Belo Horizonte e todo o estado de Minas Gerais se veem diante de uma epidemia silenciosa e subnotificada. E têm acompanhado os diagnósticos de sífilis, doença sexualmente transmissível, aumentarem numa proporção explosiva sem prevenção ou tratamento na mesma medida.
É o que avaliam especialistas em infectologia, Ministério Público e também demonstram as estatísticas de casos da enfermidade, que crescem ano a ano. Na capital mineira, os diagnósticos de sífilis adquirida saltaram de cinco, em 2010 – quando a notificação compulsória foi instituída – para 2.800, em 2016, até 20 deste mês.
Os casos se referem àqueles transmitidos por relação sexual sem camisinha com pessoa infectada; transfusão de sangue contaminado; ou por compartilhamento de agulhas e seringas infectadas, para uso de drogas. O aumento representa crescimento de 55,900%.
BH concentra 30% de todos os casos da doença em Minas, segundo a Secretaria de Estado de Saúde, considerando ainda os agravos na forma congênita (transmitida de mãe para filho, via placenta) e em gestantes. No estado, o avanço também seguiu desenfreado nos últimos anos. Somente os casos adquiridos saltaram de 107, em 2010, para 5.245, em 2016, até o último dia 24.
Na forma congênita, em que os casos também cresceram vertiginosamente nos últimos anos (veja arte) já foram pelo menos três pactos assinados pelo Ministério da Saúde na última década para erradicação, sem sucesso. As últimas metas de redução da transmissão vertical da sífilis e do HIV constavam do Plano Plurianual (PPA) 2012/2015. Mas, a eliminação da sífilis congênita, como problema de saúde pública até 2015, não saiu do papel dentro do período determinado.
TESTES Todos os tipos de sífilis – em adultos, gestantes e a congênita – são de notificação obrigatória no país há pelo menos cinco anos. A detecção da sífilis é feita por meio de testes rápidos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS). Mas, embora seja uma doença antiga, de diagnóstico e tratamento fáceis, a sífilis permanece como desafio. Primeiro porque avança silenciosamente no organismo (veja arte) e seu estágio de agravamento causa sérias complicações cutâneas, ósseas, cardiovasculares e neurológicas, podendo levar inclusive à morte.
Outro problema é porque o combate esbarra na falta de prevenção. Entre os anos 1980 e 2000, o controle “pegou carona” nas campanhas voltadas à Aids e à sensibilização quanto ao uso do preservativo. “Além do investimento muito alto na prevenção, a Aids era uma doença que assustava muito porque matava. Então, à medida que se prevenia contra a Aids, se evitava também outras doenças sexualmente transmissíveis, como a sífilis. Mas a partir do momento em que o tratamento para a infecção por HIV evolui, com uso de apenas um medicamento por dia, as pessoas voltam a se descuidar do uso do preservativo”, explica a referência técnica da Coordenação de Saúde Sexual e Atenção às DSTs/Aids da Secretaria Municipal de Saúde, Maria Gorete dos Santos Nogueira.
Ela lembra ainda que, com a notificação compulsória a partir de 2010, o serviço de saúde tornou-se mais capacitado para diagnosticar a doença nos pacientes, o que explica também o aumento dos casos notificados. Além de haver, segundo ela, condições para que as equipes pudessem dedicar os esforços a outras DSTs que não a Aids. “O olhar do profissional de saúde se tornou mais capacitado para as abordagens”, afirmou Gorete.
SUBNOTIFICAÇÃO Mas, para o presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Estevão Urbano, a experiência prática tem mostrado que o aumento está para além da notificação. “Os casos são subnotificados e a quantidade de pessoas doentes é muito maior. O aumento é enorme e isso independe da notificação obrigatória. O número de casos de sífilis que chega hoje nos consultórios é muito maior do que aquele que chegava anos atrás”, afirma.
O especialista alerta também para o descuido com o uso do preservativo, o que tem resultado no retorno da infecção pelo vírus HIV. “O aumento tem ocorrido especialmente na população jovem”, diz, alertando que essa faixa etária tem contraído mais o vírus por não se prevenir como as gerações anteriores se atentavam para o uso da camisinha.
