Jefferson da Fonseca Coutinho
Exemplo que vem de compromisso. Primeira feira de adoção de bichos. Comitê de ética para o controle de experimentos e diálogo alinhado com a recém-criada delegacia de defesa dos animais no estado são indícios de novos tempos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bem além dos limites do espaço físico, mais responsabilidade com a propagação de valores para a vida. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) e Escola de Veterinária – longe dos trotes que envergonham a instituição – se destacam pela prática em respeito à causa animal.
Idealizada pela organização não governamental BastAdotar e pela Comissão de Controle de Zoonoses da Fafich, 15 gatos e cinco cães, resgatados no câmpus da Pampulha, serão apresentados à adoção responsável pela UFMG, amanhã, das 10h às 15h, na Praça de Serviços. Além de encontrar um novo lar para os bichos abandonados – recolhidos e tratados pela boa gente voluntária –, o objetivo da ação é dar visibilidade a projeto maior de controle ético da população animal nos câmpus.
Pelos descampados e corredores, os gatos negros, mansos e em paz, sob controle, são atração para os visitantes. No câmpus, “questão de equilíbrio” para Jorge Alexandre Barbosa Neves, de 45 anos, diretor da Fafich. Sobre a presença dos bichanos, o professor de sociologia fala em combinação de respeito ao bem-estar dos animais e às restrições por parte de algumas pessoas. “Na medida do possível, procuramos atender os dois lados, com iniciativas de adoção, parcerias e política de esterilização”, diz.
Na Escola de Veterinária, o assunto em pauta é “responsabilidade cidadã”. José Aurélio Garcia Bergmann, diretor da unidade, apresenta caderno técnico de 2012, voltado para a comunidade veterinária mineira, com 160 páginas que abordam o bem-estar animal. O livro toca, especialmente, em discussões éticas, estudos e soluções quanto à produção animal e o manejo de espécies. Quanto aos bichos de companhia, professor José Aurélio lamenta o grande número de casos de abandono.
O médico-veterinário cobra maior conscientização por parte da população e aprova as iniciativas de adoção. “Falta responsabilidade. É bastante comum o aumento do número de bichos abandonados próximo ao período de férias e feriados prolongados”, critica. De acordo com o professor, há o problema do impulso: “A pessoa compra porque a filha acha bonitinho, e depois, a família não dá conta”. O resultado, segundo estimativa da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), são 30 mil cães largados nas ruas da cidade.
CUIDADOS Pelas dependências da Escola de Veterinária, chama a atenção a entrega dos residentes aos animais em tratamento no hospital da unidade. Ali, são cerca três mil atendimentos por mês. Numa ala, a equipe faz de tudo para conter a cólica intestinal do potro, acompanhado pela mãe. No pátio, a residente Mayara Emília cuida do miúdo yorkshire em recuperação. Eli Costa, de 57, técnico em radiologia, há quase três décadas na UFMG, elogia os estudantes de veterinária: “Dinheiro, não dá. Quem está aqui é porque gosta mesmo. Dá gosto ver tanto carinho”.
Não muito longe dali, Miriam Chrystus, da ONG BastAdotar, entre gatos, comemora a primeira feira de adoção promovida pela UFMG. “A universidade, que tanto ensina, de conhecimentos preciosos, da Grécia antiga às mais modernas teorias da física, mostra que está aprendendo a lidar com os animais de forma ética”, considera. Para a professora e ativista, desse modo a instituição participa da reflexão e criação de um sujeito mais comprometido com o mundo em que vive.
Funcionária da Fafich desde 1985, Mailce Maria Mendonça Mendes, de 50, viu a Comissão de Controle de Zoonose crescer e fazer brotar ONG. Tudo por mais respeito, ética e boa convivência do homem com os animais. A protetora, presidente da BastAdotar, tornou-se maior defensora depois de testemunhar com indignação dois massacres históricos de gatos no câmpus (veja Memória). Hoje, ela lidera grupo de destaque no Movimento Mineiro pelos Direitos Animais (MMDA).
MEMÓRIA
O massacre dos gatos
Em 1999, no feriado de 12 de outubro, nos jardins em flor da Fafich, cerca de 50 gatos foram sedados, recolhidos e exterminados nas câmeras de gás da Zoonose da Prefeitura de Belo Horizonte. No retorno do recesso, muitos alunos, funcionários e professores da UFMG se revoltaram com o que ganhou repercussão além dos limites do campus como “massacre dos gatos”. Doze anos depois, nova crueldade despertou a revolta de ativistas de várias partes do mundo. Durante as férias do início do ano, 14 gatos foram assassinados friamente. Alguns, filhotes, decapitados e escalpelados. Outros, os maiores, tiveram o crânio esmagado. Nos dois tristes casos, manchas na linha do tempo da universidade, ninguém foi responsabilizado.
Lado a lado com a polícia
No mês passado, dois representantes da Escola de Veterinária participaram de reunião com o comando da Delegacia Especializada de Investigação de Crimes contra o Meio Ambiente e Conflitos Agrários, responsável pela recém-criada unidade policial de defesa dos animais no estado. O objetivo do encontro foi agregar forças e elaborar estratégias para o funcionamento mais eficiente da delegacia. Presentes, autoridades das esferas municipal, estadual e federal do poder público. A professora Adriane Pimenta da Costa Val, defensora dos animais, diz-se bastante satisfeita com a reunião.
Ela observa que as pessoas estão mais conscientes e exemplo disso é a busca de parcerias e conhecimento. Para a professora valores antigos, finalmente, começam vir à tona. Em 1967, o Conselho de Bem-Estar de Animais de Produção (Farm Animal Welfare Council – Fawac), na Inglaterra, estabeleceu um conjunto de “estados” ideais chamados de as “cinco liberdades” dos animais. De acordo com o documento, todo animal deve estar livre de fome e sede; de desconforto; de dor, de lesões e doenças; livre para expressar seu comportamento normal e livre de medo e estresse. Ideais que ganham força nos últimos tempos.
Carinho que cura
Na sala pequena do prédio da Fafich, os protetores Érika, Andressa, Rafael e Camila tomam conta de alguns dos gatos que vão à feira de adoção. Dos bichanos no colo, apenas Duqueza, de três meses, doente, abandonada na semana passada, vai ter que esperar por outra oportunidade para encontrar novo lar. Anêmica e com o baço aumentado, a gatinha branca está em tratamento. Érika Lemos, de 26, estudante de letras, lamenta que pessoas tenham coragem de abandonar um animal doente.
Andressa Silveira, de 23, critica os estudantes do campus que desrespeitam os bichos. “O mau trato mais comum aqui é o abandono”. A aluna do curso de farmácia sugere a instalação de câmeras e monitoramento, permanente em todo o campus, além de campanhas de conscientização. O estudante de engenharia, Rafael Miranda, de 26, elogia a atuação dos “amigos anônimos”, professores, estudantes e funcionários, que, espalhados pela universidade, fazem de tudo pelos animais.