Depois de seis meses da sanção da Lei Federal 13.058, que tornou obrigatória a guarda compartilhada dos filhos, o regime de responsabilidade civil conjunta sobre os menores de idade ainda está longe de ser uma regra ou de obter consenso. Na prática, o texto publicado em 22 de dezembro do ano passado passou a ser considerado nas decisões judiciais, mas especialistas em direito de família, promotores e os próprios pais apontam dificuldades e resistências para se chegar ao compartilhamento permanente do convívio e de assuntos importantes do dia a dia dos filhos. A própria postura do Judiciário e do Ministério Público têm sido considerada conservadora. A tarefa é desafiadora por questões ligadas às atividades cotidianas, como distância e tempo, mas principalmente porque existem casos em que ex-casais não mantêm relação harmoniosa após o término da união.
Pela norma, a pauta que inclui educação, tratamento de saúde, suspensão da mamadeira e da fralda ou autorização para uma tatuagem em adolescente, por exemplo. deve ser discutida conjuntamente entre pais ou responsáveis, em períodos de convivência equilibrada. Há situações em que tudo é resolvido sem grandes transtornos, inclusive a divisão de dias e horários. Mas, segundo especialistas, são crescentes os casos em que pais e mães têm buscado a Justiça para superar as dificuldades.
Em 2013, último dado disponível na Pesquisa do Registro Civil do IBGE, apenas 4% dos 2.246 divórcios resultaram na guarda compartilhada. Na quase totalidade (92,87%), os filhos ficaram sob responsabilidade da mãe e em apenas 2,9% com o pai. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) não tem as estatísticas recentes. “Os juízes e promotores, que deveriam zelar pelo interesse da criança, têm resistência e falam que não vai dar certo, que não tem jeito quando os pais são brigados e o divórcio é litigioso. Mas a lei é exatamente para os pais que estão brigando, porque os que convivem bem conseguem resolver sem a Justiça. O que não dá certo é um dos pais não ter convivência com o filho”, avalia o presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM), Rodrigo da Cunha Pereira. O especialista explica que, somente nos casos de negativa de uma das partes ou da falta de condições de cuidar do filho, a guarda não deve ser compartilhada.
Mesmo tendo esse entendimento e já recorrido à Justiça para tentar a guarda compartilhada, um empresário de BH diz ter ingressado com ação judicial para ter a guarda da filha de 5 anos, depois de terminar o relacionamento de seis anos com a mãe dela. “As duas estão morando em Ribeirão das Neves (Grande BH), em um lugar completamente sem infraestrutura. Não concordo com a forma como estou vendo minha filha crescer”, afirma. Segundo o pai, foi levantada na Justiça a possibilidade de ele ficar em dias alternados com a menina, mas somente para levar a criança à escola teria que dirigir, no mínimo, 70 quilômetros por dia para ir e voltar. “Seria inviável”, reclama.
Uma executiva que trabalha numa grande empresa de telecomunicações de BH também não vê a mínima possibilidade de dividir a guarda da filha de 3 anos com o ex-marido, com quem viveu duranet18 anos. “O fim do relacionamento foi muito conturbado e até hoje não nos falamos. No início, eu mandava mensagem contando, por exemplo, quando ela estava doente. Ele não respondia ou me mandava procurar os vizinhos”, conta a mulher, que ainda tem dificuldades emocionais para falar do assunto.
Na avaliação da advogada Ana Carolina Brochado, da Comissão de Direito de Família da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), dividir a guarda deve ser a regra, mas aspectos importantes precisam ser considerados. “A organização do cotidiano é o maior desafio. Ter uma educação picada, com diferentes visões sobre os mesmos temas, pode causar prejuízo na criação”.
A FILHA EM PRIMEIRO LUGAR
Casos resolvidos sem intervenção da Justiça, como o de Denise de Oliveira Vilela, de 35 anos, e do ex-marido Alessandro Santos Andrade, mostram que é possível uma solução harmoniosa. Separados há dois anos, eles mantêm com equilíbrio a criação da filha, Lara, de 4. “Foi supertranquilo, porque existia, de ambos os lados, o desejo de que ela continuasse a conviver com os pais”, diz Denise. Alessandro ressalta, inclusive, que detalhes da vida da filha são conversados no dia a dia: “Trocamos informações sobre alimentação, horário de dormir e as atividades na escolinha. Por outro lado, ela também assimila tudo muito bem”.
No caso da funcionária pública J. P. O, de 46, e do ex-marido V. P., de 53, a guarda da filha também foi consensual. Mas, mesmo afirmando que ele é excelente pai, J. faz ressalvas quanto ao vaivém entre as casas: “Não acho que seja bom para ela, porque sinto que fica insegura se vai ficar comigo ou com o pai”. Por outro lado, V. comemora por manter o convívio com a filha. “Esse é o melhor modelo”.
Procurado pela reportagem, o TJMG não se posicionou sobre o assunto. Já o promotor Cláudio Monteiro Gontijo, da Promotoria de Defesa da Família, diz que tanto ele quanto os colegas têm cada vez mais levado em consideração a guarda compartilhada.