Entre 1985 e 1992, na Rua Gonçalves Dias, número 54, uma casa de shows e espetáculos fervilhava como um dos pontos nevrálgicos da borbulhante cena cultural mineira e brasileira do período de abertura democrática: o Cabaré Mineiro. Pouca gente que passa hoje pela região do Bairro Funcionários, povoada de lojas e edifícios comerciais, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, imagina que o local onde há um prédio residencial foi palco de shows ontológicos de artistas que depois se consagraram no cenário nacional, como Marisa Monte, Ed Motta e Cássia Eller, e de medalhões do jazz internacional, como Wayne Shorter, Wynton Marsalis e Joe Pass.
“O Cabaré Mineiro marcou época pela sua pluralidade. Não só por causa dos artistas que se apresentavam lá, mas porque ele tinha atividades das mais variadas matrizes artísticas de segunda a segunda”, avalia Cláudio Rocha, um dos sócios fundadores do empreendimento. Com capacidade para 600 pessoas, 400 sentadas, o espaço foi especialmente projetado para receber os agitos mais quentes da capital mineira. “Era um prédio muito bonito. Ele era especial. O levantamos do chão.
Tinha um terreno baldio ali, a gente alugou e levantou o Cabaré, foi um negócio muito bonito, a gente tinha muita vontade”, conta o músico Wagner Tiso, que além de ter sido sócio da casa também se apresentava lá com frequência.
O projeto arquitetônico, assinado por Milton Reis, era inspirado no Teatro Municipal de Sabará, tinha palco italiano e mezanino e foi ornamentado pelos artistas Marcelo Xavier e Mário Valle. As garçonetes universitárias do Cabaré também chamavam atenção e atraíam clientela. “Foi um lugar extremamente pitoresco, a gente tinha uma programação variada com shows, teatro, cinema, literatura e discussões. Acho que o Brasil não tem hoje uma casa como o Cabaré”, afirma Tiso, com um tom de nostalgia na voz.
“Tinha leilão de quadros, muita coisa interessante, tinha um movimento político legal, acompanhando esse momento do país renascendo. Tenho uma lembrança de uma casa muito boa. Sinto saudades”, diz a produtora cultural Nely Rosa, que frequentava assiduamente o Cabaré Mineiro. O projeto Sempre um Papo, que até hoje promove discussões e palestras com personalidades da cena cultural brasileira em Belo Horizonte, também passou por lá.
Música
“A gente não tinha nenhuma experiência nessa área de casas noturnas, eu (Cláudio Rocha) e Wagner Tiso. O Tadeu Rodrigues (posteriormente substituído por Ramon Fiúza) entrou para nos ajudar. Talvez por isso tenha dado certo, nós tínhamos um olhar muito cultural, claro que um olhar financeiro também, mas muito cultural”, lembra Rocha. Segundo ele, um dos primeiros shows da carreira de Marisa Monte aconteceu no Cabaré Mineiro. “Ela tinha tocado em um lugar pequeno no Rio de Janeiro, nós ficávamos muito atentos à cena cultural brasileira, então fizemos um show dela aqui e foi um sucesso, lotou. Foram três noites”, conta. Rocha cita também Ed Motta “Ele era desconhecido quando tocou no Cabaré”, diz. As bandas Veludo Cotelê e Ouro de Tolo também marcaram época no palco do casa.
A ideia do Cabaré Mineiro surgiu da necessidade de haver um palco onde alunos da Música de Minas Escola Livre pudessem se apresentar. O empreendimento tinha como sócios Wagner Tiso, Cláudio Rocha e Milton Nascimento e funcionou entre 1980 e 1986. “Foi a primeira escola de música livre de BH e formou uma geração de músicos”, afirma Cláudio. Samuel Rosa, do Skank, Maurício Tizumba e Flávio Henrique foram alunos. Entre os professores estão Juarez Moreira, Gilvan de Oliveira e Babaya. Segundo Rocha, mais de 50% dos alunos da escola eram carentes e muitos deles eram bolsistas.
O Cabaré Mineiro fechou as portas em 31 de março de 1992 pois o dono do terreno onde ficava a casa não quis renovar o contrato de aluguel. Entre os vários artistas que se apresentaram estava Paulinho Pedra Azul, que lançou um livro de sua autoria naquela noite.
Atrações de renome
Muitos artistas de renome se apresentaram no Cabaré Mineiro, como Adriana Calcanhotto, Leila Pinheiro, Nara Leão, Nana Caymmi, Cauby Peixoto, Luiz Melodia, Eduardo Dusek, João Bosco, Cida Moreira, Belchior, Jorge Ben e Banda Zé Pretinho, Jane Duboc, Lúcio Alves, Amelinha, Ednardo, Sivuca, Taiguara, Dominguinhos, Grupo Rumo, Ná Ozzetti, Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Eliete Negreiros, Boca Livre, Olívia Byington, Paulo Moura. Pratas da casa, agitaram o palco do Cabaré Milton Nascimento, Wagner Tiso, Toninho Horta, Tavinho Moura, Beto Guedes, Lô Borges, Marco Antônio Araújo, Grupo Uakti, Paula Santoro, Titane e Sylvia Klein. Entre as atrações internacionais que passaram por lá, além de Wayne Shorter, Wynton Marsalis e Joe Pass, também se apresentaram Toots Thielmans e Al Di Meola.
Linha do tempo
1980
Wagner Tiso, Cláudio Rocha e Milton Nascimento abrem a Música de Minas Escola Livre
1985
Abertura do Cabaré Mineiro com programação inusitada e intensa
1986
Show de Sérgio Sampaio lota a casa
1987
A então desconhecida Marisa Monte é um sucesso e faz três apresentações no Cabaré
1990
Bandas Ouro de Tolo, Veludo Cotelê e Hocus Pocus se tornam frequentes, assim como a Banda Buick 90, que tocava todas as quintas-feiras
1992
Contrato de aluguel termina e o Cabaré Mineiro é fechado com grande festa