Doenças cardiovasculares matam 17,3 milhões de pessoas em todo o mundo anualmente, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Dessas mortes, 80% ocorrem nos países em desenvolvimento - entre eles, o Brasil. Uma das principais causas de óbito no país é o infarto agudo do miocárdio, que tira a vida de até 15% das pessoas atingidas. Os que sobrevivem à contração ou ao entupimento da artéria coronária costumam ser submetidos a uma cirurgia - geralmente, uma angioplastia - para a colocação de um stent, a fim de desobstruir a região da artéria a ser tratada. O problema é que a obstrução no vaso sanguíneo pode voltar. Pesquisadores da Universidade de Loyola, em Chicago, nos Estados Unidos, descobriram que duas proteínas podem ser inseridas no organismo das pessoas no início da cirurgia e evitar esse problema. O estudo foi publicado na versão on-line da revista Arteriosclerosis, thrombosis and vascular biology, da Assossiação Americana do Coração.
Como a cirurgia causa irritação na parede arterial, células endoteliais - que ficam no interior dos vasos sanguíneos - migram para o local a fim de reparar esse dano. No entanto, células musculares também vão para a região da artéria onde foi colocado o stent, o que pode criar uma cicatriz e obstruir novamente o local. Stents farmacológicos, recobertos por remédios que impedem a proliferação celular, resolveriam essa questão das células musculares. Como, entretanto, impedem a ação das células presentes no interior dos vasos, as paredes da artéria continuam danificadas.
As duas proteínas já existem no corpo humano. Sua ação, porém, é potencializada quando as duas são inseridas no local específico onde precisam agir. No experimento, a equipe médica inseriu a FAK e a FRNK na artéria coronária dos ratos que já haviam passado por uma angioplastia - e cujas paredes do vaso sanguíneo haviam sido danificadas, de propósito, para avaliar a ação da FAK. Entre uma e duas semanas depois da cirurgia, a equipe comandada por Samarel analisou a artéria dos animais e constatou que as duas proteínas haviam agido com eficiência no organismo dos ratos, iniciando o processo de recuperação da parede arterial, mas sem a presença de células musculares na região.
Problema recorrente
O cardiologista Vicente Motta diz que o entupimento da artéria que já foi desobstruída anteriormente chama-se reestenose. “O problema, quando ocorre, geralmente se manifesta nos primeiros seis meses que se seguem ao implante do stent”, explica. Segundo o médico, o fenômeno acontece em até 50% das intervenções cirúrgicas com balão e de em até 30% das angioplastias com stents convencionais. “O percentual cai para até 8% com o uso de stents farmacológicos”, detalha Motta. Ele alerta que lesões intensas na parede arterial, artérias muito finas e o diabetes são fatores que tornam a pessoa mais predisposta a sofrer com o problema.
O professor de medicina da Universidade Católica de Brasília e cardiologista Alexandre Brick acrescenta que a reincidência da obstrução arterial é uma reação do organismo à presença de um corpo estranho. “Ainda que os resultados obtidos com os stents farmacológicos possam ser considerados superiores aos dos tradicionais, os pesquisadores têm procurado desenvolver instrumentos mais eficazes e seguros para o procedimento”, destaca Brick.
Se já tivesse aplicações práticas atualmente, essa pesquisa poderia ter evitado que o bancário Takanori Carlos, de 47 anos, passasse pela situação de ser submetido a uma angioplastia e, meses depois, ter que fazer a cirurgia novamente, porque a artéria havia voltado a ficar obstruída. “Entre agosto de 2010 e janeiro deste ano tive que fazer três angioplastias, para a colocação de seis stents farmacológicos”, recorda. Em setembro, o cardiologista que cuida de Takanori pediu que ele se submetesse a um cateterismo, para ver como as artérias tinham ficado após a cirurgia. “Nesse exame, descobriram que em uma das áreas onde estava um dos stents havia uma inflamação que estava voltando a fechar o local, impedindo a circulação do sangue”, explica o bancário. Ele precisou colocar mais um stent farmacológico após a descoberta da inflamação. Carlos tem diabetes, um fator que o torna mais vulnerável a sofrer com o problema de a artéria voltar a entupir.
A aposentada Maria Pereira de Sousa, de 65, precisou ser submetida a duas angioplastias na mesma artéria em menos de dois anos. “Na primeira vez, há três anos e cinco meses, tive um infarto e precisei fazer uma cirurgia. Senti muita dor no peito, falta de ar, passei mal. Fiz a cirurgia no coração no mesmo dia”, lembra Maria. Dois anos depois, ela sentiu os mesmos sintomas. “Fui operada de novo, porque a artéria entupiu. Agora, vou ao médico de seis em seis meses, para garantir que está tudo bem”, afirma a aposentada, que nunca teve outros problemas de saúde que a tornassem suscetível à reincidência de obstrução arterial.
Vicente Motta acredita que as conclusões do artigo terão impactos positivos no tratamento da reestenose coronariana. “A volta do entupimento da artéria não é mais o ‘calcanhar de Aquiles’ da angioplastia, como representava há alguns anos. O grande número de pesquisas na área que ajudam a nortear os procedimentos em angioplastia, assim como o uso de novos dispositivos (stents farmacológicos), minimizaram a incidência dessa complicação tardia”, garante o cardiologista do Incor.
Para Alexandre Brick, o estudo pode ter aplicações práticas a longo prazo, na tentativa de estabelecer fatores genéticos que podem atuar na prevenção ou tratamento de doenças cardiovasculares - em especial, a ateroesclerose. “Mas o mais importante no tratamento e no controle para evitar a morte por doença cardiovascular chama-se prevenção. Para evitar fatores de risco, deve-se cuidar da alimentação, não fumar, praticar alguma atividade física, evitar a obesidade e o estresse da vida moderna”, completa o cardiologista.
Ateroesclerose
Nessa doença, ocorre a formação de placas de gordura e de tecido fibroso nos vasos sanguíneos, que os obstruem. A ateroesclerose pode ocorrer em vasos de todo o corpo, mas se torna potencialmente letal quando aparece em artérias do coração e do cérebro. Pessoas com diabetes, hipertensão, colesterol alto, fumantes e sedentárias são as que correm mais risco de desenvolver o problema.