Brasília – Personagens garantidos nos presépios de Natal, as mulas e os bois podem ficar de fora este ano. Ao abordar o nascimento de Cristo no último livro de sua trilogia Jesus de Nazaré, o papa Bento XVI cita o Evangelho de Mateus, segundo o qual não havia animais no local. O papa relata que Maria teria dado à luz em Belém e a estrela guia, seguida pelos três reis magos, seria na verdade uma supernova. Suas considerações sobre os primeiros anos da vida do filho de Deus foram abordadas no livro A infância de Jesus, lançado ontem no Vaticano, e consideradas pelo pontífice a "verdadeira história". Já comercializado em 50 países, a versão brasileira deve chegar às lojas este mês.
Traduzido para oito línguas e com uma tiragem inicial de 1 milhão de exemplares, a obra sustenta a versão de Mateus como a histórica, em contraponto ao Evangelho de Lucas, que diz que o local de nascimento foi em um presépio, com animais, em Nazaré. "Se nos ativermos às fontes, fica claro que Jesus nasceu em Belém e cresceu em Nazaré", escreve o papa. Segundo o pontífice, apesar de ter sido em um presépio, não há relatos sobre animais no local no texto bíblico. "Os dois capítulos da narrativa da infância em Mateus não são uma meditação expressa sob a forma de histórias, mas pelo contrário. Mateus narra-nos a verdadeira história, que foi meditada e interpretada teologicamente."
Na avaliação do especialista André Chevitarese, professor do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no entanto, o papa busca harmonizar as divergências nas duas narrativas para cristalizar a crença em torno do nascimento. "Reforça, do ponto de vista da fé cristã, o que Deus foi capaz de fazer: apesar de poder nascer em um espaço grandioso e riquíssimo, se tornou humilde e pobre", avaliou, em entrevista à reportagem. O professor refuta a ideia de que a versão do papa seja uma apresentação histórica do nascimento de Cristo, uma vez que se baseia na própria Bíblia. "O teólogo não precisa sair dos textos bíblicos para encontrar as respostas que precisa."
Segundo análises na imprensa europeia sobre o livro, Bento XVI desmente a versão de Santo Agostinho de que a virgem Maria teria feito um "voto de virgindade" e que José a protegeria. Mas o pontífice reforça, logo em seguida, a concepção virginal da mãe de Cristo. "É certo que Jesus foi concebido por obra e graça do Espírito Santo e nasceu da Virgem Santa Maria? Sim, sem dúvida", afirma, acrescentando que se a "Deus só é permitido atuar na esfera espiritual e não na material, então não é Deus".
O livro de 176 páginas está dividido em quatro capítulos e um epílogo. Trata-se do terceiro volume da série que começou a ser escrita em 2003, quando Ratzinger era o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Os dois primeiros volumes da trilogia – Do batismo à transfiguração e Da entrada em Jerusalém até a ressurreição – foram publicados em 2007 e 2011, respectivamente, pela editora italiana Rizzoli. No Brasil, eles foram distribuídos pela Editora Planeta. A assessoria de imprensa da editora informou que a versão brasileira já está pronta e deve começar a ser comercializada até o fim deste mês.
O lançamento ocorreu na mesma semana em que o Vaticano realiza um debate sobre a aliança entre a fé e a razão. Ao falar ontem durante uma audiência geral para cerca de 7 mil fiéis reunidos no salão Paulo VI, Bento XVI afirmou que "Deus não é absurdo". "Misterioso, Deus não é absurdo. Se diante do ministério a razão vê apenas escuridão, não é devido à ausência de luz, mas a seu excesso."
Trecho do livro
“Parece que Mateus desconhecia que tanto José quanto Maria habitavam inicialmente em Nazaré. Por isso, quando voltam do Egito, a primeira intenção de José é ir para Belém, e só a notícia de que na Judeia reina um filho de Herodes é que o induz a retirar-se para a Galileia. Ao passo que, para Lucas, é claro, desde o início, a Sagrada Família, depois dos acontecimentos do nascimento, voltou para Nazaré. As duas linhas diversas de tradição concordam na informação de que o local do nascimento de Jesus era Belém."
Trechos de A infância de Jesus, do papa Bento XVI