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Estado de Minas

Espionagem permitida

Se você zela por seu emprego, cuidado com o que posta, para não receber o bilhete azul


postado em 21/07/2011 11:12 / atualizado em 21/07/2011 14:03

"A gente tenta descobrir de quem os funcionários estão falando nos tópicos da comunidade. Vários já foram censurados por comentários impróprios." Anderson Paiva*, funcionário de corregedoria (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)

Há um ano, Renato Rodrigues da Conceição foi demitido da Guarda Municipal de Belo Horizonte. O principal motivo? Uma comunidade do Orkut. Renato faz parte dos 85% de internautas brasileiros que acessam alguma rede social, como apontou um vídeo publicado pelo Google este mês. De acordo com a assessoria da empresa, há 85 milhões de usuários da rede no mundo. Destes, cerca de 30 milhões são brasileiros.

O objeto da discórdia entre funcionários e o comando do órgão é a página Guarda Municipal BH [OFICIAL] no Orkut, onde os integrantes debatem reivindicações por meio de fóruns e organizam eventos, como a manifestação ocorrida na capital na última segunda-feira. Renato herdou a comunidade de um colega de trabalho, que também foi demitido da corporação. Junto com outros três moderadores, ele gerencia o conteúdo. Para fazer parte do grupo, atualmente com 3.061 integrantes, é preciso que o dono autorize a entrada.

O ex-guarda, de 35 anos, sofreu dois processos administrativos por se “manifestar de forma indevida”, sendo que o último culminou com sua demissão. “Não tinha noção que eles faziam investigações virtuais, nem pensei em fazer um perfil falso para me resguardar”, afirma ele, ressaltando que o Orkut é o único endereço que engloba 80% da guarda. Segundo Renato, a maioria das postagens relaciona-se à insegurança no trabalho e nunca há críticas à pessoa, do tipo “o ‘fulano’ é ruim de serviço, chega tarde”. Há, sim, segundo ele, ressalvas à função, como “o ‘fulano’ não consegue dialogar com a equipe”. “O que falo no Orkut, falo em audiência pública”, relata ele, que é também vice-presidente da Associação da Guarda Municipal de Belo Horizonte e Região Metropolitana (Asgum/RMBH), além de secretário-geral do sindicato estadual da classe. De acordo com Renato, era comum na corporação a suspensão de companheiros de trabalho por causa de mensagens postadas nesse espaço virtual. Ele chega a classificar o monitoramento do comando como perseguição.

"Fui punido porque falei que sou contra a atual gestão. Eu não privo os guardas de liberdade de expressão, só restrinjo palavrões." Renato Rodrigues da Conceição, de 35 anos, ex-guarda municipal, punido com demissão (foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press)

Um dos grandes problemas da página, segundo a assessoria de comunicação da Secretaria Municipal de Segurança Urbana e Patrimonial, são as letras em caixa alta que se destacam na tela (“OFICIAL”). Para o assessor Roger Victor Leite, o detalhe configura uso impróprio do nome da instituição. Ele acusa o grupo de postar conteúdos agressivos e caluniosos, que têm o intuito de difamar a guarda. “A assessoria acompanha tudo o que diz respeito à corporação, é uma de suas funções. Todos os processos administrativos são amparados em provas legais. Você não pode escrever sobre algo do qual faz parte. As pessoas são responsáveis pelo que falam”, ressalta Leite.

Outro ponto levantado por ele é que a maioria dos membros da comunidade é fake. “Não se pode dar credibilidade a um perfil falso. Existem 2,4 mil agentes em BH e a comunidade tem 3 mil membros”, contesta o assessor. Em contrapartida, o ex-guarda Renato argumenta que esses perfis surgiram depois da retaliação aos guardas, e que isso seria uma maneira de eles preservarem suas imagens.

De olho
Engana-se quem acredita que o hábito de monitorar funcionários, como no caso da Guarda Municipal, é raro. Denise Silva*, de 48, trabalha num órgão do governo que concede benefícios sociais e topou contar sobre sua experiência, desde que tivesse a identidade trocada. Por mês, ela atende cerca de 250 pedidos e metade deles são descartados por não apresentarem precisão nos dados repassados. E é nas redes sociais que ela descobre algumas mentiras e simulações.

Com o e-mail dos candidatos em mãos, ela faz uma investigação minuciosa, principalmente nos sites de relacionamento. “Já teve quem chegasse aqui ofegante, dizendo que teve que pegar dois ônibus. Quando a gente foi ver, estava vendendo um carro conversível numa rede social. Há quem alegue que não tem casa, está desempregado. Quando você olha no perfil do Orkut, tem BMW e cobertura com piscina. Uma jovem chegou a dizer que o pai havia falecido depois de ser baleado em uma favela e depois descobri que, na verdade, ele ficou internado em uma hospital de luxo da cidade”, conta.

Anderson Paiva* trabalha como assistente em na corregedoria de um serviço público mineiro. De acordo com ele, há no órgão uma gerência de inteligência responsável por reunir indícios virtuais a serem apresentados como provas em processos internos contra os funcionários. Apesar de ter somente a função de reuni-los depois de pesquisas encomendadas, ele confessa que fez um perfil fake e interage com os funcionários na web. Tudo pelo gosto de bisbilhotar. “Os empregados põem apelidos na equipe da corregedoria e a gente tenta descobrir de quem eles estão falando nos tópicos da comunidade. Vários já foram censurados por comentários impróprios sobre a entidade”, revela.

As redes no brasil
45 milhões de pessoas acessaram as redes sociais
99% dos internautas acessaram alguma rede social, pelo menos uma vez
71,9% dos usuários acessaram o Orkut. Há cerca de 30 milhões inscritos
40,9% dos usuários acessaram o Facebook. Há cerca de 21 milhões cadastrados
21,8% dos usuários acessaram o Twitter. Há cerca de 94 milhões cadastrados

*Dados do estudo “Um olhar mais atento para a mídia social no Brasil”, realizado pela ComScore, empresa mundial de pesquisas. A pesquisa foi divulgada em abril e refere-se a ao uso dos sites de relacionamento no mês de março.

* Nome fictício


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