O pequeno Abboud, filho de um casal sírio recém-chegado a Belo Horizonte, nasceu na noite da última quarta-feira na Santa Casa de Belo Horizonte e, involuntariamente, se transformou em pivô de uma rede de solidariedade articulada pelas mídias sociais e que levou centenas de belo-horizontinos a se mobilizarem para deixar doações no adro da Igreja Sagrado Coração de Jesus, no Bairro Santa Efigênia, na Região Leste de BH. “Só um minuto, que já te atendo. Preciso ajudar a organizar esse tsunami”, dizia o padre sírio George Rateb a todos que o procuravam na tarde de ontem, se referindo às sacolas e caixas com as doações que chegavam em profusão.
“Criei um evento no Facebook para convidar meus amigos a ajudarem os sírios. Quando olhei, já tinha mais de 60 mil pessoas convidadas. Ficou grande demais”, conta Joyce, assustada com o número de pessoas envolvidas. Diante da repercussão, ela combinou com uma amiga de acertarem os detalhes com o padre George Rateb, que é sírio e realiza um trabalho de acolhimento de seus conterrâneos, além de buscar ajuda para que eles reconstruam suas vidas na capital mineira.
“Precisam de empregos dignos. Já vieram advogado, economista, engenheiro metalúrgico e profissionais de letras e turismo”, destaca o padre George. Porém, o religioso destaca que os sírios não falam português e que é preciso paciência para o aprendizado. “Português é uma língua difícil, não se aprende de um dia para o outro”, ressalta.
Estão na capital 79 sírios, que chegaram nos últimos meses. De acordo com o padre George, toda ajuda é bem-vinda, mas o ideal é conseguir empregos para os refugiados. Como o volume de doações ontem foi muito grande, o padre já articula dividir parte das arrecadações com outras instituições, indicadas pelo Vicariato de Ação Social, que atende comunidades carentes de Belo Horizonte e também moradores de rua.
Joyce, que é mãe de uma criança de 1 ano e meio, ficou sensibilizada ao saber que havia recém-nascidos e crianças pequenas entre os refugiados. “Sempre crio eventos para chamar meus amigos e amigas para doar sangue, para ajudar o banco de leite materno, mas às vezes é muito difícil conseguir convencer alguém”, compara a administradora. Dessa vez, porém, não faltou solidariedade. Na tarde de ontem, o adro da igreja estava lotado de doações e os voluntários trabalhavam incessantemente para organizar tudo.
A estudante de pedagogia Sara de Oliveira, de 21, foi até lá disposta a oferecer seu trabalho para cuidar das crianças. Levou o sobrinho Bernardo Scalioni, de 3. “Ele (o sobrinho) ajudou a separar os brinquedos para doar e pediu para vir também para poder brincar com os garotos de sua idade”, destacou Sara. Porém, nem as crianças nem os adultos sírios ficam hospedados na igreja e já conseguiram acomodação com a ajuda de voluntários.
O efeito solidário atingiu também um grupo de ex-alunos do Colégio Loyola da década de 1980. A psicóloga Iara Ávila acionou seus colegas e conclamou para que eles ajudassem os sírios. “No grupo, tem várias pessoas da área médica, e muitos podem precisar mais de atendimento do que de roupa. Vou procurá-los, fazer uma triagem e ver do que precisa, seja de um médico clínico ou de uma ajuda de psicólogo”, explica Iara.
A médica Jaqueline Azan apoiou a ideia da sua ex-colega de Loyola e se dispôs a ajudar. “Tempo a gente sempre arruma. Seja à noite ou no final de semana”, se dispõe a médica, cuja especialidade é clínica geral. Jaqueline também acionou seus grupos de WhatsApp com outros médicos e já recebeu várias sinalizações de ajuda.
AMIGOS A ajuda vem de todos os lados e crenças. O rabino Uri Lam, da Congregação Israelita Mineira, foi até a igreja para levar uma doação e disse que está articulando com os integrantes da comunidade judaica de Belo Horizonte doações para os sírios. “Independentemente do credo, da etnia e da origem religiosa, nós podemos ser amigos”, acredita o rabino. Síria e Israel não têm relações diplomáticas.
O músico Paulinho Pedra Azul também foi deixar sua doação. “Doar ajuda a aliviar nossas dores”, filosofa. Entretanto, nem todos acreditaram nas mensagens que receberam. A estagiária da Faculdade de Farmácia da UFMG, Ana Clara Campos, recebeu o texto com o pedido de ajuda pelo WhatsApp e decidiu ir à igreja conferir de perto para ver se era verdade. “Vou fazer um vídeo e passar para meus amigos. Quando é uma corrente, muita gente acha que não é sério”, explica Ana Clara.
‘Quero meu filho em ambiente de paz’, diz síria
Paz. Esse é o maior sonho da professora síria Nsrine Chahla para o seu filho Abboud, que nasceu quarta-feira na Santa Casa de Belo Horizonte. “Quero que meu filho viva em um ambiente de paz”, disse a mãe, que há um ano e dois meses fugiu da guerra em seu país junto com o marido, o bombeiro hidráulico Jamel Aladra. O casal morava em São Paulo e há seis meses veio tentar uma vida melhor em Belo Horizonte.
Os dois esperam encontrar emprego e garantir um futuro melhor para o filho recém-nascido. “A única ajuda que queremos agora é trabalho”, disse a mãe, que já fala português. “A vida aqui é muito boa, mas tenho muita saudade dos meus pais, que ficaram no meu país, e da minha irmã, que está na Austrália. Gostaria muito que eles estivessem aqui com a gente”, disse a professora.
A família mora em um apartamento no Centro de Belo Horizonte e, enquanto não arruma emprego, Jamel passa o tempo na cozinha, preparando guloseimas típicas do seu país. Vender comida tem ajudado o bombeiro hidráulico no sustento da família.
COMO AJUDAR A Paróquia Sagrado Coração de Jesus orienta que o local para deixar as doações é na Avenida Amazonas, 558, no Centro de Belo Horizonte. Pela página no Facebook Refugiados sírios chegam a BH e precisam de ajuda!, ou no link https://goo.gl/SRPJUN.
Veja outros locais de doação em Belo Horizonte
- Escola de Engenharia UFMG - Campus Pampulha
- Clube Atlético Mineiro - Vila Olímpica Planalto/Vila Clóris/São João Batista
- Cidade Administrativa - 5º andar, Prédio Minas, Ala ímpar - Rod. Pref. Américo Renê Gianeti, 3777 - Serra Verde
- Escritório de Integração - Arquitetura PUC Coração Eucarístico - Rua Dom Jose Gaspar, 500, Coração Eucarístico
- Butic Bardot - Rua Paraíba, 1.352, loja 13, de segunda a sexta-feira, das 9h às 19h
Anos de conflito
Aguerra na Síria completou quatro anos de conflitos entre tropas leais ao regime, vários grupos rebeldes, forças curdas e organizações jihadistas, entre elas,o Estado Islâmico. Desde 2011, a guerra já matou mais de 240 mil pessoas no país, sendo 12 mil crianças. Estimativas da ONU apontam que mais de 7 milhões de sírios abandonaram suas residências dentro do paísequase 60% da população vive na pobreza. Os trágicos números refletem na alta taxa de emigração do país – seriam 4 milhões de refugiados sírios, a maior população de refugiados do mundo.O principal destino dos sírios é a Turquia, que já recebeu 1,8 milhão de refugiados desde o início da guerra civil no páis, seguido por Iraque, Jordânia, Egito e Líbano.