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Estado de Minas VIDAS INTERDITADAS

Moradores obrigados a deixar prédio no Cruzeiro se adaptam com dificuldades

Eles estão hospedados num hotel na Avenida Afonso Pena, no Bairro Serra, na Região Centro-Sul


postado em 29/12/2013 00:12 / atualizado em 29/12/2013 07:40

Gustavo Werneck

Gláucia Machado está hospedada em hotel: antes, ela e parentes tiveram de ir para casa de amigos (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press.)
Gláucia Machado está hospedada em hotel: antes, ela e parentes tiveram de ir para casa de amigos (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press.)

O cachimbo que pertenceu ao avô, os livros preferidos – contos de Machado de Assis e o Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë –,uma garrafa de hidromel produzido pelo pai e, claro, os documentos. Com o coração aos pulos, pés ligeiros e a roupa do corpo, a estudante de ciências sociais ambientais Paola Matta Machado, de 21 anos, pegou o que foi possível, no seu quarto, ao ser obrigada a deixar por medida de segurança, na quarta-feira, o apartamento do prédio nº 308 da Rua Cabo Verde, no Bairro Cruzeiro, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte. Ao lado, fica o terreno onde um muro de arrimo, para construção de um prédio, desabou durante as últimas chuvas levando parte da via pública. Mesmo residente num dos pontos mais nobres da capital, a jovem está agora na lista dos 6,9 mil desalojados em Minas.


Hospedada num hotel na Avenida Afonso Pena, no Bairro Serra, na Região Centro-Sul, Paola não tem problemas em mostrar como a vida ficou revirada, de cabeça para baixo. “Hotel não é casa da gente, é um lugar impessoal, um não lugar. Ficou tudo lá…”, afirma a jovem recém-saída do banho, mas incomodada por estar com a mesma calça há três dias e um par de chinelos. Na tarde do dia 24, a estudante se encontrava no apartamento com a mãe, a bióloga Silvana Félix de Assis, e duas hóspedes vindas de Londres (Inglaterra) e Barcelona (Espanha), quando foi avisada, pelos bombeiros, de que todas teriam 10 minutos para sair do edifício. “Preparávamos a ceia de Natal. Na rua, um poste com um transformador estava tombando em direção à nossa janela da frente. Descemos, em pânico, e vimos muitos vizinhos revoltados.”


As diárias no hotel e refeições num restaurante próximo são pagas pela construtora responsável pela obra na Rua Cabo Verde – no total, estão hospedadas 13 famílias (22 pessoas) de três prédios interditados pela Coordenadoria Municipal de Defesa Civil (Comdec). “Fui informada para não pegar nada no frigobar e até estavam recolhendo os produtos. Então, eu disse ao funcionário do hotel que, caso houvesse consumo, eu pagaria sem problemas”, disse a jovem. A água mineral também seria inicialmente paga, mas na manhã de ontem foram entregue garrafas aos desalojados.


No apartamento ao lado, Silvana revela que sente um “aperto no coração” desde a saída às pressas do apartamento: “A casa é um lugar sagrado, tudo diferente de um hotel executivo como este. Tenho uma alimentação bem equilibrada e de repente mudou tudo. Me sinto uma desabrigada e vítima de informações desencontradas, descaso e incompetência, vivendo uma situação absurda”. Junto da mãe, Paola destaca que há um ano os vizinhos se preocupavam com as obras do futuro prédio. Também no hotel, a jornalista Gláucia Matta Machado, residente em Londres, ficou indignada e horrorizada com o que viu e passou. Antes de ir para o hotel, mãe, filha e hóspedes foram para a casa de amigos no distrito de São Sebastião das Águas Claras (Macacos), em Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

LABRADORES O casal Francisco Ottoni, servidor público, e Andréa Vidal, advogada, também foi pego de surpresa pela queda do muro de arrimo e destruição da Rua Cabo Verde. “Estava fazendo os doces para a festa de Natal na casa da minha mãe, quando fui avisada pela síndica. Era por volta das 14h do dia 24. Meu marido estava viajando e fui ao aeroporto buscá-lo”, conta Andréa, que se diz totalmente transtornada com a situação. No meio do caos em que se tornou a véspera e dia do Natal, Francisco retirou o casal de labradores e os levou para um hotel para cães. “Esperamos que a construtora pague as diárias.”


Francisco está de férias e Andréa voltou ao batente num escritório de advocacia. Nada, no entanto, dissipa a atmosfera de preocupações “Vamos viajar no dia 8, mas nem sabemos direito como será. Moramos neste apartamento há quatro anos e pagamos aluguel. Se não pudermos voltar para lá, teremos que procurar outro imóvel. Por sorte, conseguimos retirar todos os nossos pertences, incluindo móveis e roupas”, diz a advogada.
Desde que deixou o apartamento onde mora com dois filhos casados e noras, num prédio em frente ao terreno da Rua Cabo Verde, a bancária aposentada Maria do Carmo Neves, de 62 anos, ainda não conseguiu ficar tranquila. “Passamos o Natal no meio da rua”, lamenta Maria do Carmo. Natural de Salvador (BA), Maria do Carmo comenta que, agora, só “os santos podem ajudar”. Hospedada no hotel da Avenida Afonso Pena, ela teme pelo futuro da família. “Se não pudermos voltar para o apartamento, para onde vamos? Esta casa foi paga com o trabalho de uma vida inteira, muito sacrifício. Por isso, até resolver esta questão, não vou arredar o pé daqui”, disse.


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