Para Bernardo Grossi, de 30 anos, advogado de Belo Horizonte especialista em direito da internet, as duas propostas que tramitavam no Congresso dos Estados Unidos e disseminaram protestos no mundo todo, se, por um lado, visam resguardar o direito à propriedade intelectual, por outro, afetam o uso da internet mundialmente. “Por razão de ordem histórica, todos os servidores e a estrutura da rede se localizam no território norte-americano. Uma possível aprovação das leis serviria como modelo de legislação para outros países”, pondera.
O perigo da aprovação das propostas é que, da forma como foram redigidas, os detentores de direitos autorais poderiam desligar o acesso a qualquer site, inclusive hospedado fora dos EUA. Desse modo, não haveria uma rede global, mas várias, uma em cada país. “Perderíamos um dos maiores benefícios da internet: conexão de fato”, resume o advogado. “Por exemplo, eu como autor de uma obra faria uma notificação extraoficial para o Google, Facebook ou operadora de cartão de crédito, determinando a exclusão imediata de certo conteúdo da internet. Se o site não fizer isso, torna-se responsável por ele. A empresa, não obedecendo, passa a responder pela infração. E ela não vai querer saber se é mesmo ilegal ou não, vai cumprir a ordem de bloqueio para se resguardar. Cria um mecanismo de censura”, explica Grossi. Para ele, a partir de um juízo subjetivo, os usuários podem ser punidos. O especialista lembra que o Megaupload foi fechado (veja Linha do tempo) com base numa lei já existente, a Digital Millennium Copyright Act (DMCA), sigla para Lei dos direitos autorais do milênio digital. A DMCA traz uma série de mecanismos para responsabilizar e excluir um conteúdo ilegal da web. Sobre a Sopa e Pipa, Grossi é categórico ao afirmar que não é certo transformar em lei algo que não é aceito pela sociedade. “O grande conflito é essa cultura/revolução digital, que coloca em xeque essa forma de distribuição de conteúdo que é de um para muitos.” Sopa passa do pontoDemi Getschko, diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), indica pelo menos três pontos discutíveis sobre os projetos Sopa e Pipa. O primeiro é que eles responsabilizam intermediários. “Não faz sentido os provedores serem incumbidos do papel de censura”, ressalta o diretor. Se o usuário fez algo ilegal, a lei deve ser aplicada a ele. A segunda discussão é que elas “atiram e depois perguntam”. Quando há uma denúncia, a página sairia do ar, para depois se investigar se o que foi publicado realmente ofende alguém ou não. E a última questão é sobre o desconforto mundial que a filtragem de conteúdo traria. Poderia ajudar a localizar o infrator, mas mapearia todo mundo “Querem aumentar o alcance dos meios de repressão. Não é porque é crime bater carteira que eu vou andar com um GPS nela para o caso de me furtarem”, brinca Getschko. O diretor-presidente enfatiza que ninguém é contra o pagamento do produtor de arte, mas é preciso “remunerá-lo pela obra e não pela cópia”. Segundo ele há a necessidade de criar uma lei para novos crimes, mas não uma que controlaria todas as pessoas, uma espécie de Big Brother gigantesco. Entenda o caso » Sopa e Pipa São leis muito semelhantes que pretendem combater a pirataria on-line de arquivos protegidos por direitos autorais. A Sopa (criada pelo deputado Lamar Smith)estava em discussão na Câmara dos Representantes e a Pipa (criada pelo senador Leahy Patrick), em debate no Senado. As propostas pretendem impedir o compartilhamento de arquivos por meio do bloqueio Domain Name System (DNS), sigla em inglês para sistema de nomes de domínios. A prática é a mesma utilizada pela China, fortemente criticada por censura digital pelos Estados Unidos. O DNS converte os sites digitados em um endereço de IP. As leis bloqueariam o acesso a certos domínios. Os motores de buscas também não apresentariam em seus resultados essa lista negra de conteúdo ilegal. » Linha do tempo 26/10/11 O projeto de lei Sopa é apresentado à Câmara dos Representantes por um grupo bipartidário de legisladores 14/01/12 Casa Branca se posiciona contra cláusulas importantes dos projetos Sopa e Pipa
18/01/12 Site colaborativo Wikipedia na versão em inglês sai do ar em protesto contra os projetos de lei. Google coloca tarja preta sobre logo. Mais de sete mil sites fazem manifestações 19/01/12 Fechamento do Megaupload (serviço de compartilhamento de arquivos) e prisão do fundador do site 19/01/12 Dez sites derrubados em 20 minutos é o saldo do grupo de hackers ativistas Anonymous em protesto contra o fechamento do Megaupload 20/01/12 Deputado republicano Lamar Smith tira a proposta Sopa de pauta. A votação da Pipa é adiada 23/01/12 Anonymous invade o site da Sony e coloca links para baixar todo o conteúdo. Hollywood pode retirar apoio financeiro ao presidente dos EUA, Barack Obama. O pronunciamento foi feito por Chris Dodd, diretor-chefe da Associação Cinematográfica Norte-Americana. Sites de downloads, como o popular 4Shared, retiram conteúdo ilegal do ar com medo de fiscalização da Justiça Acta corre por fora Muito tem se discutido sobre Sopa e Pipa, mas poucas pessoas sabem que ainda existe outra ameaça à liberdade na rede: o Anti-Counterfeiting Trade Agreement ou Acta( sigla em inglês para Acordo de comércio antipirataria). O Acta é um tratado internacional que circula em segredo e pretende criar normas rigorosas sobre os direitos de propriedade. Para garantir isso, as leis podem invadir a privacidade dos usuários e exigir pagamento de multas de quem desobedecê-las. Estados Unidos, Nova Zelândia, Canadá, Japão e Austrália já assinaram o acordo. O povo fala Você se considera um pirata? Marcelo Silva, 45 anos, consultor de sistemas “Estou numa febre de seriados e baixo as temporadas pela internet. Só tem pirataria no Brasil, porque o original é muito caro. Acho que essas leis não vingam” João Fabrício Moreira, 21 anos, militar do exército “Faço downloads de filmes que ainda nem estão em cartaz, mas não me considero um pirata por isso” Daividson Graciano, 26 anos, auxiliar administrativo “Baixo música e filmes. Não comercializo, é para favorecimento pessoal, então não é errado” Hugo Gusmão, 21 anos, professor de francês “A internet até então é livre, mas uma lei aprovada nos Estados Unidos afeta o mundo todo. Alegam direitos autorais, mas muitos cantores apoiaram os protestos contra. As empresas querem faturar ainda mais. Baixo arquivos, mas não me considero pirata, porque também deixo documentos que podem ser usados por outras pessoas. É uma troca” Patrícia Abdanur, 31 anos, professora universitária “Música eu baixo pelo iTunes e vejo filmes pelo NetMovies. Gosto de comprar CDs originais. Tudo que é radical é complicado. Se aprovadas, essas leis dificultariam o acesso à informação. Uso redes sociais como ferramenta de contato com os alunos”