As celebrações da Semana Santa em Mariana (MG), atingida pelo deslizamento de uma barragem de mineração em novembro, dão um exemplo do significado da data para os católicos, de renovação da fé. Fiéis dos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu, que perderam seus imóveis e bens materiais após o rompimento da barragem da mineradora Samarco, fizeram questão de manter a tradição religiosa mesmo diante da adversidade.
A lama de rejeitos que se espalhou com a tragédia arrasou as duas comunidades e deixou 19 mortos. Os impactos ambientais atingiram toda a bacia do Rio Doce e destruíram áreas de vegetação nativa. Os antigos moradores foram inicialmente alojados em hotéis na região central de do município e agora estão em casas alugadas. Enquanto aguardam a reconstrução, que deve começar ainda este semestre, as despesas são integralmente pagas pela Samarco.
Com a vida de cabeça para baixo, o empresário Sérgio Raimundo Sobreira não desanima. "Não adianta ficar lamentando, é erguer a cabeça e olhar pra frente. Então a Semana Santa é um momento que nos dá força. A gente se apega em Deus e segue adiante", disse.
Embora nascido em Bento Rodrigues, onde vivia toda a família, Sérgio já possuía um imóvel menor na região central de Mariana, para ficar mais próximo do local de trabalho. Ele se dividia entre as duas residências, mas não abria mão de passar os fins de semana na terra natal.
No dia da tragédia, a mãe e o irmão do empresário, que tinham um armazém de mantimentos e bebidas, ficaram incomunicáveis. "Eu estava no centro de Mariana. De início não acreditei, mas corri para lá. Finalmente, quando já estava no distrito, consegui um contato por telefone com eles, que estavam a salvo", relembrou.
O bispo auxiliar de Vitória, dom Rubens Sevilha, participou das celebrações da Semana Santa de Mariana para o sermão do descendimento da cruz. O religioso fez uma referência à situação vivida pelos atingidos em toda a bacia do Rio Doce. “Que Jesus seja um suporte para que todos possam retomar as suas vidas.”
A Arquidiocese de Mariana vem acompanhando de perto a situação dos moradores de Bento Rodrigues e Paracatu. Como os atingidos estão dispersos em várias localidades da cidade, uma capela no bairro de Barro Preto foi cedida para que se reúnam. No primeiro domingo de cada mês, a capela é reservada para a população de Paracatu; e, no último domingo, é a vez dos moradores de Bento Rodrigues.
Segundo o arcebispo da Arquidiocese de Mariana, dom Geraldo Lyrio, as portas também têm sido abertas para os movimentos sociais que acompanham os desdobramentos da tragédia, como o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB). No início desse mês, a Igreja Católica em Mariana sediou uma reunião de movimentos sociais durante o Seminário das Dioceses que compõem a Bacia do Rio Doce. O encontro teve como tema “Bacia do Rio Doce, nossa casa comum: corresponsabilidade de todos frente a vida ameaçada”.
“Estamos insistindo para que os atingidos sejam ouvidos nas decisões que devem ser tomadas. Que eles sejam os protagonistas. Não se pode tomar decisões e depois apenas apresentá-las para execução”, defendeu o líder religioso.
Nilza Nélia Vitor, empregada doméstica e moradora de Mariana, fica feliz com a presença dos conterrâneos atingidos pela barragem. Ela diz que a Semana Santa é um momento propício para que a comunidade os acolha e lhes dê energia.
Turismo
Turistas de várias partes do país participam das celebrações da Semana Santa em Mariana, mas a maioria dos espectadores é de fiéis que vivem na própria cidade e arredores. “Ano a ano, vemos que a participação aumenta em número e em intensidade”, comemorou dom Geraldo.
Primeira capital mineira, Mariana é também sede da mais antiga circunscrição eclesiástica da Igreja Católica em Minas Gerais. Estruturada em 1.745, no auge do ciclo de extração de ouro, por decisão do papa Bentro XIV, a Arquidiocese de Mariana alcança hoje um território que abrange 79 cidades.
Segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os cinco municípios de Minas Gerais com maior percentual de católicos, quatro estão localizados no território compreendido pela Arquidiocese de Mariana: Senhora dos Remédios (MG), Senador Firmino (MG), Desterro de Melo (MG) e Cipotânea (MG), todos com mais de 96% de católicos.
"É uma região de uma religiosidade muito profunda, com uma quantidade muita elevada de católicos. Em Mariana, temos mais de 80% de população católica, o que permite que as celebrações da Semana Santa tenham essa relevância. Quem vê de fora, pode pensar que é algo mais folclórico ou simplesmente cultural. Mas quem enxerga por dentro, percebe que se trata de uma expressão muita sincera de uma fé verdadeira”, destacou o arcebispo.
O turismo na cidade ainda sofre o impacto do rompimento da barragem. No Hotel Providência, um dos maiores de Mariana, a taxa de ocupação foi de 49,9%. No ano passado, foi superior a 70%. A queda foi ainda maior na Pousada Rainha dos Anjos, segundo o funcionário José Maria: de cerca de 90% de ocupação em 2015 para 40% este ano. Situação semelhante à da Pousada Chafariz. "Ano passado nós tivemos 100% de ocupação. Esse ano, é triste dizer, o que nos segurou foi o período que hospedamos os atingidos da tragédia. Eles ficaram aqui por cerca de 40 dias, bancados pela Samarco", contou a dona, Socorro Eufrásio.
A crise econômica e a tragédia de novembro de 2015 são apontadas pelos trabalhadores do setor como as causas da queda do turismo na cidade. O prefeito de Mariana, Duarte Júnior, endossa essa opinião. "As pessoas ainda acreditam que toda a cidade foi atingida. Muitas delas não entenderam que a tragédia ocorreu em um distrito a 30 quilômetros do centro. Então, isso trouxe um impacto para o turismo do município. Estamos cobrando da Samarco propagandas que mostrem que Mariana está segura e que as pessoas podem continuar visitando e conhecendo nosso patrimônio”.