“E, de carona, vem a sífilis, que tem alta transmissibilidade e danos severos ao paciente”, explica. Ele acredita que o trabalho de prevenção e combate à sífilis ainda é insuficiente. “As campanhas são tímidas, principalmente quando comparadas a doenças que têm tido ações mais expressivas. O momento exige que a sífilis esteja no alvo da atenção em todos os níveis de governo. Nada justifica a falta de ações”, disse.
MP VAI INTERVIR Diante do que considera um quadro catastrófico, o coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (CAO Saúde) do Ministério Público estadual, promotor Gilmar Assis, afirmou que o órgão vai tomar providências junto aos serviços de saúde do estado.
“É uma situação tão grave que requer articulação das promotorias com o sistema de saúde. Como órgão fiscalizador, o MP vai buscar os gestores da pasta em cada comarca para conhecer a realidade sobre a sífilis e fazer o alerta sobre essa situação para a tomada de providências”, garantiu.
Segundo ele, os números são catastróficos e revelam senão o atraso, a urgência na tomada de ações por parte do poder público para controle da epidemia. “Eles falam por si e mostram que é preciso dar ênfase nas ações de promoção e prevenção da saúde para maior conscientização dos usuários”, afirma.
Na avaliação dele, o serviço de saúde já deveria ter dado uma resposta à evolução dos casos, tendo em vista que ela é uma crescente. “O sistema de saúde, nas três esferas de governo, já deveria ter articulado um plano de ação dentro da mesma lógica como as voltadas para epidemias de dengue, chikungunya e zika.”
AIDS Com a oferta da medicação para pessoas vivendo com HIV, houve aumento no número de pacientes em tratamento. No período de 2005 a 2016, por exemplo, o país praticamente triplicou o total de brasileiros em tratamento, passando de 165 mil pra 483 mil. Apenas este ano, até agosto, 48 mil pessoas iniciaram terapia antirretroviral no Brasil. Paralelo a isso, nos últimos anos houve queda na taxa de mortalidade por Aids, de 10,9% – passando de 6,4 por 100 mil habitantes em 2003, para 5,7, em 2014. Desde o início da epidemia por Aids, no período de 1980 a junho de 2015, o Brasil registrou 798.366 casos acumulados da doença. Entre 2010 e 2014, o Brasil registrou 40,6 mil casos novos/ano, em média.
É o que avaliam especialistas em infectologia, Ministério Público e também demonstram as estatísticas de casos da enfermidade, que crescem ano a ano. Na capital mineira, os diagnósticos de sífilis adquirida saltaram de cinco, em 2010 – quando a notificação compulsória foi instituída – para 2.800, em 2016, até 20 deste mês.
Os casos se referem àqueles transmitidos por relação sexual sem camisinha com pessoa infectada; transfusão de sangue contaminado; ou por compartilhamento de agulhas e seringas infectadas, para uso de drogas. O aumento representa crescimento de 55,900%.
BH concentra 30% de todos os casos da doença em Minas, segundo a Secretaria de Estado de Saúde, considerando ainda os agravos na forma congênita (transmitida de mãe para filho, via placenta) e em gestantes. No estado, o avanço também seguiu desenfreado nos últimos anos. Somente os casos adquiridos saltaram de 107, em 2010, para 5.245, em 2016, até o último dia 24.
Na forma congênita, em que os casos também cresceram vertiginosamente nos últimos anos (veja arte) já foram pelo menos três pactos assinados pelo Ministério da Saúde na última década para erradicação, sem sucesso. As últimas metas de redução da transmissão vertical da sífilis e do HIV constavam do Plano Plurianual (PPA) 2012/2015. Mas, a eliminação da sífilis congênita, como problema de saúde pública até 2015, não saiu do papel dentro do período determinado.
TESTES Todos os tipos de sífilis – em adultos, gestantes e a congênita – são de notificação obrigatória no país há pelo menos cinco anos. A detecção da sífilis é feita por meio de testes rápidos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS). Mas, embora seja uma doença antiga, de diagnóstico e tratamento fáceis, a sífilis permanece como desafio. Primeiro porque avança silenciosamente no organismo (veja arte) e seu estágio de agravamento causa sérias complicações cutâneas, ósseas, cardiovasculares e neurológicas, podendo levar inclusive à morte.
