O processo de recuperação das cidades atingidas pelos rejeitos que se espalharam após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em 2015, precisa ir além dos projetos focados na restauração ambiental. Ele é imprescindível para que as estruturas urbanas consigam se restabelecer, por meio de iniciativas que estimulem o desenvolvimento local e devolvam a capacidade produtiva e a qualidade de vida das comunidades.
Para tornar esse cenário possível, três frentes de fomento à economia são executadas nos municípios atingidos: a promoção da diversificação econômica dos municípios dependentes da mineração; o fomento de mecanismos de estímulo ao desenvolvimento das cadeias produtivas locais; e a restituição da capacidade produtiva aos micro e pequenos negócios. O intuito é que, a partir dessas frentes, as cidades avancem com uma atuação sustentável.
A recuperação econômica está no escopo da Fundação Renova, instituição responsável pela execução da reparação na área atingida. Até agosto de 2019, as ações integradas de recuperação e compensação socioambiental e socioeconômica representaram a aplicação de R$ 6,68 bilhões, nos 39 municípios impactados em Minas Gerais e no Espírito Santo. Destes, R$ 5 bilhões apenas em território mineiro.
As contratações somaram R$ 4,1 bilhões. São 1.344 contratos vigentes, sendo 754 deles com fornecedores de Minas. No Espírito Santo, o valor chega a R$ 1,2 bilhão. Desses, R$ 488 milhões são referentes a 265 contratos vigentes e 157 deles específicos com fornecedores capixabas.
Tais movimentações foram responsáveis por significante arrecadação para os municípios. Até agosto deste ano, foram gerados R$ 113,3 milhões em Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) para as prefeituras.
Além dos impostos gerados a partir dos projetos desenvolvidos nos municípios, a Fundação Renova gerou 6.651 empregos diretos e indiretos. Desse total, 579 são postos diretos, em 178 locais de atuação, que integram escritórios administrativos, Centros de Indenização Mediada e Centros de Informação e Atendimento.
Os outros 5.982 postos de trabalho, gerados de forma indireta, são compostos por 3.636 vagas ocupadas por mão de obra local, com 64% dos profissionais residentes nos municípios afetados.
Apoio aos projetos de geração de renda
Esses números são resultado de uma série de ações para conceder apoio financeiro e capacitação às organizações ligadas ao empreendedorismo. Entre elas, está a parceria da Renova com a ONG BrazilFoundation, que ocorre desde junho de 2018. O intuito é avaliar e fomentar projetos que colaborem com a melhoria da renda das famílias.
No projeto, são escolhidas propostas que preveem capacitação de organizações ligadas ao empreendedorismo nos municípios atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão. Na primeira fase do projeto, 60 propostas foram entregues, sendo que 26 eram elegíveis aos critérios do edital de chamada. Deste número, 13 foram aprovadas e terão recebido R$ 739 mil até o final do processo (aproximadamente R$ 60 mil por projeto).
“O que a gente levou em consideração é se realmente existia uma organização de fato com documentação em dia, como CNPJ, certidões negativas, entre outros. No caso do microempreendedor, ele deveria ter pelo menos um MEI - cadastro de Microempreendedor Individual - formalizado. Os projetos têm de estar voltados para geração de trabalho e renda, ajudando o desenvolvimento local”, ressaltou Roberto Ruggeri, especialista em economia e inovação da Fundação Renova.
Já na segunda chamada, aproximadamente R$ 450 mil serão investidos no total. Foram recebidas 40 propostas, sendo que 20 eram elegíveis, e deste número, dez foram aprovadas. Cada projeto deverá receber cerca de R$ 45 mil.
Ruggeri avaliou positivamente a participação da população: “As comunidades se envolveram bastante. Percebemos uma sinergia muito grande em ajudar essas organizações, esses empreendedores a elaborarem a proposta. Os resultados da primeira chamada foram muitos positivos e são palpáveis”.
A atuação da parceria com os empreendedores tem previsão de duração de oito meses. Neste tempo, a Fundação e a BrazilFoundation oferecem oficinas sobre gestão, marketing e desenvolvimento de produtos, indo muito além do financiamento em espécie.
