Os ataques aos sites do governo neste feriadão trouxeram de volta as discussões sobre a lei de combate aos crimes digitais, proposta que tramita há mais de uma década no Congresso Nacional. Batizado pelos críticos de “AI5 Digital”, o relatório do projeto vai ser analisado amanhã pela Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados e, caso seja aprovado, segue para a Comissão de Constituição e Justiça, última etapa antes de ser apreciado pelo plenário. O texto que vai ser votado é relatado pelo deputado Eduardo Azeredo (PSDB), que também foi o responsável por sua análise e aprovação no Senado em 2008. Como foi modificado nessa votação, o projeto foi enviado à Câmara em 2009, onde começou a tramitar originalmente em 1999, por iniciativa do ex-deputado Luiz Piauhylino, mas não andou.
O projeto que vai ser analisado amanhã suprimiu alguns pontos considerados polêmicos da proposta aprovada pelo Senado, mas mesmo assim ainda enfrenta forte resistência entre os ativistas da internet livre. O projeto, também conhecido como Lei Azeredo, tipifica 12 crimes cibernéticos e estabelece penas, multas, detenção e prisão por até cinco anos para as condutas consideradas mais graves. Para Eduardo Azeredo, a votação desse projeto, que já estava prevista antes mesmo dos ataques da semana passada aos sites governamentais, veio em boa hora. Ele afirma que a própria Polícia Federal, acionada para investigar os últimos ataques cibernéticos, afirmou não ter meios de punir os culpados, por causa da inexistência de uma legislação criminal sobre o assunto.
O deputado rechaça as acusações de que seu projeto pode cercear a atividade na internet e diz que para acabar com as polêmicas de quem vê “chifre na cabeça de cavalo” resolveu simplificar dois pontos considerados mais controversos da proposta. Ele suprimiu do texto o artigo que obrigava provedores de acesso a denunciarem “indícios de práticas de crimes” e substitui o termo “dispositivo de comunicação” por “redes de computadores”. Segundo ele, o objetivo dessa mudança foi impedir a criminalização de condutas banais como a transferência de uma música da internet para um telefone celular. Mas manteve, de acordo com ele, por motivos de segurança, a obrigação da manutenção pelos provedores, por três anos, das informações sobre os usuários da rede . “É questão de segurança”, defendeu o deputado.
O líder do PT na Câmara, deputado federal Paulo Teixeira (SP), ativista da liberdade na rede, disse que o combate aos crimes digitais não pode ser usado como desculpa para cercear o acesso à internet e o direito à privacidade de quem acessa a rede. Ele diz que é radicalmente contra o projeto relatado por Azeredo e que vai trabalhar para que a base aprove uma outra proposta de combate aos crimes, elaborada com a contribuição de toda a sociedade. Segundo ele, nesta terça-feira mesmo será colocado no portal E-democracia da Câmara uma minuta de sugestões sobre o tema. “Esse projeto do Azeredo não deve prosperar”, afirma.
Consultas públicas
Ativista do software livre no Brasil, Marcelo Branco, ex-coordenador do Campus Party Brasil, um dos principais eventos de tecnologia do país, critica a votação do projeto dos crimes cibernéticos, antes mesmo da aprovação pelo Congresso do marco regulatório da internet. Desde 2009, o Ministério da Justiça elabora esse documento. As consultas públicas e audiências sobre o assunto já foram encerradas e, desde o início do ano, o Congresso Nacional aguarda o envio do texto para análise dos parlamentares. “Votar a tipificação dos crimes cibernéticos antes de votar o marco civil da internet é passar a carreta na frente dos bois. Por questão de bom senso, de lógica, o mais certo é primeiro votar a legislação civil sobre a internet e depois a penal”.
Marcelo Branco, que foi coordenador da campanha da presidente Dilma Rousseff nas redes sociais, disse que tem cobrado com frequência do governo o envio imediato do texto sobre o marco, até mesmo para que a população possa ter conhecimento sobre o teor do anteprojeto. Segundo ele, os ataques contra sites do governo no feriado foram amadores, não houve grandes prejuízos nem vazamento de nenhum dado importante nem sigiloso, e não justificam a votação de “afogadilho” dos crimes.