Outro problema é porque o combate esbarra na falta de prevenção. Entre os anos 1980 e 2000, o controle “pegou carona” nas campanhas voltadas à Aids e à sensibilização quanto ao uso do preservativo. “Além do investimento muito alto na prevenção, a Aids era uma doença que assustava muito porque matava. Então, à medida que se prevenia contra a Aids, se evitava também outras doenças sexualmente transmissíveis, como a sífilis. Mas a partir do momento em que o tratamento para a infecção por HIV evolui, com uso de apenas um medicamento por dia, as pessoas voltam a se descuidar do uso do preservativo”, explica a referência técnica da Coordenação de Saúde Sexual e Atenção às DSTs/Aids da Secretaria Municipal de Saúde, Maria Gorete dos Santos Nogueira.
Ela lembra ainda que, com a notificação compulsória a partir de 2010, o serviço de saúde tornou-se mais capacitado para diagnosticar a doença nos pacientes, o que explica também o aumento dos casos notificados. Além de haver, segundo ela, condições para que as equipes pudessem dedicar os esforços a outras DSTs que não a Aids. “O olhar do profissional de saúde se tornou mais capacitado para as abordagens”, afirmou Gorete.
SUBNOTIFICAÇÃO Mas, para o presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Estevão Urbano, a experiência prática tem mostrado que o aumento está para além da notificação. “Os casos são subnotificados e a quantidade de pessoas doentes é muito maior. O aumento é enorme e isso independe da notificação obrigatória. O número de casos de sífilis que chega hoje nos consultórios é muito maior do que aquele que chegava anos atrás”, afirma.
O especialista alerta também para o descuido com o uso do preservativo, o que tem resultado no retorno da infecção pelo vírus HIV. “O aumento tem ocorrido especialmente na população jovem”, diz, alertando que essa faixa etária tem contraído mais o vírus por não se prevenir como as gerações anteriores se atentavam para o uso da camisinha.
“E, de carona, vem a sífilis, que tem alta transmissibilidade e danos severos ao paciente”, explica. Ele acredita que o trabalho de prevenção e combate à sífilis ainda é insuficiente. “As campanhas são tímidas, principalmente quando comparadas a doenças que têm tido ações mais expressivas. O momento exige que a sífilis esteja no alvo da atenção em todos os níveis de governo. Nada justifica a falta de ações”, disse.
MP VAI INTERVIR Diante do que considera um quadro catastrófico, o coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (CAO Saúde) do Ministério Público estadual, promotor Gilmar Assis, afirmou que o órgão vai tomar providências junto aos serviços de saúde do estado.
“É uma situação tão grave que requer articulação das promotorias com o sistema de saúde. Como órgão fiscalizador, o MP vai buscar os gestores da pasta em cada comarca para conhecer a realidade sobre a sífilis e fazer o alerta sobre essa situação para a tomada de providências”, garantiu.
Segundo ele, os números são catastróficos e revelam senão o atraso, a urgência na tomada de ações por parte do poder público para controle da epidemia. “Eles falam por si e mostram que é preciso dar ênfase nas ações de promoção e prevenção da saúde para maior conscientização dos usuários”, afirma.
Na avaliação dele, o serviço de saúde já deveria ter dado uma resposta à evolução dos casos, tendo em vista que ela é uma crescente. “O sistema de saúde, nas três esferas de governo, já deveria ter articulado um plano de ação dentro da mesma lógica como as voltadas para epidemias de dengue, chikungunya e zika.”
AIDS Com a oferta da medicação para pessoas vivendo com HIV, houve aumento no número de pacientes em tratamento. No período de 2005 a 2016, por exemplo, o país praticamente triplicou o total de brasileiros em tratamento, passando de 165 mil pra 483 mil. Apenas este ano, até agosto, 48 mil pessoas iniciaram terapia antirretroviral no Brasil. Paralelo a isso, nos últimos anos houve queda na taxa de mortalidade por Aids, de 10,9% – passando de 6,4 por 100 mil habitantes em 2003, para 5,7, em 2014. Desde o início da epidemia por Aids, no período de 1980 a junho de 2015, o Brasil registrou 798.366 casos acumulados da doença. Entre 2010 e 2014, o Brasil registrou 40,6 mil casos novos/ano, em média.