De mãos dadas, com os olhos cheios de esperança e o coração pleno de fé. Cerca de 300 moradores de Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, participaram na manhã de ontem de um abraço simbólico na Matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso, no Centro Histórico da cidade que comemora 301 anos de fundação. O objetivo da manifestação foi conclamar a comunidade a colaborar e alertar as autoridades para a urgência de reparos no telhado da igreja do século 18. Preocupado com a situação, o titular da paróquia, padre Wellington dos Santos, mostrou os estragos nas pinturas do forro e buracos no piso de madeira da nave, resultantes das infiltrações de água da chuva.
Eram 10h quando começou a segunda missa da manhã e padre Wellington falou aos fiéis sobre a situação da igreja e a necessidade de restaurar a cobertura o mais rápido possível. “Hoje, vamos começar a celebração de modo diferente. Gostaria de chamá-los para um abraço na nossa igreja. Abraço significa cuidado! Até chegar lá fora, vamos rezando e pedindo a Deus que nos proteja e também a esta obra-prima do barroco.” Convite feito, convite aceito, e todos saíram em filas, de mãos dadas, para o ato em torno do adro. No final, todos bateram palmas e levantaram os braços.
Desde março, a paróquia junta dinheiro para os serviços no telhado, mas o valor ainda é insuficiente. A obra, com projeto aprovado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), autarquia responsável pelo tombamento, em 1938, está orçada em R$ 400 mil, mas há, em caixa, somente R$ 160 mil. “Conseguimos R$ 80 mil, fruto de doações, contribuições via carnês, barraquinhas, festas e venda de material reciclável, e o mesmo tanto de uma emenda parlamentar. Agora, não temos como obter os R$ 240 mil restantes”, informou padre Wellington.
O último restauro do forro ocorreu em 1985, conta o padre, que, ao caminhar pelo interior do templo, para com atenção diante do altar lateral de São Francisco de Paula. “Os anjos deste retábulo são atribuídos a Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1737-1814). Aqui estava a imagem de Santa Luzia, também de autoria dele e restaurada no ano passado, com a de Nossa Senhora do Carmo, no Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais (Cecor) da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (EBA/UFMG). Devido a goteiras, tivemos que mudar a peça de lugar, transferindo-a para o altar de Senhor dos Passos e Nossa Senhora das Dores”, contou o pároco. A exemplo dos demais, os altares estão cobertos pelos tradicionais panos roxos da quaresma.
Acostumado a subir e descer a longa escada de pedra que conduz à cobertura, o sineiro Thomás André Silva Santos, estudante de conservação e restauração na UFMG, aponta um dos buracos no telhado que tiram o sono da equipe da paróquia. “Precisamos resolver logo esse problema externo, a fim de evitar a degradação interna”, disse o sineiro, que está na função desde os 15 anos e se mantém sempre atento à conservação. “A paróquia completou 291 anos no dia 16, tem muita história e a igreja faz parte de nossas vidas”, disse Thomás.
Residente em Lagoa Santa, na Grande BH, o casal Fabrício Aparecido Fonseca, programador natural de Caeté, e Ludmila Carvalho Fonseca De Liz, gerente de sistema de gestão, apoia integralmente a campanha, principalmente por ser um bem de todos. “É um patrimônio necessitado de recuperação e a comunidade não pode fazer nada sozinha.” Ao lado, a aposentada Olga Maria Mello Vitoriano, de 74, lembrava do valor cultural e religioso da “relíquia mais importante de Caeté”, principalmente pela marca de Noronha e Aleijadinho. Para o motorista Emílio Álvares Muzzi, acompanhado da mulher Maria Flor de Maio Muzzi, servidora pública, é fundamental que as autoridades municipais, estaduais e federais cuidem do templo, “que não pode morrer”.
HISTÓRIA A edificação da igreja matriz é atribuída ao construtor Antônio da Silva Bracarena, a partir da planta possivelmente elaborada pelo arquiteto Manoel Francisco Lisboa, pai de Aleijadinho. Conforme os especialistas, trata-se de um marco da arquitetura religiosa em Minas, sendo considerado o primeiro templo erguido em alvenaria e pioneiro de um novo estilo diferenciado do barroco jesuítico. Na decoração interior, há um conjunto de retábulos em estilo rococó, os primeiros da Capitania de Minas, com destaque para o retábulo do altar-mor, no estilo dom João V.
No frontispício, está gravada a data de 1757, talvez o ano do término da obra. A portada (parte que adorna a porta de entrada da igreja) tem trabalhos em alto relevo, executados em pedra-sabão. Estudos mostram que a igreja está entre as primeiras com trabalhos de Aleijadinho, que teria iniciado ali a carreira como aprendiz do entalhador José Coelho Noronha. Entre as principais características da nave, há oito altares laterais executados ao gosto joanino e rococó com arcos interrompidos no coroamento dos retábulos.