Claudia Rubin
Médica ginecologista e obstetra do Vera Cruz Hospital
O dia 1º de fevereiro marca o início da Semana Nacional da Prevenção da Gravidez na Adolescência. Por cinco dias consecutivos, autoridades e instituições trouxeram o tema à luz do debate para mostrar algo que pouca gente sabe: trata-se de um problema de saúde pública, pois se apresenta como uma condição de alta prevalência; e de impactos individual (uma das principais causas de morte entre jovens e adolescentes) e social (causa evasão escolar, diminui oportunidades de trabalho e limita as jovens mulheres de suas vidas pública e política).
Estima-se que 400 mil crianças nascidas anualmente no Brasil sejam de mães adolescentes, segundo estudo da Associação Médica Brasileira (AMB). Ou seja, quase 20% das gestações ocorrem em mulheres entre 12 e 19 anos. Mesmo em queda, os números ainda são superiores às médias dos países desenvolvidos. E muitas razões podem ser apontadas: baixa escolaridade; o início de atividade sexual antes dos 15 anos; história materna de gravidez na adolescência; e falta de conhecimento e acesso a métodos contraceptivos, por exemplo.
A maioria dessas gestações não é planejada e afeta de forma profunda – e muitas vezes irreversível – a saúde das meninas no curso da vida, não apenas dificultando o desenvolvimento psicossocial, mas também elevando os riscos de morte materna e deixando os filhos mais vulneráveis a problemas de saúde e pobreza. Só para se ter uma ideia, em nível global, segundo dados da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), o risco de morte materna é duplicado em mães com menos de 15 anos em países em desenvolvimento. Já as mortes perinatais são 50% maiores entre bebês nascidos de mães adolescentes.
Gestações em adolescentes são consideradas, portanto, de alto risco, e é importante salientar que patologias obstétricas, tais como pré-eclâmpsia, restrições de crescimento intrauterino, anemia, complicações referentes ao parto, por exemplo, estão mais comumente presentes nos extremos da vida reprodutiva. É, portanto, mandatório que se siga um programa especial de acompanhamento de todo o ciclo gravídico puerperal dessas meninas.
No que tange ao enfrentamento para uma drástica mudança neste cenário, é preciso começar pela educação. Não apenas apresentando e orientando quanto aos diversos métodos contraceptivos e dando aos adolescentes a autonomia para escolhê-los, mas, ainda, promovendo a educação sexual em níveis individual e comunitário, coibindo casamento infantil e empoderando as meninas para exercerem seus direitos reprodutivos em ambiente de igualdade de gênero. Também é necessário permitirmos o acesso a serviços de saúde capacitados, que respeitem os direitos sexuais dessas garotas, sem julgamentos de caráter moral, social ou religioso, disponibilizando os métodos contraceptivos de forma atualizada e desmistificada, incentivando o uso de métodos reversíveis de longa duração pela segurança, facilidade de uso e eficácia.
Em geral, adolescentes não têm contraindicações de nenhum método anticoncepcional. A apresentação de todos, contrapondo os pontos positivos e negativos de cada um, gera mais segurança na escolha. Uma escolha consciente e assertiva, por sua vez, tem mais possibilidade de adesão e de continuidade do uso.
Hoje em dia, há uma tendência das sociedades de ginecologia e de pediatria em incentivar o uso de métodos contraceptivos reversíveis de longa duração (LARCS), como DIU de cobre, DIU hormonal e implante de etonogestrel, por exemplo, por se apresentarem com altíssima taxa de aprovação ao uso, com nenhum ou pouquíssimos efeitos colaterais. São práticos, seguros e não exigem tomadas diárias ou mensais. Cabe a nós, profissionais da saúde, esclarecer a ação (não são abortivos, ao contrário do que se pode pensar) e eficácia desses métodos, encorajando nossa população-alvo a utilizá-los sem medo.
Que a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência de 2021 marque mudanças e quebras de paradigmas no aconselhamento e planeamento familiar das nossas adolescentes mais expostas a situações de vulnerabilidade e violência. E que esse ciclo de repetições de padrões de pobreza e exclusão social seja, enfim, quebrado.