Minas Gerais já se decidiu e optou, no sábado, por não impedir a participação de médicos nos partos em domicílio. Também deixou a critério do profissional a presença das doulas – mulheres que dão suporte físico e emocional às gestantes. No Rio de Janeiro ficou definido, no dia 19, que médicos não podem participar de partos domiciliares e que doulas e parteiras ficam proibidas de atuar no procedimento em ambientes hospitalares.
A médica Sônia Lansky, que coordena o movimento BH pelo Parto Normal, da SMSA, afirma que “os índices crescentes desse tipo de parto são consequências de intervenções ou atitudes que atendem às comodidades do hospital e interesses financeiros”. Segundo ela, “a gestante pode ser conduzida a uma cesariana por medo e desinformação”, ressalta. Sônia alerta que métodos para estimular o parto operatório são usados de forma abusiva no Brasil. “As pessoas estão adotando técnicas que interferem negativamente e não adotam as boas práticas que confortam a mulher e favorecem o trabalho de parto. Complicações de anestesia e da cirurgia, hemorragia e infecções, hospitalização prolongada, separação mãe-bebê nas primeiras horas, demora na recuperação pós-parto são algumas das consequências negativas desse parto”, acrescenta.
HONORÁRIOS
Se o nascimento da criança ocorre em domicílio, profissionais, hospitais e seguradoras deixam de receber seus honorários. Isso tudo num país onde o percentual de cesarianas ultrapassa a casa dos 50%. Em Minas, elas representam 42,2% e, em Belo Horizonte, amarga quase 80% das cirurgias feitas na rede privada. Índices muito distantes dos 20% preconizados pela Organização Mundial de Saúde para países da América Latina. O presidente do Conselho Regional de Medicina em Minas Gerais (CRM-MG), João Batista Gomes Soares, diz não ter dúvidas de que a decisão do órgão representante da categoria no Rio de Janeiro levou em consideração o aspecto mercadológico e a prática de cesarianas.
“Conheço a diretoria, sei que são pessoas sérias e que não fariam isso pensando somente nesse lado. Mas não posso negar o óbvio. Os planos de saúde, com certeza, pressionam, porque vão deixar de ter o conveniado”, argumenta. Ainda assim, ele acredita que os partos fora dos hospitais não terão espaço nos tempos atuais. “Algumas pessoas vão querer fazer, mas acho que não vai virar moda”, acrescenta. Já o presidente da Sociedade Mineira de Ginecologia e Obstetrícia (Sogimig), Marcelo Lopes Cançado, diz desconhecer o aspecto comercial da medida no Rio de Janeiro.
“Não acredito em lógica de mercado. Conheço a seriedade das pessoas que lidam com o assunto naquele estado.” O ginecologista, que também defende o modelo hospitalar, destaca que as quedas dos índices de mortalidade materna e fetal são avanços da hospitalização garantidos à paciente. “Foi por causa dos recursos que avançaram na medicina que passamos a lançar mão de emergências obstetrícias e diminuímos o número de óbitos. E o parto é um evento em que frequentemente ocorrem emergências. Dentro do hospital temos condição de ajudar a mãe e o bebê”, explica Cançado.
Ele afirma ainda que o Brasil não tem infraestrutura para copiar modelos do exterior, onde o parto domiciliar é realizado com frequência. “Não temos condições de manter uma ambulância na porta de cada gestante, nem mesmo um hospital num raio de cinco quilômetros para atender situações de emergência em tempo hábil”, acrescenta.
Em busca de mais humanização
O que a engenheira Viviane Oliveira, de 26 anos, define como “corporativismo” e “máfia” foram decisivos para que ela buscasse informações sobre o parto humanizado e, nesse caminho, conhecesse o domiciliar. Agora, se tudo ocorrer como planejado, ela e o marido receberão, em poucos meses, o primeiro filho no conforto do lar. Com a retaguarda do obstetra, que respeitou a decisão da paciente, ela diz que se sente segura para dar esse passo. “Como dissemos numa passeata em defesa do parto domiciliar: ‘No hospital eu sou mãezinha e em casa eu sou rainha’. Estou preparada e não consigo me imaginar indo para um hospital.”
Os altos índices de cesariana também assustaram a fotógrafa Kalu Brum, de 33, levando-a a questionar o modelo de parto adotado nas instituições de saúde. Quando engravidou do filho Miguel, hoje com 5 anos, ela conta que se incomodou com o fato de o médico nunca conversar sobre o momento do nascimento da criança. “Comecei a questionar sobre o parto, porque via a maioria das minhas amigas e colegas de trabalho optando pela cesariana. Para mim, era inconcebível que todas as mulheres de classe média, com plano de saúde, tivessem um defeito genético que levasse à cesariana”, relata.
Kalu, que é de São Paulo, se mudou para BH e conheceu o Hospital Sofia Feldman, referência de parto normal na rede pública, e, lá, encontrou a equipe de parto domiciliar que a assistiu. “Não tive dor alguma. Meu filho nasceu 40 minutos depois que a bolsa se rompeu. Sem a corrida contra o tempo, alguém pressionando você, o ambiente iluminado, você se sente mais acolhida. A mulher libera tanta ocitocina (hormônio do amor) que os partos costumam ser mais rápidos ou, pelo menos, mais prazerosos”, afirma Kalu, que se tornou doula. (JO/VL)