“Se minha mãe estivesse viva, estaria comemorando conosco. Tenho certeza de que está fazendo festa no céu com os outros religiosos do Sumidouro”, diz Edna Maria da Silva, 42 anos, a Nininha, admirada ao ver a imagem de Nossa Senhora do Rosário, furtada em 1981, de volta à capela em Quinta do Sumidouro, distrito de Pedro Leopoldo, na Grande BH. A escultura, incluída na lista dos bens históricos desaparecidos de Minas Gerais, foi apresentada ontem depois de recuperada por uma força-tarefa do Ministério Público estadual, Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) e Polícia Civil.
A escultura estava em poder do engenheiro civil Renato de Almeida Whitaker, de 71 anos, de São Paulo, um dos maiores colecionadores de arte sacra do país. Whitaker também mantém em seu acervo uma escultura atribuída a Aleijadinho e alvo de uma ação que tramita na Justiça Federal de Minas Gerais. É a imagem de Bom Jesus da Paciência, da Matriz de Nossa Senhora da Piedade, de Rio Espera, na Zona da Mata. Atualmente, 694 peças sacras do acervo histórico mineira estão desaparecidas. O engenheiro civil Renato Whitaker disse ontem que vai recorrer à Justiça.
Com a notícia da recuperação da Nossa Senhora do Rosário, alguns moradores da comunidade de Fidalgo, em Quinta do Sumidouro, assim como Nininha, foram rever a padroeira. Eles não hesitaram em se reunir em volta da imagem para agradecer o retorno. O padre Alexandre Duarte de Araújo lembrou as inúmeras procissões, rezas e festas folclóricas para homenagear a santa, mostrando que, mesmo sem a escultura barroca, a fé do povo não se deixou vencer. “É um tesouro de nossa comunidade. Agora, a volta da imagem furtada aumenta ainda mais a fé de todos que acreditavam no retorno”, afirmou o pároco.
A luta pela recuperação foi vivida pela família de Rogério Tavares, líder comunitário no Sumidouro. “Meu falecido pai foi uma das pessoas que foi a São Paulo na década de 1980 para tentar reconhecer os possíveis ladrões. Quando for possível, faremos uma grande festa para receber a santa de volta”, diz ele.
Lágrimas
A força-tarefa dos órgãos públicos que trouxe de volta a imagem depois de um mandado judicial conta com técnicos do Iepha e do MP, além dos agentes da Polícia Civil. A historiadora Maria Ângela Pinheiro, do Iepha, não conseguiu conter as lágrimas e contou que quando bateu o olho na escultura não teve dúvidas. “A gente sabia que era a peça, mas só fiquei tranquila quando desci do avião e pisei em solo mineiro. A fé tem muita força. Já teve imagem que ficou um ano enterrada, mas foi descoberta. Com a Nossa Senhora do Rosário não seria diferente”, diz ela.
Outra que não resistiu à emoção foi Mônica Eustáquio Fonseca, coordenadora do inventário do patrimônio cultural da Arquidiocese de Belo Horizonte. “É uma sensação indescritível. Ver furtada a matéria da fé das pessoas é muito difícil, pois o valor afetivo torna a peça um membro da família”, conta.
Bom Jesus da Paciência
Outra informação passada por especialistas em arte sacra confirma que a imagem é mesmo da igreja do distrito de Pedro Leopoldo. Segundo historiadores, normalmente as imagens de igrejas e templos religiosos não são pequenas, costumam ter mais de 50 centímetros, como é o caso da Nossa Senhora do Rosário, que mede 89cm. Esculturas particulares, que ficam nas casas dos colecionadores, têm em média entre 30 e 40cm. A outra peça que o Ministério Público busca da coleção de Renato Whitaker, o Bom Jesus da Paciência, de Rio Espera, é ainda maior do que a Nossa Senhora do Rosário recuperada, segundo o MP.
Durante a solenidade de entrega ontem, o delegado responsável pelo caso, Wanderson Silva, e o promotor Marcos Paulo passaram a escultura ao presidente do Iepha, Fernando Cabral, já que o conjunto da Capela de Nossa Senhora do Rosário é tombado pelo patrimônio estadual desde 1976. Cabral afirmou que técnicos do instituto ainda vão avaliar as condições da peça para saber se é necessária alguma intervenção. A imagem permanece sob a tutela do Iepha até que a decisão da Justiça tenha transitado em julgado, quando não for mais possível recorrer.
O presidente do Iepha aproveitou para dar um recado aos colecionadores. “Sabemos que há famílias respeitáveis com peças surrupiadas que podem ser do patrimônio público. Se alguém não quiser ter constrangimento, o melhor é devolver logo as peças”, diz.
Laboratório móvel analisa acervo
Uma parceira importante em todo o processo que culminou na recuperação da escultura de Nossa Senhora do Rosário foi a da força-tarefa com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por meio do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis (Cecor), da Escola de Belas Artes (EBA). Professores de dois laboratórios que fazem parte do centro analisaram as imagens de raio X anexadas ao processo, além de outras fotografias, para emitir um parecer sobre a procedência do material.
O trabalho desenvolvido no Cecor é referência nacional e a partir do ano que vem vai ganhar um aliado para chegar com mais facilidade aos objetivos de estudo: um laboratório móvel. O anúncio foi feito pelo promotor Marcos Paulo de Souza Miranda, coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico do Ministério Público estadual, durante a apresentação da imagem sacra furtada há 31 anos.
O laboratório é uma parceria entre a UFMG, o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG) e o MP e vai custar R$ 1 milhão. “O valor já está garantido por meio de uma medida compensatória imposta a uma mineradora e a previsão é de que os equipamentos sejam comprados no primeiro semestre do ano que vem”, diz o promotor.
Quem está à frente das ações pela UFMG é o professor Luiz Antônio Cruz Souza, que coordena o Laboratório de Ciência da Conservação. A professora Alessandra Rosado, que faz parte do laboratório, garantiu que a novidade vai ajudar muito os pesquisadores, pois o furgão usado com laboratório móvel será equipado com os mesmos aparelhos necessários para os estudos na UFMG.
“O Norte de Minas, por exemplo, é muito rico em patrimônio, mas é muito difícil trazer objetos para a capital ou levar equipamentos até lá. Com uma estrutura móvel será possível fazer análises de objetos históricos nos próprios locais”, garante. Outro setor que será contemplado dentro da estrutura prometida é o Laboratório de Documentação Científica por Imagem.
Segundo o coordenador, professor Alexandre Leão, com a aquisição da estrutura móvel será possível trabalhar com mobilidade e equipamentos de última geração. “Vamos configurar o novo laboratório para os estudos de imagem. Será possível trabalhar com os raios ultravioleta, infravermelho e raio X. Por meio da análise minunciosa da imagem é possível ver, por exemplo, o desenho que o artista fez antes de começar uma pintura”, diz o pesquisador. (GP)