A aposta da BHTrans no projeto de bicicletas compartilhadas, que prevê 30 estações para aluguel de bikes em Belo Horizonte, reabre a discussão sobre a viabilidade do meio de transporte e sobre as condições de implantação de ciclovias na capital. O edital de licitação, lançado anteontem, deixa clara a política de incentivo da prefeitura para o uso da bicicleta em trajetos curtos e em rede com o transporte público. A intenção é motivar mais pessoas a adotar a alternativa nos deslocamentos diários, já que apenas 1,5% da população da cidade se diz adepta dessa solução, fazendo cerca de 100 mil viagens diariamente nos 50 quilômetros de pistas exclusivas disponíveis atualmente, segundo representantes de ciclistas. O último estudo oficial, feito em 2001 pela BHTrans, mostrou percentual ainda menor: 0,6% de adeptos e 25 mil viagens por dia. Entusiastas das duas rodas afirmam que é possível, sim, adotar a bike como meio de transporte em BH, que planeja chegar a 2020 com 380 quilômetros de corredores para ciclistas. Entretanto, ainda criticam pontos como a lógica de implantação das faixas exclusivas, o descumprimento de normas técnicas, a falta de educação no trânsito e a inexistência de fiscalização.
Como exemplo, ele cita pelo menos dois percursos: as avenidas Tancredo Neves, na Pampulha, e João Pinheiro, no Bairro Funcionários, Região Centro-Sul de BH. Em ambos, segundo Augusto, a largura de 1,5 metro não foi respeitada. No segundo caso, carros precisam passar sobre a faixa exclusiva para estacionar. “Essa falta de padrão também dificulta o entendimento dos motoristas sobre como se comportar em relação às ciclovias”, critica.
Militante do movimento pelo uso da bike e ciclista há três anos, Augusto destaca também a forma como as ciclovias foram implantadas. “Há um projeto que interliga as rotas, mas não foi dada prioridade a percursos. Eles estão sendo feitos sem ligação entre si e isso desanima quem deseja andar de bicicleta no dia a dia”, argumenta.
Disputa por espaço
A falta de educação no trânsito também acirra a disputa entre bicicletas, carros, ônibus, caminhões, motos e pedestres por um espaço na via pública. O economista José Roberto Botelho, de 45 anos, tenta garantir seu espaço todos os dias, quando sai de casa, no Bairro Planalto, Região Norte, rumo à Rua da Bahia, na Savassi, Região Centro-Sul. O percurso inclui as avenidas Antônio Carlos e Afonso Pena, onde encara trechos perigosos. São 13,5 quilômetros, percorridos em cerca de 50 minutos. “Resolvi arriscar e unir o útil ao agradável, pois o trânsito está horrível. O tempo que perdia no ônibus uso para fazer exercício físico. Vou tranquilo e, nos pontos mais perigosos, vou empurrando a bicicleta na calçada”, conta. A experiência revelou muitas dificuldades, como a falta de hábito dos motoristas em dividir a via com os ciclistas. “O motorista não aceita, ele se apossou da rua. É difícil pedalar em uma cidade que não tem essa cultura.” A solução é se fazer notado, com sinalização e o uso de equipamentos de segurança, como capacete, farol, refletores, entre outros.
Integrante da Associação Mountain Bike de BH e da Associação BH em Ciclo, Vinícius Mundim avalia que haverá ganhos para a cidade com as medidas anunciadas pela prefeitura. O funcionamento das estações até as 23h, por exemplo, facilitará a integração com o metrô e os ônibus. Ele considera a cidade viável para o uso de bicicletas, mas diz que os incentivos ainda são “tímidos”. “Em uma cidade onde sempre se divulgou o mito do relevo desfavorável e com carros demais, todo dia há mais alguém pedalando. A cada dia as pessoas começam a vislumbrar isso como uma opção”, avalia.
Mundim diz que o relevo não é problema, já que o pontos mais usados pelos ciclistas, como a área hospitalar, a Savassi e o Centro, são predominantemente planos: “A questão do morro só é problema para quem nunca subiu em uma bicicleta. Isso não atrapalha”, defende. Mas o ativista também reclama da falta de educação de motoristas que fecham ciclistas e causam acidentes sem receber punição. Segundo ele, a BHTrans não tem campanhas efetivas de mudança de consciência, além de não apertar o cerco na fiscalização. “O Detran e o DER se recusam a passar as multas, o que nos leva a crer que nenhum motorista jamais foi multado por desrespeitar o ciclista”, desconfia.
Responsável pela implantação das ciclovias na cidade, a BHTrans defende que a bicicleta é uma realidade recente em Belo Horizonte e que é necessário fazer um trabalho de conscientização de longo prazo. Segundo a assessoria de imprensa da empresa, a expectativa é de que, à medida que o projeto avançar e com campanhas educativas feitas periodicamente, haja uma mudança cultural.
O desafio da conscientização se refere tanto à maior adesão às bikes quanto ao entendimento de que as ciclovias são um espaço público a ser respeitado e preservado na cidade. Sobre o relevo, a BHTrans explica que as ciclovias só estão sendo implantadas em locais planos ou com declividade inferior a 10%. As críticas sobre a implantação das faixas estão sendo levadas a reuniões periódicas com representantes de ciclistas e as ordens de serviços para construção de novas ciclovias ou intervenções em rotas já construídas só são liberadas após discussão dos projetos com quem pedala, segundo a empresa municipal.
5 BARREIRAS PARA IR DE BIKE
1 - relevo e clima
Subidas e descidas íngremes, características do relevo de Belo Horizonte, e as altas temperaturas, são vistas como fatores desanimadores para quem deseja pedalar. O Projeto Pedala BH privilegia trechos planos ou com inclinação máxima de 10%.
2 - Interligação
Projetos estão sendo implantados ainda sem ligação entre as ciclovias e com isso quem anda de bicicleta precisa passar por trechos sem faixas exclusivas. A BHTrans garante que lógica de implantação está sendo revista e que ao fim, todas as rotas serão interligadas.
3 - Padronização técnica
Alguns dos trechos das ciclovias foram implantados com largura inferior ao padrão de segurança, de 1,5 metro, além de haver trechos em que a faixa exclusiva está entre o estacionamento e a pista de rolamento
4 - Educação de trânsito
A relação entre ciclistas e os outros agentes do trânsito ainda é conflituosa, porque falta compreensão de muitos condutores de que a bicicleta é também um meio de transporte e deve ter seu espaço no trânsito.
5 - Fiscalização
Falta rigor no cumprimento das regras de trânsito para proteger o ciclista e as ciclovias, que são espaços delimitados para bicicletas. Casos de carros bloqueando essas faixas e motos e pedestres passando por elas ainda ficam impunes.
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