Brasília – A mais dramática seca dos últimos 30 anos, que atinge os nove estados nordestinos e o Norte de Minas Gerais, já levou mais de 900 municípios a terem a situação de emergência reconhecida pelo Ministério da Integração Nacional e um prejuízo estimado ao Produto Interno Bruto agropecuário de R$ 12 bilhões. O fenômeno climático, tradicional da região, custou – de janeiro a junho – R$ 3,5 bilhões aos cofres públicos brasileiros e ainda deve consumir mais verbas. Todos os danos registrados até agora ocorreram no que deveria ser a estação das chuvas na região. A época oficial de estiagem começou no início de junho e se prolonga até o fim do ano.
Os R$ 3,5 bilhões correspondem a cerca de um quarto do total do projeto de transposição do Rio São Francisco, que pode custar mais de R$ 12 bilhões. Em cinco anos de obras, o valor já aumentou 77%. Do total repassado pelo governo para atenuar os efeitos da estiagem, quase R$ 191 milhões foram repassados para ações específicas de assistência nesses estados afetados (veja tabela), além de mais de R$ 300 milhões do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome para a construção de cisternas. No entanto, esse montante equivale somente a ações de enfrentamento a curto prazo da situação no local, com medidas como abastecimento de água por meio de carros-pipa, liberação de crédito extraordinário, seguro safra, bolsa-estiagem, que ilustram a política de compensação e improviso da chamada “indústria da seca”.
Apesar de ser uma ajuda essencial em se tratando da sobrevivência da população do semiárido brasileiro, o valor salta aos olhos, principalmente porque contempla somente providências estritamente emergenciais. A avaliação de especialistas é de que é possível criar uma infraestrutura adequada e sustentável a longo prazo, dentro da lógica de convivência com o semiárido, com um investimento bem mais razóavel.
Medidas urgentes
Um diagnóstico apresentado no Atlas do Nordeste do Brasil, da Agência Nacional de Água (ANA), aponta um cenário menos severo. O documento afirma que seriam necessários R$ 9 bilhões para abastecer 1,7 mil municípios do semiárido por meio de adutoras – tubulação subterrânea de pouco impacto ambiental e que evita perda de água no trajeto. Mas o estudo também traz uma previsão bastante pessimista para os próximos anos: caso medidas estruturantes não sejam aplicadas logo, existe risco de um colapso hídrico nas cidades da região até 2015.
Roberto Malvezzi, integrante da Equipe do Rio São Francisco, grupo de estudo coordenado pela Comissão Pastoral da Terra da Bahia (CPT-BA) e dos Pescadores, explica que cada adutora pode abastecer até 13 municípios. Segundo o cientista social, a construção é mais viável, por exemplo, do que a transposição do Rio São Francisco. “Essa é a forma de abastecimento ideal defendida para o meio urbano, onde é possível usar tubulações. No meio rural é mais difícil porque a população é muito difusa”, esclarece. Para Malvezzi, faltam políticas públicas estruturantes que pensem soluções abrangentes. “Cada ministro da Integração Nacional que entra puxa sardinha para o seu reduto eleitoral. Falta alguém que pense o semiárido como um conjunto”, critica.
A grande preocupação se explica no fato de a época oficial da seca mal ter começado e algumas cidades da região já encararem racionamento. A ameaça agora também chega às cidades. Por isso o Ministério da Integração Nacional já admite “engordar” mais o pacote emergencial caso seja necessário manter a ajuda às vítimas da seca até o fim do ano.
Apesar da perda total da safra e das ações emergenciais para garantir o acesso à água, o cenário apresentou melhoras ao longo dos anos. A afirmação é do próprio Malvezzi, um estudioso da região desde 1982. “Não temos notícias de mortalidade como em outras épocas, bem como migrações intensas e saques. É claro que estamos longe do ideal. Com boa infraestrutura, poderemos garantir o emergencial de forma mais simples. Mas, infelizmente, por enquanto ainda dependemos desse tipo de ação porque não temos infraestrutura”, lamenta.
Transposição em curso
Considerada a maior obra pública em execução no Brasil nos últimos anos, a expectativa do projeto de transposição do Rio São Francisco é de beneficiar 12 milhões de pessoas. Porém, quando prontos, os canais só levarão água a três estados nordestinos: Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte – beneficiando indiretamente Pernambuco. Passados cinco anos desde seu início, a obra tem apenas 36% de seu cronograma concluído e a nova previsão para o término é 2015. Ainda há, inclusive, cerca de cinco dos 14 lotes tocados por empreiteiras paralisados. A solução é defendida pelo governo federal como alternativa para cumprir a meta de universalização do acesso à água até 2016 e também usada como escudo pelo ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, para rebater as críticas de falta de investimentos a longo prazo no semiárido brasileiro. Porém, segundo o cientista social Roberto Malvezzi, o projeto para depositar água nos grandes açudes da região não vai sequer chegar à população que mais precisa, no agreste nordestino. Somente 4% do total de água está previsto para a chamada população difusa.
Ajuda emergencial ao semiárido
Estado Valor
MG 72,4 milhões
MA 34,6 milhões
BA 30 milhões
AL 12,36 milhões
SE 11,1 milhões
CE 10 milhões
PE 10 milhões
PI 4,7 milhões
PB 3,1 milhões
RN 2,3 milhões
Total R$ 190,9 milhões