Daniel Camargos, Luiz Ribeiro, Paulo Henrique Lobato e Simone Lima
Encontrar a ponte de 200 metros sobre o Córrego Mocambo, uma das maiores obras já empreendidas na pequena Santa Fé de Minas, na Região Norte do Estado, é uma tarefa que exige disposição. Não existem caminhos até ela. Só depois de andar dois quilômetros rompendo um denso matagal é possível vislumbrar a estrutura, que liga o nada a lugar nenhum. Não há vestígio de estrada e muito menos de razão para construir uma obra desse porte ali. É um dos muitos monumentos ao desperdício que o Estado de Minas encontrou espalhados por Minas Gerais. São pontes, viadutos e estradas inacabadas que prejudicam moradores de cidades de regiões carentes como o Vale do Jequitinhonha – Minas Novas, Berilo e Chapada do Norte – e do Norte de Minas – Itacarambi, Buritizeiro, Manga e Montalvânia. Tais absurdos também são encontrados em cidades de regiões mais desenvolvidas, como Itaúna, no Centro-Oeste; Pedro Leopoldo, na Região Central e até mesmo em Belo Horizonte.
Não existem estatísticas recentes que indiquem o número de obras inacabadas no país e em Minas Gerais. Em 2007, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou 400 empreendimentos, com orçamento à época de R$ 3,3 bilhões, sendo que R$ 2 bilhões já tinham sido investidos. Desse total, 130 eram de responsabilidade da União e 270 dos estados e municípios. Entre as 400 obras, 167 estavam totalmente abandonadas. À época, Minas Gerais era o estado com mais edificações inacabadas (17,7% do total), seguido por Mato Grosso (12,3%). Dois anos antes, em 2005, uma auditoria do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE) apontou 326 construções iniciadas com recursos públicos estaduais e sem conclusão. A estimativa era de que R$ 400 milhões foram desperdiçados.
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A ponte construída sobre o Mocambo, no meio do mato, custou aproximadamente R$ 4,75 milhões. A estimativa é do engenheiro e professor Guilherme Augusto Guimarães, do curso de engenharia civil da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Ele fez os cálculos após analisar aspectos físicos da obra, como extensão, altura, largura e estrutura de pilares e material consumido, a partir de fotografias da ponte abandonada. “Mas, também temos que levar em conta que a obra foi construída há mais de 30 anos e esse dinheiro ficou imobilizado no local, sem nenhum aproveitamento. Nesse caso, o prejuízo é maior do que simplesmente o valor gasto na construção da ponte”, explica o engenheiro.
Os moradores da região lembram que à época foram informados de que a ponte seria parte da BR-251, uma rodovia que ligaria o Norte de Minas a Brasília. Porém, em 1982 a obra foi abandonada. A BR-251 também não foi concluída, mas deixou outra ponte inacabada, sobre o Rio Paracatu, somente com os pilares levantados, próximo à comunidade de Remanso do Fogo, em Buritizeiro. Uma terceira ponte, sobre o Córrego Tábuas, que liga a comunidade a Santa Fé de Minas, também foi feita à época dos militares. Essa terceira, entretanto, é usada apenas por pedestres que passam por uma estrada vicinal.
Barbaridade João Alves Nascimento, de 64 anos, trabalhou na construção da ponte que hoje está no meio do matagal. Teve a companhia de quase uma centena de operários. “Na região só tinha mato. Aí abriram uma picada de oito quilômetros para que fosse construída a estrada. Logo depois, começaram as obras das pontes”, lembra. João lamenta que “de uma hora para outra” os responsáveis tenham abandonado tudo sem concluir o que estava projetado. “Acho isso uma barbaridade. Ninguém nunca fiscalizou”, reclama. João tem apenas uma certeza sobre a obra: “É muito dinheiro publico jogado fora”.
O ex-prefeito de Santa Fé de Minas Ronaldo Soares Campelo (PRB) também se indigna. “Deixaram as pontes inacabadas e largadas. Foi um investimento faraônico deixado no meio do mato. Isso é uma demonstração da falta de planejamento e de compromisso com a aplicação correta dos recursos públicos”, entende. Porém, quando foi prefeito, entre 2009 e 2012, não conseguiu saber quem foram os responsáveis pelo desperdício. Ele lembra que em 2010 uma equipe de funcionários do governo federal esteve na cidade. “Disseram que estavam fazendo uma vistoria, visando à retomada da BR- 251. Mas ficou só nisso e de não ficamos sabendo de mais nada”, recorda o ex-prefeito.
O que se sabe, segundo relatos de moradores da região, é que os serviços foram abandonados por uma empreiteira que se chamava Pantheon. Tanto o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) quanto o Tribunal de Contas da União (TCU) alegaram não ter informações sobre as obras abandonadas em Santa Fé de Minas. A reportagem procurou o Ministério dos Transportes, mas não teve uma resposta. Existem empresas com o nome de Pantheon em São Paulo (Construtora Pantheon) e em Belo Horizonte (Pantheon Engenharia). O EM tentou, mas não conseguiu contato com nenhuma delas.
Crime em castigo
A população é a principal prejudicada com as obras inacabadas e abandonadas. “Sobretudo as comunidades carentes deixam de usufruir de serviços e benefícios que o empreendimento deveria oferecer. Trata-se, em muitos casos, de serviços essenciais à comunidade”, destaca o auditor federal de controle externo do Tribunal de Contas da União (TCU) e integrante do Instituto de Fiscalização e Controle (IFC) André Luiz Vital. Outro ponto ressaltado pelo auditor é que os recursos consumidos por obras abandonadas poderiam ser aplicados em outras prioridades. “Em alguns casos, elas são retomadas tardiamente e acabam custando muito mais do que deveriam”, informa Vital.
Ele explica que é difícil estimar o número exato de obras inacabadas no país. “As prefeituras e entidades estaduais e federais não dispõem de sistemas de informações”, afirma. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) é o principal instrumento para encontrar os culpados. As leis que estabelecem as competências dos tribunais de Contas também tratam desse problema. Porém, Vital entende que embora a LRF represente um grande avanço, não existem mecanismos objetivos para punir o gestor por ofender o princípio da eficiência.
A saída, na análise de Vital, é a transparência dos gastos públicos e principalmente o controle social. “A sociedade poderá compreender as contas públicas, possibilitando ao cidadão condições de fiscalizar e cobrar a eficiência dos gestores”, afirma o o auditor federal.