A política de enfrentamento ao uso do crack executada pela Prefeitura de Belo Horizonte, com o incentivo à substituição da pedra por drogas lícitas, causou surpresa ao próprio prefeito Marcio Lacerda (PSB). Como revelou o Estado de Minas em sua edição de quinta-feira, a capital mineira põe em prática o modelo de redução de danos preconizado pelo Ministério da Saúde, que incentiva a substituição do crack por drogas mais leves, como opiáceos, álcool, tabaco e remédios controlados, até que o usuário consiga atingir a abstinência.
Perguntado em entrevista à Rádio Itatiaia sobre a iniciativa, e se havia ficado sabendo de detalhes da política de redução de danos por meio do jornal, Lacerda respondeu: “Realmente, não conheço”. Mesmo assim, o prefeito defendeu o programa, ao afirmar que “existem teses de medicina e trabalhos científicos que demonstram que as pessoas com dependência química podem ser tratadas usando drogas menos nocivas, enquanto não se livram totalmente (do vício do crack)”.
Segundo o prefeito, o combate ao crack é tratado como assunto prioritário em sua gestão. Prova disso, afirma, é a inauguração do Centro de Referência de Saúde Mental – Álcool e Drogas (Cersam–AD) do Barreiro, prevista para hoje. “Isso mostra que estamos trabalhando para ampliar a prevenção e ofertar um atendimento mais próximo e humanizado.” A unidade é uma das três do tipo prometidas para a capital mineira dentro do Projeto Recomeço. A abertura do Cersam Noroeste, nas proximidades da cracolândia do Bairro Lagoinha, está prevista para junho.
A Secretaria Municipal de Saúde informou em nota que dentro das ações de assistência aos usuários de álcool e outras drogas não são fornecidas na rede de Belo Horizonte drogas ilícitas, como maconha, nem bebidas alcoólicas e cigarros, apenas substâncias com orientação médica.
Audiência pública
Na próxima semana, Lacerda e o secretário municipal de Saúde, Marcelo Teixeira, devem comparecer a audiência pública perante a Comissão Permanente de Enfrentamento do Crack da Assembleia Legislativa de Minas, para esclarecer o funcionamento do programa de redução de danos. O encontro foi convocado a pedido de representantes do terceiro setor que, entre outras informações, querem mais explicações sobre a política de distribuição de drogas lícitas para usuários de crack da capital, o montante já aplicado da verba do governo federal no setor e o número de usuários da pedra que perambulam pelas ruas da capital.
Entraves nas comunidades terapêuticas
Uma das respostas mais objetivas para o impasse poderia vir das comunidades terapêuticas, entidades ligadas às igrejas que sempre acolheram “viciados em drogas” em fazendas, sítios e centros de recuperação. A proposta da inclusão das entidades na política de combate ao crack é discutida à exaustão desde 2011. Até hoje, porém, não foi aberta uma única vaga nas comunidades terapêuticas no país dentro do programa Crack: é possível vencer.
Em novembro de 2012, quase um ano e meio depois da reunião com a presidente Dilma Rousseff, que defendeu a causa, saiu o edital de convocação das entidades pela Secretaria Nacional de Política sobre Drogas (Senad), do Ministério da Justiça. Dava dois meses de prazo, até janeiro deste ano, para que as entidades se inscrevessem. O tratamento, custeado com recursos federais, iria durar de 45 dias a nove meses, dependendo do caso. Cada usuário de crack fora das ruas custaria R$ 1 mil por mês.
Em janeiro esgotaram-se os prazos para inscrição, pré-habilitação, habilitação e aprovação do contrato das comunidades terapêuticas. Mais de 400 entidades se inscreveram. Dois meses já se passaram e a Senad não conseguiu avançar da segunda etapa (pré-habilitação). “Se continuar nesta toada, com a divulgação de 10 nomes por mês, vai levar mais um ano e meio até acabarem as habilitações e o governo começar a repassar os recursos. Enquanto isso, as pessoas vão continuar nas ruas?”, questiona o pastor Wellington Vieira, presidente da Federação de Comunidades Terapêuticas Evangélicas do Brasil (Feteb).
Processos
Vieira calcula que existam hoje cerca de 300 entidades nestes moldes em Minas, cuidando de 9 mil usuários de drogas (30 pessoas por entidade, em média). Ao todo, respondem por 80% das pessoas em tratamento. O pastor esteve em Brasília para acompanhar o andamento dos processos na companhia de Ana Godoy, presidente da Federação das Comunidades Terapêuticas Católicas e coordenadora da Pastoral da Sobriedade. “Realmente o processo está muito lento, mas tenho esperança de que, ainda este ano, saia alguma verba.”
O Ministério da Justiça garante que até junho a maior parte das análises terão sido concluídas. O órgão alega que quase 100% das documentações encaminhadas estavam incompletas, o que dificultou o trabalho. Das 253 inscrições de entidades, 55 tiveram a documentação analisada, 42 foram habilitadas e oito aprovadas. De Minas, três estão habilitadas e apenas uma aprovada: a Associação de Apoio e Recuperação de Dependentes Químicos de Itaúna, na Região Central.