Doar para campanha política pode ser um bom negócio. A prova disso é que 29 empresas e pessoas físicas que fizeram doações para os deputados estaduais mineiros na eleição do ano passado já receberam recursos públicos dos mesmos parlamentares que ajudaram a eleger. A prática do toma lá, dá cá na Assembleia Legislativa de Minas pode ser percebida no cruzamento das contribuições de campanha com os gastos da verba indenizatória, que custeiam despesas dos deputados relacionadas à atividade parlamentar.
Das 29 empresas e pessoas físicas, 14 contribuíram com mais de R$ 1 mil para a campanha, gastando juntas R$ 128.983,87 em doações (veja quadro). Mas, em apenas quatro meses de mandato, já receberam, via verba indenizatória, mais do que desembolsaram: R$ 156.827,80. Os que mais ganharam foram escritórios e advogados que prestam serviço de consultoria, assessoria e pesquisa. Mas esse não foi o único ramo que se beneficiou. Empresas de comunicação, postos de gasolina e até locadoras de veículos estão na lista de empresas escolhidas por deputados como prestadoras de serviço, depois de doar na última campanha eleitoral.
Só o deputado estadual Zé Maia (PSDB) abasteceu, em dois meses (março e abril), R$ 7.037,22 no Auto Posto Itapegipe. Se o ritmo continuar, o parlamentar pagará no primeiro ano de mandato o mesmo valor que a empresa doou para ele (R$ 45 mil). O deputado Celinho do Sinttrocel (PCdoB) também optou por gastar parte de sua verba com empresa doadora. Em três meses, ele pagou R$ 15 mil à Lage e Lage Consultores e Auditores, sendo R$ 5 mil por mês. Se pagar mais R$ 5 mil, desembolsará o mesmo valor doado pela empresa (R$ 20 mil).
Doador de R$ 18 mil ao deputado estadual Neilando Pimenta (PHS), Joenilson Lima Nascimento foi escolhido pelo mesmo parlamentar para prestar consultoria. Em dois meses, o apoiador já recebeu R$ 9,1 mil. Se continuar embolsando R$ 4.550 mensais, até o fim do ano Joenilson terá ganhado R$ 27,3 mil. Responsável pela divulgação parlamentar na base eleitoral de Adalclever Lopes (PMDB) em Caratinga, no Vale do Rio Doce, a C.R. Carraro também doou para o parlamentar. Deu R$ 1.350 para a campanha e recebeu, entre fevereiro e abril, R$ 10,8 mil.
Já o doador Marco Aurélio Pereira Madureira recebeu mais do que gastou. O valor que ele ganhou da verba indenizatória em serviços de consultoria prestados ao deputado Luiz Carlos Miranda (PDT) – R$ 15 mil – é quase seis vezes maior do que ele doou na eleição de 2010 (R$ 2.546,87). O que mais pagou a um de seus doadores foi o deputado Mauri Torres (PSDB). Com a empresa de locação e fretamento de veículos Barros & Braga Locação de Veículos, que contribuiu com R$ 4 mil para sua campanha, ele já gastou R$ 23,5 mil.
O deputado Anselmo José Domingos (PTC) resolveu contratar duas de suas doadoras. Prestador de serviço de consultoria, Ildeu Lucas Pereira doou R$ 14 mil e recebeu, em três meses de serviços, R$ 7,5 mil. No mesmo ramo, Patrícia Alves de Paula contribuiu com R$ 1,7 mil e recebeu R$ 4,2 mil.
Licitação O analista político Gaudêncio Torquato defende o financiamento público de campanha para acabar com esse troca-troca. Ele observa que o mundo dos negócios está muito ligado ao setor privado e só com mudanças nas regras eleitorais é que o universo político “ficará mais ético e puro”. Para evitar a prática do toma lá, dá cá, Gaudêncio Torquato também sugere que os gastos relacionados à atividade parlamentar passem por licitação, já que a verba indenizatória é dinheiro público. “Enquanto o sistema continuar da maneira como sempre haverá troca de interesses. Uma empresa doa para campanha por ter algo em vista”, observa.
O mesmo pensa o vice-presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral, advogado Luiz Gustavo Severo. Ele ressalta que a prática não é ilegal, mas é necessária uma fiscalização da Mesa Diretora da Assembleia e do Ministério Público. “A legislação tem que mudar porque ela permite que, tanto o Poder Legislativo quanto o Executivo façam isso e ainda instiga a ilicitude”, analisa. O advogado defende que o valor da verba indenizatória venha embutido no salário dos parlamentares. “Se o valor vier embutido, eu duvido que eles iriam contratar tantas empresas e pagar valores altos”, acrescenta.