Os empreendimentos foram separados em quatro eixos: agricultura familiar, artesanato, indústria artesanal e reciclagem.
Em Governador Valadares, por exemplo, a Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis Natureza Viva (Ascanavi) foi uma das contempladas pelo fundo, e com o dinheiro foi adquirido um equipamento no qual é feito o descarte correto de documentos oficiais. Com isso, a entidade pode atender bancos, órgãos municipais, federais, entre outros, descartando papéis de forma segura e sustentável. Após o processamento do papel, ele ganha valor agregado, gerando renda para a cooperativa e seus cooperados.
“O sentimento é de satisfação, de podermos contribuir de fato com as organizações e municípios, pois a maturidade das organizações está em um nível inicial, onde, de fato, precisam de ajuda. Estamos falando de comunidades que ficaram ao longo de anos esquecidas e, agora, temos a oportunidade de contribuir para o crescimento delas”, destacou Ruggeri.
A Associação dos Pequenos Produtores do Km 14 do Mutum Preto, que integra 58 produtores rurais, também foi beneficiada. Com o aporte, a associação, que baseia toda a produção em orgânicos, vai conseguir melhorar o escoamento dos produtos com a aquisição de um novo carro para auxiliar na entrega das produções e equipamentos que vão aperfeiçoar desde o plantio até a colheita.
Outro projeto selecionado para a parceria com a BrazilFoundation foi o Alambique 1º de Junho. A associação é formada por 26 famílias que produzem cachaça. Como explica um dos administradores do Alambique, Ornelino Nunes Pinheiro, o local estava funcionando, mas a estrutura estava sucateada. Com o investimento recebido a partir da aprovação do projeto, novos equipamentos foram adquiridos.
“Uma das principais mudanças foi termos mudado o sistema que era fogo direto e que passou a ser um sistema a vapor, usando caldeira. Também compramos um novo alambique”, comentou.
Segundo Pinheiro, a modernização será capaz de dar mais qualidade às produções, que contam com a produção de cana de açúcar pelas famílias da associação.
“Nós vamos poder melhorar nosso produto e padronizar ele. Dar melhores condições de higienização, além de aumentar a capacidade de produção. Para se ter uma ideia, nossa produção média na etapa de moagem era de 600 a 800 litros por hora. Agora, com os novos equipamentos, conseguimos produzir de 800 a 1.200 litros por hora”, ressalta.
Crédito para empreender
O restabelecimento das economias das cidades também conta com a facilidade de acesso ao crédito para micro e pequenos empreendedores. Isso acontece por meio de três fundos de investimento: Desenvolve Rio Doce, Compete Rio Doce e o Diversifica Mariana.
Lançado em 2017, o Fundo Desenvolve Rio Doce nasceu por meio de uma parceria entre a Fundação Renova, o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) e o Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes). O fundo atende a micro e pequenas empresas localizadas em 35 municípios de Minas Gerais e em outros quatro no Espírito Santo.
Mais de mil empresas foram beneficiadas com linhas de crédito, gerando desembolso de R$ 33,4 milhões, conforme dados colhidos até agosto deste ano. Além disso, o Desenvolve oferece, por exemplo, taxas de juros menores que a média do mercado.
Com o dinheiro, as empresas podem modernizar suas estruturas, honrar pagamentos dos funcionários, dentre outras melhorias.
“O prazo de vigência deste fundo é de dez anos, que pode ser renovado por mais dez. O objetivo é atender micro e pequenas empresas, em Minas Gerais. No Espírito Santo, ele também atende o microempreendedor individual”, afirmou Ana Cristina Lage, especialista em programas socioeconômicos da Fundação Renova.
A empresa interessada em solicitar o financiamento em Minas Gerais deve acessar o site do BDMG (www.bdmg.mg.gov.br) e fazer uma simulação. Caso seja aprovado, o contrato fica disponível para impressão, e deve ser preenchido e enviado ao BDMG. A liberação do crédito, caso tudo esteja nos conformes, acontece em até três dias úteis.
