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Estado de Minas

Cidade mineira tem cemitérios diferentes para católicos e evangélicos

Os locais para sepultar os mortos em Fernandes Tourinho, município de apenas 3 mil habitantes no Vale do Rio Doce, não são uma extravagância típica do Odorico Paraguaçu, de Dias Gomes. Por trás da construção dos cemitérios está divergência religiosa ocorrida no início do século passado


postado em 08/10/2015 06:00 / atualizado em 08/10/2015 07:34

Sara Veloso da Silva no Bom Jesus, onde a mãe está sepultada: ela já pagou R$ 2,7 mil por um jazigo no local, que fica a um quilômetro do cemitério para evangélicos (foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA Press)
Sara Veloso da Silva no Bom Jesus, onde a mãe está sepultada: ela já pagou R$ 2,7 mil por um jazigo no local, que fica a um quilômetro do cemitério para evangélicos (foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA Press)

Fernandes Tourinho
– “Que interessante! Ainda mais por se tratar de um lugar pequeno.” Foi assim que João Lopes Oliveira, de 47 anos, que visitava Fernandes Tourinho, cidade de pouco mais de três mil habitantes no Vale do Rio Doce, reagiu ao descobrir uma peculiaridade do município: ali, há dois cemitérios, um dos católicos e outro dos evangélicos.

O primeiro capítulo dessa história remonta às primeiras décadas do século passado, mas, ainda hoje, há quem não se sinta à vontade para falar sobre o assunto publicamente. Moradores mais antigos do município, cercado por montanhas e a poucos quilômetros da Rio-Bahia (BR-116), contam que uma evangélica morreu na época em que só havia a calunga do Nosso Senhor do Bom Jesus, construída atrás da igreja homônima. Os familiares não teriam concordado com a obrigatoriedade de uma cruz no túmulo – ou próximo dele – e levaram o corpo para casa.


Sensibilizado, um fazendeiro doou um pedaço de terra para que os parentes construíssem o jazigo da maneira que desejavam. Foi assim que o Bom Jesus ficou conhecido como o cemitério dos católicos e o pedaço de terra doado pelo proprietário rural virou a calunga dos evangélicos. Separados por pouco mais de um quilômetro, cada um ocupa parte do alto de um morro. Ambos são mantidos pela prefeitura.

Seu Carlos, morador conhecido tanto na área urbana quanto na rural, é o coveiro titular dos dois lugares. Ele conhece bem a história contada pelos vizinhos mais antigos, mas sempre optou pela discrição em relação ao assunto. Diz apenas saber em qual lugar deve preparar a cova quando o alto-falante da igreja informa a morte de um habitante, seja o corpo de um católico ou de um evangélico.

Marlene Gomes da Costa, fiel da Assembleia de Deus, no cemitério para evangélicos:
Marlene Gomes da Costa, fiel da Assembleia de Deus, no cemitério para evangélicos: "Quando chegar a minha hora, quero vir para cá" (foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA Press)

HOMENAGENS Carlos mora ao lado do portão principal do Bom Jesus, cercado por um muro branco e baixo. Um cruzeiro de madeira se destaca na parte mais alta, de onde a vista alcança todos os túmulos. Há jazigos de diferentes materiais, sobretudo, de mármore, azulejos e cimento. Também há sepulturas simples, onde a cova no chão batido é cercada por finas grades de ferro. Em muitos, destacam-se frases que homenageiam os mortos.

No da família Santos, por exemplo, há uma dedicatória à memória de uma mulher: “Você brilhou tanto na terra que Deus a levou para ser estrela no céu”. Em outro, um homem foi homenageado pelos parentes da seguinte forma: “Quem vive no coração e na lembrança nunca morre”. Imagens de Nossa Senhora Aparecida e de Cristo pregado na cruz estão em vários jazigos, como no que foi enterrado o corpo de Ana, mãe da costureira Sara Veloso da Silva, de 61.

“Ela morreu aos 85 anos e sempre dizia que desejava ser enterrada na parte mais alta desse cemitério”, recorda a filha, que já pagou R$ 2,7 mil por um jazigo no mesmo lugar. “Não quero dar trabalho a ninguém quando chegar a minha hora”, explicou a mulher, que mora a menos de 100 metros de lá. Da casa dela é possível ver o cemitério dos evangélicos, onde há quatro palmeiras na entrada.

É lá que dona Marlene Gomes Costa, de 60, quer ser sepultada. “Quando chegar a minha hora – e que se Deus quiser demore muitos anos – quero vir para cá”, reforça a mulher, fiel da Assembleia de Deus. Ela costuma descansar no banco de madeira em frente ao cemitério, onde sempre dispensa parte do tempo em boa prosa com as amigas.

O lugar é cercado por um alto muro verde, erguido há poucos anos. Até então, havia apenas uma cerca com arame. Atrás do imenso portão, pintado de marrom, também há túmulos erguidos por famílias de diferentes classes sociais – a renda per capita na cidade é de R$ 351,58, segundo o censo de 2010.A maioria dos corpos está em cova simples. O jazigo que mais chama a atenção, erguido com cimento, é o de um homem e o de uma mulher cuja história faz um contraponto com a divisão que provocou o surgimento das duas calungas em Fernandes Tourinho. Trata-se de um casal que viveu junto por décadas.

O marido era evangélico. A esposa, católica. Quando ele morreu, foi enterrado no cemitério dos evangélicos. Mas a saudade do amado era tanta que a mulher fez um pedido aos familiares: queria ser enterrado ao lado do corpo do marido. Seu último desejo foi realizado.

 


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