Depois de ser proibido de descontar o equivalente a 3,2% do salário no contracheque dos servidores públicos para custear um plano de saúde, o governo mineiro pode agora ser obrigado a devolver milhões de reais a eles. Já há decisões nesse sentido em primeira instância, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) – o que já garantiu a alguns funcionários o ressarcimento do gasto. Para se ver livre do prejuízo, o Estado depende do Supremo Tribunal Federal (STF). Isso porque em abril do ano passado os ministros declararam inconstitucional o caráter compulsório da cobrança. Só não disseram se a declaração deveria ser aplicada a partir da decisão ou retroativamente à aprovação da Lei Complementar 64/2002, que instituiu o desconto nos salários. Se prevalecer a segunda opção, o funcionalismo terá direito a receber o que foi descontado irregularmente nos últimos cinco anos – contados da data de entrada da ação judicial – sem direito a recurso por parte do Estado.
E as cifras são milionárias. Para ter uma ideia, em valores atuais, a contribuição paga por 86,3% dos servidores que optaram por permanecer no plano vai levar para os cofres do Estado cerca de R$ 280 milhões este ano. Para esclarecer a dúvida sobre a aplicação da decisão do Supremo, a Advocacia Geral do Estado (AGE) ajuizou no STF, em 14 de março, um recurso chamado embargo de declaração. Ele está nas mãos do ministro Luiz Fux e ainda não há data para julgamento (veja quadro). Enquanto isso, o Estado tem usado a indefinição do Supremo para tentar se livrar das decisões desfavoráveis. Tem argumentado ainda que a contribuição nada mais era que uma contraprestação do servidor por um serviço prestado a ele. Por enquanto, não tem convencido todos os magistrados. A AGE foi procurada, mas não comentou o assunto.
“O reconhecimento da inconstitucionalidade de contribuição para custeio dos serviços de saúde enseja a restituição imediata dos valores descontados, seja pela via da compensação, seja pela via da restituição do indébito tributário”, afirmou o ministro do STJ Humberto Martins, em despacho proferido em setembro do ano passado. Ele foi relator de um recurso apresentado por servidora que teve negado no Tribunal de Justiça o ressarcimento dos valores pagos por não ter provado que não utilizou os serviços previstos no plano de saúde.
Mas o ministro do STJ entendeu diferente: para ele, para não ressarcir o servidor, o governo é que teria que comprovar que a servidora usou o plano. E mesmo assim, por meio de uma ação judicial própria. Portanto, reformou a decisão do TJ – que não foi unânime. Alguns desembargadores entenderam que ela teria direito ao dinheiro. Enquanto os magistrados discutem se o funcionalismo mineiro tem ou não direito a receber o que pagou de volta, centenas de processos tramitam no Judiciário.
O advogado especializado em direito tributário e administrativo público Sebastião Hasenclever Borges Neto assina cerca de 100 processos envolvendo 1,2 mil servidores estaduais – a maior parte deles fiscais fazendários. Cálculos do advogados apontam que cada um teria direito a receber R$ 6 mil, o que totaliza um débito de R$ 7,2 milhões do Estado com o grupo. A primeira ação foi ajuizada em 2005, cinco anos antes de o STF derrubar o desconto. Por isso, em alguns casos foi derrotado.
No entanto, segundo ele, desde junho de 2009 os ministros do STJ têm sido unânimes em declarar o direito de ressarcimento por parte do servidor, independentemente do uso dos serviços médicos. “Pelo artigo 165 do Código Tributário Nacional, uma vez que o funcionário pagou uma contribuição que é considerada inconstitucional, o indébito é devido, já que o pagamento era compulsório.”
Para ele, o Estado tem recorrido de forma “forçosa” para tentar protelar o pagamento. Ainda assim, dois de seus clientes já foram ressarcidos e outros 30 processos estão em fase de execução. Na melhor das hipóteses, em três anos o funcionário pode reaver a quantia. Valores até R$ 11 mil são pagos em até 90 dias depois da intimação do Estado. Acima disso, a dívida é transformada em precatório – o que significa entrar em uma fila de credores que são pagos pela ordem cronológica e que costuma levar vários anos para ser quitado.
Brecha
Atualmente 450.686 servidores públicos de todos os poderes contribuem para o plano de saúde do Ipsemg – o que representa uma média mensal de R$ 23,47 milhões nos cofres do estado. Os valores variam entre R$ 27,59 e R$ 232,85. Desde a decisão do STF que considerou inconstitucional a obrigatoriedade do desconto de 3,2% nos contracheques, 71.758 funcionários optaram por se desligar do plano médico e odontológico. Para a advogada Maria de Fátima Chalub Malta, mesmo as pessoas que optaram por permanecer no plano de saúde têm direito a receber o que pagaram compulsoriamente. “Ele tem direito a receber o dinheiro que pagou quando era obrigado a contribuir.” Ela assina 120 processos em que 600 funcionários públicos pedem o ressarcimento pela contribuição para o plano de saúde.