Já para negócios localizados no Espírito Santo, o primeiro passo é se dirigir para agências do Nossocrédito. Feito o cadastro e com a documentação correta entregue, o processo segue para análise.
“Tem a parte de análise de banco, que vai verificar índice de liquidez, adimplência, uma série de variáveis contábeis, para ver a capacidade de pagamento. Em Minas, quase 700 empresas pegaram empréstimos. Ipatinga e Governador Valadares lideram a lista, com 200 cada uma. E, no Espírito Santo, Colatina e Linhares estão entre as primeiras, com quase 400 empresas financiadas”, completou a especialista.
Para empresas que não conseguiram crédito por meio do Desenvolve por motivos de restrições financeiras, por exemplo, o Fundo Compete Rio Doce aparece como uma alternativa. Assim como a primeira opção, o Compete também possui taxas atrativas e é voltado para micro e pequenas empresas.
Até agosto deste ano, 53 empresas obtiveram crédito por meio do Compete, sendo desembolsados R$ 2,34 milhões. Ao todo, R$ 12 milhões serão disponibilizados para empreendimentos que não obtiverem sucesso no Desenvolve.
“O Compete só está em operação em Minas Gerais, pelo BDMG, e tem um monitoramento assistido pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Para as pessoas que tentaram tomar crédito no Desenvolve e, por algum motivo, não foram aprovadas, contratamos o Sebrae para atuar com os empreendedores. Eles recebem a primeira parcela do fundo e, se tudo correr direitinho, eles recebem a segunda parcela. No Espírito Santo ele está em fase de contratação. A diferença é que o Bandes fará toda a assistência”, disse Ana Cristina.
Diversificação da economia de Mariana
O Fundo Diversifica Mariana, com R$ 55 milhões disponibilizados, surge como uma alternativa que oferece aporte a juros baixos. Tudo para restaurar a economia da cidade e estimular, como o próprio nome diz, a diversificação de geração de renda na cidade, diminuindo a dependência das atividades ligadas à mineração.
Ana Cristina Lage explica que o fundo funciona como uma espécie de equalizador de juros: “o BDMG atua como agente financeiro, mas não é só ele que opera esse fundo. É um equalizador de taxas. Se o BDMG tiver uma mais competitiva, o fundo entra com um aporte para baixar a taxa para a pessoa poder tomar em qualquer outro banco. Até hoje, ele ainda não concedeu nenhum empréstimo, mas está pronto para ofertar. Inclusive, chegaram propostas que já estão em análise”, detalhou.
A taxa de juros, no entanto, leva em consideração uma série de variáveis, como por exemplo, o nível de investimento da empresa em Mariana.
Diversificar a economia ainda é um dos principais desafios para o desenvolvimento da cidade. Por isso, a Fundação Renova acordou, em julho deste ano, com a prefeitura de Mariana, a execução de um pacote de ações que representa o investimento de R$ 100 milhões.
São ações que poderão ser executadas a curto e médio prazo com o intuito de permitir que o movimento de recuperação da cidade seja mais sustentável, fomentando diferentes cadeias produtivas, como o agronegócio, principalmente no que diz respeito à agricultura familiar, e o turismo histórico, cultural, religioso e de negócios.
O pacote inclui a revitalização da Praça Gomes Freire; a reativação e fortalecimento da Cooperativa de Laticínios; a implementação da Casa do Empreendedor e incentivo financeiro ao turismo, um dos principais potenciais da região.
Também fazem parte do projeto a aquisição de infraestrutura e assessoria técnica para elaborar o Georreferenciamento e o Plano Diretor de Mariana, iniciativas que vão garantir que a cidade cresça de forma ordenada, além da construção do aterro sanitário, com obras já iniciadas, e criação de fundo que permita que a prefeitura realize o gerenciamento das atividades no aterro nos primeiros cinco anos.
As equipes técnicas também iniciaram os estudos para viabilizar o Distrito Industrial de Mariana com o intuito de atrair o investimento de novos negócios no município. Além disso, no segmento habitacional, a Renova e a prefeitura já trabalham para dar vida ao loteamento Cristo Rei, que vai ampliar os novos programas de moradia popular.