A discussão sobre a aposentadoria compulsória esbarra na posição das entidades que representam os magistrados. Contrárias à alteração na idade máxima para que os servidores deixem seus cargos, a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages) e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) apontam a importância na rotatividade dos principais cargos no Poder Judiciário e que uma carreira mais longa para funcionários de cargos de destaque poderá desmotivar o restante dos servidores, que não teriam mais espaço para ser nomeados para ocupar as principais cadeiras nos tribunais. No entanto, para a maioria dos órgãos públicos em que os principais cargos são ocupados por indicações (ministérios e autarquias) não existe qualquer restrição quanto à idade dos indicados. Dessa forma, os funcionários de carreira não teriam como progredir automaticamente até os cargos mais altos de seus órgãos a não ser por meio de indicações.
Para o presidente da Anamages, juiz Antônio Sbano, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 457, que estabelece o aumento para 75 anos da idade permitida para funcionários se manterem em atividade, não leva em conta o alto nível de desgaste exigido na magistratura. “A mente pode estar até funcionando bem, mas o físico não acompanha. Aí temos licenças e afastamentos de juízes, e os tribunais acabam desfalcados por muito tempo”, afirma. Segundo ele, o longo período de tramitação para processos nos tribunais fazem com que a carga de trabalho seja alta na magistratura e com ministros de idade mais avançada o ritmo de trabalho diminui.
A justificativa do desgaste, entretanto, é rebatida pelos próprios ministros que deixaram recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) – entre eles Carlos Mário Velloso, Cezar Peluso e Ayres Britto – reclamando da regra que limita a idade para a aposentadorias dos servidores públicos e continuaram a trabalhar fora da Corte. Sbone avalia que em muitos casos a atuação no Judiciário de ministros mais experientes pode ser benéfica para o país e cita o exemplo dos Estados Unidos, que criou um cargo para prolongar a atuação dos magistrados. “A Suprema Corte norte-americana prevê a função do juiz sênior para aquele magistrado que, em vez de abandonar o tribunal, mantém sua atividade e atua em casos específicos, que exigem mais experiência. Talvez seria uma boa saída para o Brasil”, diz Sbone.
O presidente da AMB, João Ricardo Costa dos Santos, também critica a proposta de revisar o limite de idade para os funcionários públicos. Ele avalia que reajustar a idade máxima para 75 anos poderá, inclusive, aumentar os gastos do Estado com o pagamento de aposentadorias. “A prorrogação do prazo de aposentadoria faz com que os mais jovens se aposentem antes, já que não teriam perspectiva de chegar até os cargos mais altos. O custo poderá ser até maior para o sistema previdenciário”, afirma João Ricardo.
Ele avalia como positivo que ex-ministros do STF tenham deixado a Corte e continuem atuando, mas ressalta que não é o que ocorre na maioria dos casos. “Esses casos mostram que existe vida depois da atividade laboral, depois de uma vida inteira dedicada ao Judiciário. Mas isso não é visto na maioria dos casos. Vivemos um momento difícil, com doenças funcionais, atividade tensa e sempre com muita pressão ao longo da carreira”, diz.
No fim de 2011, a Assembleia Legislativa do Piauí alterou um dos artigos da Constituição estadual elevando o limite de idade para a aposentadoria compulsória dos servidores públicos estaduais em todas as esferas de poder, passando de 70 para 75 anos. A AMB entrou com um ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo questionando a mudança, sob o argumento de que a regra federal não poderia ser contestada pelos estados. A ação da AMB foi aceita pelo STF, derrubando, assim, a mudança aprovada pelos parlamentares do Piauí.
ENQUANTO ISSO, NA CAPITAL MINEIRA
Em Belo Horizonte, entrou em vigor neste ano uma norma que regulamentou a aposentadoria de todos os servidores contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que já atingiram 70 anos de idade. De acordo com o procurador-geral do município, Rúsvel Beltrame Rocha (foto), a mudança se deu por uma nova interpretação da procuradoria, que antes não adotava a aposentadoria compulsória. O órgão ainda não sabe quantas vagas serão abertas com a aplicação da regra, mas o procurador avalia que em alguns órgãos, como na Belotur e na Sudecap, os trabalhadores têm uma média de idade avançada e devem se aposentar nos próximos anos. “Essa regra não funcionava anteriormente e os servidores ficavam até os 75, alguns até 80, ou só deixavam o cargo quando morriam. Ainda não sabemos o tamanho do impacto dessa medida, mas demos orientações para que os órgãos convoquem os servidores e expliquem a situação”, diz Rúsvel.
A decisão de aposentar compulsoriamente tem criado alguns conflitos entre a administração municipal e servidores que deixaram seus cargos. Segundo o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de BH (Sindibel), 20 funcionários aposentados pela nova regra acionaram judicialmente a PBH somente neste mês. Foi o caso de Geralda de Jesus, de 73 anos, funcionária da Superintendência de Limpeza Urbana (SLU), que foi comunicada de seu desligamento nos primeiros dias de 2014. “Foi uma situação tão surpreendente que não foi possível discutir nada na empresa. Não tinha vontade de parar de trabalhar ainda. Apesar de passar dos 70, meu serviço não exigia muito fisicamente e infelizmente serei obrigada a parar”, reclama Geralda.