Nos tempos de doença, os sagrados votos do matrimônio são postos à prova. O engenheiro Samuel Luna, 37, sente diariamente esse desafio e vai de encontro ao que todos considerariam racional. Pela saúde da psicóloga Gecélia Luna, 38, foi em busca até mesmo da presidenta Dilma, durante comício no Recife. Nas mãos, uma carta. Apelo para que o caso não continuasse fadado ao esquecimento. Portadora de uma doença rara não identificada, cujo tratamento depende de exames não ofertados no país, a recifense tornou-se paciente em condição desconhecida, de uma medicina quase inexistente. Na luta para manter a esposa viva e sonhar com sua recuperação, Samuel protocola na Justiça, nesta sexta-feira, processo contra a Secretaria Estadual de Saúde. Último recurso para tentar custear o exame conhecido por “painel de anticorpos paraneoplásicos”, não ofertado no país e não coberto por planos de saúde ou pelo próprio Sistema Único de Saúde.
Depois de concluir um tratamento de linfoma, câncer descoberto sete meses antes, Gecélia se preparava para atuar na área de psicologia, dando início a sua vida profissional depois de formada. Em menos de um mês, começou a experimentar momentos de tontura, fraqueza e visão turva. “Voltamos aos médicos e diagnosticaram a Síndrome paraneoplásica de Eaton-Lambert. Foi quando o problema começou a assustar. Nos disseram ser uma reação do próprio corpo à presença do tumor, mesmo já tendo sido constatada a remissão”, conta Samuel. Visão, coordenação motora, reflexos e até a deglutição, capacidade de engolir alimentos, seriam comprometidos nos próximos meses. Audição e força muscular foram perdidas e recuperadas após sessões de imunoterapia. “Em dezembro, veio a notícia mais triste. O médico afirmou que ela sofria não apenas de uma, mas de duas síndromes. Uma delas, até hoje, não se tem certeza do que seja, o que impede um tratamento mais efetivo”, complementa.
Disponível em países como Estados Unidos e Espanha, o recurso custa mais caro do que a família pode pagar. Além de não ser coberto pelo Sistema Único de Saúde, muito menos por planos particulares, o exame, orçado em R$ 14 mil, sequer dá garantias de um tratamento efetivo, mas é importante para que se chegue a uma premissa básica: o diagnóstico. De acordo com o neurologista Felipe Andrade, ter em mãos estudos do perfil da doença é importante para definir como o tratamento pode ser conduzido. “Essa é uma condição rara, que nunca vi antes. Mesmo com o exame em mãos, poderíamos não conseguir diagnosticar a doença. Mas é preciso ter todas as informações em mãos para termos certeza do próximo passo”, explica.
Para tentar conseguir o exame, Samuel tomou ação. Aproveitando a vinda de Dilma Rousseff a Pernambuco, no primeiro semestre deste ano, foi à solenidade de inauguração do conjunto residencial Via Mangue, munido de uma carta para a presidenta. “Fiz amizade com um segurança, que ficou de entregá-la. Deixei nas mãos de Deus. A resposta veio um mês depois, por uma funcionária da Secretaria de Saúde, que disse ter recebido a demanda do Ministério. Solicitei o exame, mas no final de agosto, um ofício da instância estadual negou o pedido”, afirmou. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, os exames solicitados pelos familiares não estão inclusos na lista de procedimentos do SUS, que só pode ser alterada pelo Ministério da Saúde e reitera, em nota oficial: “não há justificativa legal para que a SES libere os procedimentos solicitados”. Neste caso, o custeio dos exames passa a ser possível apenas na instância judicial. O processo será aberto, nesta sexta-feira, no Juizado Especial do Recife.
Hoje, Gecélia deixou as idas aos hospitais, cuja maior internação chegou a 70 dias. O “Home care”, atendimento médico residencial custeado pelo plano de saúde, também teve que ser conquistado na Justiça. Lentamente, uma rotina familiar volta a ser desenhada. Após meses sem trabalhar, Samuel, que é engenheiro, voltou à empresa onde é empregado. Divide tempo e atenção entre a carreira, os cuidados com a esposa e suas consequentes burocracias e a paternidade. “Tem sido difícil. Ter que criar um quarto separado para a mulher com quem divido minha vida há 18 anos. Ver que meu caçula, quando está chorando, já não chama mais ‘mamãe’, porque sabe que não vai adiantar. Às vezes, preciso entrar no meu canto, com meu violão, ouvir música e ‘desabar’”, conta o pai de Rafael, 3, e Gabriel, 5. “Algumas vezes, não faço ideia do que fazer ou de como fazer. A única coisa que eu sei é que meu lugar é ao lado dela”.
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