cercas e cães de guarda. Quando viajamos, deixamos alguém tomando conta da casa”, afirmou uma mulher que não quis se identificar. Três imóveis estão à venda e o motivo, segundo vizinhos, é a falta de segurança.
Vigilância
Moradores da Rua João Camilo de Oliveira Torres, também no Mangabeiras, pagam pela vigilância particular há 20 anos. Eles mandaram, inclusive, construir uma guarita na Praça Angelino Bruschi, que dá acesso à rua. Um morador que não quis se identificar conta que os vizinhos ainda não foram procurados pela PM, mas que a prefeitura tem mandado recolher os cones colocados no meio da rua. “A PM nem passa por aqui. Quando você reclama, eles aparecem uma vez e ficam um mês sem aparecer. Mesmo com a vigilância privada, quatro homens tentaram arrombar uma casa no mês passado, mas o alarme disparou e eles fugiram. Eles inventam desculpa para entrar na rua. O nosso segurança não tem o poder de impedir ninguém de passar”, disse o morador.
Moradores fazem coro contra ação
Se a ação da Polícia Militar ao coibir a segurança privada divide opiniões entre representantes de associações comunitárias no Bairro Mangabeiras, na Rua Comendador Viana, onde ocorreu a fiscalização, a reclamação parece ser a tônica entre moradores. “É um absurdo. A PM acaba com a nossa segurança e ela mesma não aparece por aqui. Estamos sem ninguém, entregues à nossa própria sorte”, reclama a advogada Patrícia Biagione, de 68 anos.
O engenheiro químico Marcos Golgher, de 70, faz parte da diretoria da associação dos moradores da Comendador Viana e ontem foi à 127ª Companhia pedir reforço no policiamento. “A situação está complicada. Você não tem segurança e a PM não tem condições de dar proteção”, reclamou. Os moradores vão se reunir no próximo dia 2, na Igreja São João Evangelista, para discutir o problema. “Procuramos saber da PM se os dois vigilantes que trabalham para nós tinham ficha criminal, mas eles não têm. E eles nem trabalham armados”, disse o engenheiro, afirmando que a Polícia Militar participou da reunião quando a comunidade decidiu contratar segurança privada, há três anos.
Outro engenheiro de 52 anos, que pede anonimato, conta que a associação de moradores da rua foi criada quando começaram os assaltos e furtos. “Tomamos medidas defensivas de vigilância. Atualmente, tínhamos ronda de duas pessoas em motocicletas numa extensão de 750 metros, o dia inteiro, indo e voltando. Você chegava à noite, telefonava e eles davam apoio na hora de abrir a garagem. Os seguranças não resolveram totalmente a questão, mas houve redução dos crimes, mesmo havendo um problema dessa natureza na semana passada”, conta o engenheiro, referindo-se ao assalto na casa do vizinho.
O morador reconhece que a atividade dos vigilantes da rua era clandestina, mas argumenta: “Entendo que, se o poder público não oferece segurança de que você necessita, você tem que ter os meios para deter a violência. Mas a ação nos privou da proteção privada que tínhamos. É importante dizer que não era segurança armada, que deveria realmente ter autorização da Polícia Federal. Era apenas uma escolta para acompanhar os carros e acho que o ladrão pensa duas vezes antes de enfrentar mais de uma pessoa”, acrescentou. Segundo ele, cada morador contribuía com R$ 200 mensais para pagamento da vigilância. “Todo mundo agora está com medo. Estou indo viajar preocupado em deixar minha mãe idosa sozinha. Minha casa tem câmeras de vigilância, alarmes, uma série de equipamentos, mas não temos mais o apoio que tínhamos dia e noite com a motocicleta passando na rua”, disse.
Além da PM, a prefeitura também tem marcado presença na Rua Comendador Viana. “Fomos procurados por fiscais e a ordem é para retirar da calçada a guarita que instalamos há 20 anos. Ela servia de apoio para os vigilantes”, disse o engenheiro Marcos Golgher. “Como sou da diretoria da associação, conseguimos protelar a retirada da guarita por 180 dias”, disse o engenheiro. “Evito sair à noite. Agora, até durante o dia tenho medo. O assalto da semana passada foi às 7h30 da manhã. A vítima quer vender a casa e sumir daqui”, disse.
A advogada Patrícia Coutinho, de 34, ficou surpresa com a proibição da PM. “Não consigo acreditar. Se mesmo pagando segurança particular a gente teve assalto, sem os seguranças e a presença da PM, a situação só pode piorar”, criticou.
PONTO CRÍTICO: segurança privada é a solução para se proteger?
NÃO: “Segurança privada somente funciona bem quando há a segurança pública bem estruturada. É uma atividade suplementar. Todas as pesquisas e estudos sobre segurança particular têm demonstrado que a sua eficiência está relacionada a ações integradas com a polícia, a qualificação dos agentes privados e mecanismos de controle, para que possam agir dentro da lei. Caso contrário, estaremos criando um exército particular, o que não é permitido numa sociedade democrática. É função dos agentes da segurança pública cuidar dos interesses coletivos. O serviço contratado deve ficar restrito à proteção do patrimônio privado. Muitas vezes, os agentes da segurança pública devem intervir, porque empresas não estão devidamente registradas, legalizadas, e não têm pessoal treinado e equipamento para atuar na segurança do espaço público. Muitas vezes, impedem a livre circulação nas ruas e constrangem pessoas que usam esses espaços, o que é ilegal.”
Robson Sávio Reis Souza, Professor da PUC Minas e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
SIM: “Estamos agora sem a vigilância. A PM, em vez de correr atrás de bandidos, está prendendo os motoqueiros que fazem a nossa segurança, solicitando a remoção das guaritas e falando que estamos usurpando a autoridade pública. Nossa sugestão é que a prefeitura cadastre essa vigilância não armada, assim como fez com os tomadores de conta de veículos, para levantar a ficha criminal dessas pessoas. Sabemos que nem todo mundo é do bem, existe todo o tipo de profissional em todas as áreas, mas o problema é que se generalizou tanto em relação aos vigilantes particulares que está havendo uma caça às bruxas. O dono da empresa que contratamos tem mais de 500 profissionais fazendo esse tipo de trabalho em Belo Horizonte. A PM fala que é o vigilante que precisa ser cadastrado na Polícia Federal, mas no nosso caso não se trata de segurança armada. Eles estão lá apenas para coibir a presença de estranhos.”
José Alfredo Mendonça, Presidente da Associação dos Moradores da Rua Comendador Viana (Amcon)