O projeto nasceu depois que o professor Tiago Gil, do Departamento de História da UnB, percebeu como era difícil encontrar informações sobre o território brasileiro entre os anos de 1530 e 1808. “O período é longo e, às vezes, é importante estar atento ao modo como o espaço se modificou ao longo do tempo”, diz. O especialista sentiu na pele a carência das ferramentas para os historiadores. Em sua pesquisa de doutorado, Gil precisou conhecer caminhos e povoados situados entre as cidades de Viamão (RS), e Sorocaba (SP), durante o Brasil colonial.
“Eu queria saber até que ponto a proximidade entre as vilas afetava a confiança que os vizinhos tinham um no outro e como isso estava relacionado à oferta de crédito na região”, resume. Naquela época, o Sul e o Sudeste do país eram parte de uma rota comercial forte, na qual os animais de carga faziam as vezes dos caminhões dos dias de hoje. “Mas eu simplesmente não tinha nenhum material, não havia um Google Maps para me dizer como eram essas vias e como elas mudaram durante os anos que eu pesquisei”, conta o historiador.
Depois de concluir o doutorado, em 2009, Gil abraçou a tarefa de colocar o território do Brasil dos tempos coloniais na internet. Reuniu 11 professores e bolsistas da UnB e foi atrás de todos os mapas de época digitalizados. A equipe conseguiu arquivos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, do Exército e de coleções particulares. Ao todo, são mais de 2 mil documentos que mostram a geografia brasileira nos anos que seguiram a chegada de Pedro Álvares Cabral.
Com o material em mãos, o grupo de pesquisadores passou a checar, no Google Earth, a correspondência do mapa colonial com o das cidades atuais (veja arte). O trabalho, ainda em execução, exige muita dedicação dos pesquisadores. Eles precisam fazer o loteamento virtual das principais ruas e prédios antes de lançar as coordenadas para o software gerenciador do projeto. “Eu demoro, em média, quatro semanas para finalizar o trabalho de cada mapa. Isso quando não é preciso investigar onde ficavam construções que não existem mais ou que mudaram de lugar”, conta Rafaela Araújo, aluna do 7° semestre de geografia e participante do projeto. Até agora, a equipe recriou os mapas de sete cidades brasileiras, entre elas, Rio de Janeiro, Salvador e São Luís. A expectativa é que, pelo menos, 200 estejam on-line até o lançamento oficial do atlas (https://atlas.cliomatica.com/), previsto para o fim de agosto.
Wikipedia colonial
Com os mapas prontos, os dados são passados ao programa i3Geo, um software livre criado no Ministério do Meio Ambiente para o georreferenciamento do território brasileiro. “As coordenadas geradas no serviço do Google se transformam em tabelas numéricas. Com elas, o i3Geo refaz o desenho na tela do computador conforme a solicitação do internauta”, detalha Tiago Gil. O programa funciona tal qual o Google Maps, mas com a vantagem de permitir a criação de camadas temáticas, que se apresentam de forma temporal. Assim, a união de mapas do mesmo lugar em diferentes períodos permite a análise da evolução das cidades, entre outras variáveis.
Além disso, o atlas digital pode ser alimentado por outros estudiosos da época colonial, em uma espécie de Wikipedia histórica. “A nossa ideia é lançar o produto com informações mínimas, como a localização das vilas e dos povoados. Depois, outras pessoas poderão, continuamente, completar esse material”, reforça o professor. Uma pessoa que tenha analisado a produção de milho em Minas Gerais no século 18, por exemplo, pode incluir no mapa daquela região o detalhe espacial sobre o plantio do cereal.
Quilombo
Isso é tão importante que é capaz , até mesmo, de mudar a noção que as pessoas têm de fatos históricos marcantes. Uma parceria entre a equipe da UnB e pesquisadores do Centro de Pesquisa em História Social da Cultura da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) pretende dar uma ideia melhor de como era o Quilombo dos Palmares no século 17. “Nosso objetivo é mostrar, nos mapas, como foi o conhecimento progressivo das autoridades sobre a dimensão espacial do refúgio. Toda nossa pesquisa documental mostra que Palmares era muito mais espalhado do que se imaginava há alguns anos”, conta a professora Silvia Lara, da Unicamp.
O grupo comandado por Silvia já tinha uma parceria com a Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, para georreferenciar o resultado dos estudos sobre a história do Brasil. Agora, Silvia e os colegas querem adaptar os resultados ao projeto desenvolvido na UnB. “Queremos apresentar esse material na linguagem escolhida pela equipe do Tiago Gil. Primeiro, porque se trata de um software livre e, segundo, porque é mais fácil dispor tudo isso na internet, onde qualquer um pode ter acesso”, diz.