O antigo Elevado Castelo Branco, uma das principais construções viárias de Belo Horizonte, está sem nome há mais de um ano. O motivo da prolongada falta de batismo é uma disputa interna na Câmara Municipal. De um lado estão os vereadores que desejam apagar das ruas e avenidas os resquícios da ditadura. Do outro, parlamentares que são policiais militares e civis e formam uma tropa de choque no Legislativo defendendo os interesses da caserna. A perspectiva de mudança surge às vésperas do aniversário do golpe militar, que completa 50 anos em 31 de março.
O vereador Tarcísio Caixeta (PT) apresentou, em junho de 2012, pedidos para mudar o nome de dois logradouros da capital: o Elevado Castelo Branco e o Viaduto Costa e Silva. O nome de ambos foi dado pelo Decreto 1.972, de 12 de fevereiro de 1971. “Autênticas expressões do espírito cívico e patriótico da nacionalidade e grandes consolidadores da vitória de 1964”, justificou o então prefeito Luiz de Sousa Lima. O decreto foi revogado em 5 de dezembro de 2012, deixando o elevado sem nome.
Já o Viaduto Costa e Silva foi rebatizado de Doutor José Maria Magalhães pela Lei 10.582/12 a partir de projeto também apresentado por Caixeta. Natural do Serro, Magalhães foi médico, vereador em Belo Horizonte, deputado estadual e federal pelo MDB, quando foi cassado pelo Ato Institucional 5, em 1969. De acordo com o vice-presidente da Associação dos Amigos do Memorial da Anistia Política do Brasil (Aama), o ex-vereador Betinho Duarte, a cerimônia com as novas placas ainda não foi realizada, pois depende da família do homenageado. Um dos filhos de Magalhães é José Lincoln Campolina Magalhães, diretor-geral da Câmara Municipal.
Porém, quando o projeto do vereador Caixeta pedindo a mudança do nome do Elevado Castelo Branco para Dona Helena Greco chegou à Comissão de Legislação e Justiça (CLJ) foi barrado. Helena Greco (1916-2011) foi uma militante de esquerda que lutou contra a ditadura e a primeira vereadora eleita pelo PT na capital mineira.
Entre os integrantes da CLJ estão o delegado Edson Moreira (PTN) e o coronel Piccinini (PSB). “Os pedidos de mudança foram de cunho idealista e ideológico. O marechal Castelo Branco fez parte ativa da história do Brasil. Ele queria que o poder voltasse para os civis. Foi um democrata”, avalia o delegado-vereador, que barrou o pedido de mudança na CLJ. Moreira argumenta ainda que a mudança provocaria gastos para os cofres públicos. “Há muitos outros locais que não têm nome. Para que tirar o nome dele (Castelo Branco) e colocar o da Helena Greco?”, questiona Moreira. “A cidade não precisa passar por essa briga ideológica”, complementa.
Diante da pressão feita pelos vereadores policiais, Caixeta decidiu retirar o projeto de tramitação e partir para outra estratégia. “Há um interesse de que o próprio prefeito elabore um decreto com a mudança”, informa o vereador. Betinho Duarte disse que já tratou do assunto com o prefeito Marcio Lacerda (PSB), mas não obteve nenhuma resposta. “Ficou pensativo, mas não falou nada”, detalha Betinho sobre a postura do prefeito. A assessoria de imprensa da Prefeitura de Belo Horizonte foi questionada sobre o posicionamento de Lacerda, mas não respondeu.
O interesse da Aama é que a mudança do nome aconteça antes de 31 de março. “Já pensamos em ocupar o elevado para pressionar a mudança”, afirma Betinho. O Ministério Público Federal (MPF) também está empenhado, segundo o ex-vereador, para tirar os nomes de todos que participaram do regime ditatorial e promoveram a tortura no país.
No fim do ano passado, alunos de uma escola em Salvador, na Bahia, votaram pela mudança do nome do Colégio Estadual Presidente Emílio Garrastazu Médici para Carlos Marighella, maior expoente da luta armada contra a ditadura.
POLÊMICA
Outra mudança de nome que tramitou sem sucesso na Câmara foi a modificação da Rua Luiz Soares da Rocha, no Bairro Luxemburgo. Rocha foi superintendente de Polícia do Estado de Minas Gerais no fim da década de 1960 e chefe da Delegacia de Furtos e Roubos, um dos principais centros de tortura do regime militar em Belo Horizonte. A proposta é que o nome passe a ser Apolônio de Carvalho (1912–2005), um dos fundadores do PT e da Aliança nacional Libertadora (ALN) e militante do Partido Comunista.
A vereadora e delegada Elaine Matosinhos (PTB) classifica o pedido de mudança de “inoportuno”. “Ele (Luiz Soares da Rocha) jamais foi torturador e estão querendo dar o nome para um terrorista (Apolônio)”, afirma a petebista, que no fim do ano passado solicitou uma audiência pública para discutir as alterações.
Na justificativa do PL 636/13, Caixeta destaca que o nome do delegado Luiz Soares da Rocha é citado no livro Brasil: nunca mais, publicado pela Arquidiocese de São Paulo, que lista torturadores que atuaram durante a ditadura militar. O delegado é apresentado como tendo atuado “nas ações de perseguição e prisão de militantes políticos que buscaram uma sociedade democrática, justa e com oportunidades para todos” durante os anos de cerceamento da democracia pelos militares. Caixeta disse na audiência que Apolônio “defendeu a liberdade, a autonomia dos povos e sempre esteve ao lado dos explorados pela mais-valia”, tendo combatido “a injustiça, a usurpação e a exploração em vários locais: Brasil, Espanha e França”.