Há um grupo civil armado, silencioso e crescente em Belo Horizonte. A cada dia a cidade tem mais atiradores como o economista Gustavo Calixto, de 35 anos, cidadão de bem, trabalhador, com capacitação em arma de fogo para esporte e defesa. Como treinamento, são 400 disparos, em média, por mês. No teste prático para obter licença, o aproveitamento foi de nada menos que 100%. Consultor financeiro, Gustavo é também dono de arma e atirador de elite nas horas vagas. Parte da família não aprova. A outra respeita. Integrante de clube de tiros desde 2005, ele diz ter fascínio por armas desde criança, assunto encarado com seriedade na fase adulta, quando decidiu se aperfeiçoar na técnica para se defender. “A polícia não está preparada e não tem contingente para dar proteção ao cidadão”, dispara. Como ele, cada vez mais belo-horizontinos têm procurado meios legais para poder se armar. Dados do Sistema Nacional de Armas, da Polícia Federal (PF), mostram que houve aumento de 406% nas expedições de portes em território mineiro entre 2008 e 2011.
No ano passado, segundo a PF, 223 documentos foram emitidos em Minas, número que vem crescendo há três anos, apesar das campanhas de desarmamento. Desde 2009, quando a Delegacia de Controle de Armas e Produtos Químicos passou a catalogar as estatísticas referentes às solicitações de porte, 766 pedidos foram feitos no estado. O Exército, por sua vez, controla as autorizações para a prática de tiro esportivo, com avaliações a cada dois anos e uma série de exigências de documentos, aptidões e certificados.
Favorável ao controle rígido, o economista Gustavo Calixto defende que todo cidadão de bem, “devidamente treinado”, deveria fazer valer seu direito à autoproteção. Especialistas em segurança, porém, desaconselham e usam estatísticas para alertar que ter uma arma muitas vezes aumenta o risco em caso de um episódio violento. E a PF é criteriosa: do total de pedidos de 2008 a 2011, 86,2% (661) foram indeferidos. Mas há uma parcela invisível de cidadãos que mantêm armamento mesmo sem autorização oficial. É o que admite o próprio Gustavo, afirmando conhecer também “cidadãos trabalhadores armados” sem registro. “Conheço muitos”, afirma, arriscando um percentual de 50% do total.
A motivação da maioria dos que se armam é a mesma de Rossi, um empresário de 53 anos que mora na Pampulha e pede para ter a identidade preservada, ao afirmar ter se tornado atirador por necessidade. “Fui assaltado cinco vezes. Na última, ameaçaram minha família. Cansei de esperar que o poder público fizesse o que já está mais que comprovado que ele não dá conta”, desabafa. Para Rossi, o desarmamento precisaria começar pelos criminosos e não pelos cidadãos honestos. “É uma hipocrisia. Os bandidos invadem essa quantidade de casas e empresas, como a gente vê todos os dias nos jornais, roubam, fazem o que querem da sociedade, porque sabem que não vão encontrar perigo. Na minha casa, na minha empresa, bandido não é bem-vindo. É recebido à bala.”
COVARDIA
Com revolta, o empresário recorda o assalto que sofreu, quando foi rendido por dois homens no escritório, em uma manhã de sábado. “Eles passaram quase uma hora na empresa. Foram covardes, atiraram no meu funcionário à toa, me deram uma coronhada, levaram tudo e até hoje a polícia não dá nem notícia”, critica. Em uma espécie de desafio, Rossi acrescenta que quando a polícia desarmar os bandidos ele será “o primeiro pai de família a entregar as armas”.
Para o especialista em segurança Alexis Pettersen, de 47, instrutor e competidor com mais de 10 mil tiros disparados por ano, a principal defesa não vem da arma, mas sim do comportamento, das medidas particulares e dos cuidados de cada cidadão. “O que pode proteger é a antecipação dos fatos. O armamento é um complemento.” Criterioso, ele separa a prática esportiva da defensiva. E, por conhecer as polêmicas que envolvem o assunto, defende que a arma precisa ser “desmistificada”.
“Não tenho nada contra as pessoas conhecerem as armas. Elas podem muito bem praticar em um clube de tiro, sem terem uma arma em casa. E se o indivíduo estiver apto, que tenha uma arma legalizada, de acordo com as regras da PF ou do Exército. É um direito de todo cidadão. Por que não?”, questiona o fundador do Clube Tiro Urbano. Com experiência internacional em defesa pessoal, Alexis diz que o armamento para a defesa do cidadão é um “último recurso”. Bem antes da arma de fogo, ensina, vem a preocupação de “estar sempre atento”, com cuidados permanentes para não dar chance ao azar.
NÚMEROS
406%
foi o aumento na concessão de porte de armas em território mineiro de 2008 a 2011
59 milhões
de eleitores (63,94% dos votos) foram contra a proibição do comércio de armas e munição no plebiscito de 2005
43,3 mil
armas legais foram comercializadas em Minas de 2005 a março de 2010, média de 23 por dia. No país, foram 635 mil
45,8%
foi quanto cresceu o comércio de armas legalizadas em território mineiro em seis anos, segundo o Exército
658
vítimas de armas de fogo foram atendidas no HPS de BH entre janeiro e agosto. 90% dos assassinatos na Grande BH são cometidos a tiros