Mal ela acaba de falar, recebe os cumprimentos da professora Rejane Ruas, de 57, que foi ao mercado fazer uma comprinhas e aproveitou para conhecer Conceição no guichê de informações turísticas. “Li a reportagem sobre ela cedo. Achei a história interessantíssima, chique.” Mas esse não foi o começo do dia de ontem para Conceição, depois que história saiu no Estado de Minas. Ainda cedo, o superintendente do mercado, Luiz Carlos Braga, recebeu um telefonema marcando uma visita de embaixadoras e embaixatrizes, parte de um grupo de diplomatas e convidados da União Europeia em visita a BH. Os europeus queriam conferir os cheiros e as cores do mercado antes de cumprir uma agenda que inclui uma visita, hoje, ao instituto Inhotim.
Bagagem
Como está escrito, Maria da Conceição nasceu no Recife, filha de doméstica e caminhoneiro. Teve uma infância difícil e trabalha desde antes da adolescência. Acompanhou a mãe em mudanças para Elesbão Veloso e Teresina (PI), Fortaleza (CE) e Campina Grande (PB). Estudou em diferentes colégios e fez de tudo antes de embarcar, em 2005, para a Holanda, levando a companheira, grande amor de sua vida. Falava em inglês e na Europa aprendeu holandês, o alemão, o italiano, aprimorou o espanhol e ainda ganhou de um marroquino lições básica de hebraico.
A busca da sobrevivência na Europa não foi diferente: serviço doméstico, pintura de paredes, instalação de pisos de madeira e mais o que aparecesse e estivesse dentro de suas aptidões. “Passei fome no Brasil e lá fora. mas isso só se supera buscando. E a busca é o trabalho.” A aventura europeia terminou quando a companheira, 10 anos mais nova, foi chamada pela família, que mora na Grande BH. A moça veio e logo depois Conceição desembarcou em Minas com toda a sua bagagem de conhecimento. Emprego fácil? “Não. Encontrei muitas barreiras, por ser de outro estado, ser uma pessoa humilde e falar tantas línguas e ter mais de 40 anos.”
Desde setembro ela perambulava por hotéis, restaurantes, empresas, supermercados e shoppings procurando emprego. Em 2 de maio, parou no mercado para comprar uma goma de tapioca e soube que lá havia vagas na faxina. Com medo de outro não, omitiu o conhecimento de línguas e o diploma. Empregou-se, mas no dia seguinte seu segredo foi descoberto. José Severino de Oliveira, de 46, o Matipó, ouviu quando Conceição conversava ao telefone no dia seguinte. “Ou ela falava em outra língua ou era doida. Como não se vê faxineira, falando outro idioma, pensei: é doida mesmo.”
Matipó procurou Luiz Carlos, contou o que ouviu. Chama da à sala do superintendente, Conceição abriu o jogo. Imediatamente foi elevada de faxineira a recepcionista no guichê da Belotur de informações turísticas.
Humildade a toda prova
O professor vietnamita Kiet To, de 48, natural de Saigon e radicado no Rio, visita BH a convite da amiga e publicitária Raquel Rocha, de 39. Foi ela que viu a notícia, de manhã. “Li no no site Uai e contei a história ao Kiet (leia-se kit). Ele ficou maluco. Então, viemos almoçar e conhecer a Conceição.” O vietnamita teve que se esforçar muito para dizer em português: “Uma vida fantástica. Adorei”.
Houve muitas mudanças na vida de Conceição. Essa é a mais rápida mais radical. Mas ela é durona, fruto de uma longa batalha pela vida. Esse movimento repentino em torno dela, essa aproximação, não alteram seu semblante, apesar de apreciar os gestos das pessoas e respeitá-las, com o compromisso de servi-las da melhor forma. “O que me emociona é a garra da minha mãe (falecida em 1991) para criar os filhos. Quando falo dela, sim, me comovo. Deus e minha mãe são minhas fontes de força.”
Antes do compromisso com uma emissora de TV, confraternização com as colegas da faxina. E elas formam um quadro feliz no corredor dos doces e queijos. Maria Olívia, de 48, Cláudia de Jesus, de 40, Maria Aparecida de Souza, de 52, Eunice da silva, de 53, Lilian Vieira, de 30, Maria Helena da Silva, de 51 e Rita de Cássia Alves, de 43. Embora haja disposição em Conceição para ensiná-las a falar em inglês, será preciso muita conversa para convencê-las, levá-las a acreditar que a vida não está estacionada numa vassoura.
“Essa ideia de a gente aprender inglês vai nos ajudar muito. Convivemos com estrangeiros e temos o dever de oferecer o melhor atendimento”, disse Rita de Cássia. “Conhecê-la e descobri-la foi uma surpresa agradável. Ela é simpática, carismática e nos trata muito bem. Um amor de pessoa, uma amiga verdadeira”, completou Lilian.
Maria da Conceição não viu o que se fala dela nas redes sociais. “Como ainda não recebi salário, eu e minha companheira estamos sem internet.” Mas se ela soubesse… “Esse é o novo mundo de Maria da Conceição dividido pela sugestão da fama e a proposta de ser sempre humilde e aprendiz, como a vida determinou e ela seguiu com a garra que herdou da mãe.