(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Assoreamento das veredas reduz volume e degrada mananciais no Rio Urucuia

Escassez de água deixa situação crítica e coloca em risco nascentes e mananciais, como o palco do primeiro encontro entre Riobaldo e Diadorim


postado em 16/10/2016 11:00 / atualizado em 16/10/2016 11:00

Volume reduzido do Rio Urucuia é resultado de degradação das veredas (foto: Solon Queiroz/EM/D.A PRESS)
Volume reduzido do Rio Urucuia é resultado de degradação das veredas (foto: Solon Queiroz/EM/D.A PRESS)
Arinos, Urucuia – Mananciais degradados e  com volume reduzido ou completamente vazios redesenham o cenário descrito na obra-prima de Guimarães Rosa na região do Urucuia, no Norte e Noroeste de Minas: o sertão até então pouco explorado, com grandes áreas de cerrado e uma infinidade de veredas onde Riobaldo conhece Reinaldo/Diadorim.

No quadro de hoje, o “verde a verde” das águas que alimentam o rio (foto acima) se esmaece. “Infelizmente, a maior parte das veredas da região está assoreada”, testemunha o técnico em meio ambiente Carlos Aparecido Ferroni, do escritório do Instituto Estadual de Florestas (IEF) em Urucuia, que começou a trabalhar em 1998 no órgão, quando as condições das nascentes da região “ainda eram muito boas”.

De lá para cá, conta, foi só degradação: desmatamento e movimento do solo para a formação de pastagens sem nenhuma medida protetiva, produção de carvão e danos provocados pela abertura de estradas, além do fator mais perverso de todos, o fogo, seguido pela formação de pasto e pisoteio do gado.

Um exemplo da destruição está na vereda da Mutuca, a três quilômetros da sede de Urucuia. Há três anos, um incêndio atingiu a área, transformando a maior parte da paisagem num cenário de buritis queimados ou mortos, sem uma gota d’ água acumulada. “Este é um dano difícil de ser revertido”, disse Carlos Ferroni, que acompanhou o Estado de Minas até o local.

Em outro ponto do município de Urucuia, na comunidade de Barrocação, a vereda do Pulvarim era um verdadeiro reservatório de água, abrangendo uma área de 10 hectares. Também há três anos, a área foi atingida por um incêndio. Trabalhadores da fazenda e vizinhos se esforçaram para controlar as chamas, mas não conseguiram evitar os danos, cujas consequências se sentem até hoje.


O fogo se prolongou por cerca de 15 dias. As chamas provocaram estragos por cerca de quatro dos oito quilômetros de extensão da vereda e devastaram cerca de 10 hectares, atingindo a sua cabeceira, onde estão visíveis os rastros de destruição, com restos de troncos de buritis queimados no chão. Uma parte dela ainda conta com buritis e outras espécies nativas de pé, mas o terreno perdeu a umidade. A lagoa que havia no local secou.

Córrego praticamente seco em Urucuia é exemplo dos efeitos do assoreamento das veredas. Guimarães Rosa descreveu a região como uma área de sucessivos brejos(foto: Solon Queiroz/EM/D.A PRESS)
Córrego praticamente seco em Urucuia é exemplo dos efeitos do assoreamento das veredas. Guimarães Rosa descreveu a região como uma área de sucessivos brejos (foto: Solon Queiroz/EM/D.A PRESS)

EROSÃO
O ambientalista Eduardo Gomes, diretor do Instituto Grande Sertão (IGS), de Montes Claros, salienta que quando o incêndio atinge a cabeceira de uma vereda os danos são maiores porque tanto a parte superficial quanto o subsolo são afetados. O resultado é que a vereda perde sua capacidade de absorver e reter água. “Assim, mesmo chovendo, ela não retém a água, que passa a provocar um processo de erosão”, explica Gomes.


O empresário Frederico Assis, dono da fazenda onde fica situada a vereda Pulvarim, conta que quando adquiriu a propriedade, há dois anos, o incêndio na área já tinha ocorrido. Ele disse que agora se esforça num trabalho de preservação e, para isso, cercou toda a área, onde instalou câmeras para monitorar a entrada de caçadores e de outras pessoas que possam causar danos ao meio ambiente. “Minha expectativa é de que a vereda volte a ser como antes”, diz o empresário, que guarda fotos do terreno cheio d’água.


Esses não são casos isolados. Ainda na região, a reportagem encontrou várias outras áreas de antigas nascentes que hoje estão completamente secas. Na Vereda das Bananeiras, perto do povoado de Bom Jesus (antiga “Igrejinha”), no município de Arinos, a degradação foi tanta que até os buritis que existiam no local desapareceram. Onde era nascente, o solo ficou exposto, sem nenhuma cobertura vegetal, o que contribui mais ainda para o assoreamento.

“Até 10 anos atrás, este lugar tinha muita água. Agora, está esta tristeza, sem nada”, lamenta o aposentado Adão Gonçalves Machado, de 77, saudoso dos tempos em que córregos e rios da região corriam caudalosos o inteiro, garantiam os plantios de feijão, arroz e hortas mesmo durante os períodos de estiagem e matavam a sede das famílias e dos animais.

“Acho que está chovendo menos e desmataram muito a região para fazer carvão”, diz o experiente morador. “Mas tenho esperança de que um dia as veredas vão se recuperar”, acrescenta ele, lembrando que por volta de 1963 ocorreu uma grande seca, mas os danos da estiagem daquela época foram superados.

Na mesma região de Bananeiras, a reportagem flagrou outro quadro de destruição provocado pelo fogo na cabeceira de uma vereda, que ajuda a formar o Córrego da Onça. No local estão as marcas deixadas pelo fogo, com buritis queimados ou mortos e o terreno seco. O Córrego da Onça também secou.

MENOS VAZÃO
No caminho dos personagens de Rosa, a reportagem do EM atravessou outros rios e córregos que tiveram a vazão drasticamente reduzida ao longo dos anos, tornaram-se intermitentes ou pararam de correr. São Judas, Campo Grande e Gameleiras são alguns dos nomes.

“Esses rios eram volumosos e corriam o ano inteiro. De uns tempos prá cá, só correm na época das chuvas”, diz Carlos Ferroni. Tamburil, Cuia, Palmeiras e Sabão, córregos que alimentavam o Urucuia, agora estão secos. No Ribeirão de Areia, no Rio Tabocas, e no próprio Rio Urucuia, o assoreamento reduziu o volume de água.

Reportagens em série

Em comemoração aos 60 anos de Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa (1908-1967), o Estado de Minas vem publicando, desde março, reportagens especiais tendo a obra do escritor mineiro como fio condutor.

A primeira foi o caderno especial Travessia, dos repórteres Gustavo Werneck, Alexandre Guzanshe e Fred Bottrel, que visitaram vários municípios ao longo do Rio São Francisco para contar a história dos “diadorins” do século 21.

Homens e mulheres, do meio urbano e rural e idades variadas, mostrando coragem e sensibilidade para tocar a vida e revelar suas trajetórias.

Em agosto, foi a vez de Guzanshe participar – e depois apresentar aos leitores – o projeto Caminho do Sertão. Em sua terceira edição, trata-se de uma viagem cultural, literária, socioambiental e com um quê de aventura.

Na verdade, um mergulho no universo de Rosa e no cerrado sertanejo, percorrendo parte dos passos trilhados pelo personagem Riobaldo, protagonista do livro ao lado de Diadorim, rumo à região do Liso do Sussuarão, na margem esquerda do São Francisco, em território mineiro.

Já no caderno Pensar, o jornalista Eduardo Murta publicou, em maio, a reportagem “Rosa: metáfora plural, seguindo os passos do escritor em Belo Horizonte e Minas e relatando sua importância para a literatura brasileira e universal.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)