Ler manchetes do início do século passado pode ser mais interessante e revelador do que dar aquela olhada na banca para ver o que está estampado nas capas dos jornais do dia. Notícias podem ser consideradas uma das criações da humanidade com maior capacidade de se tornarem obsoletas, pois o que aconteceu ontem é ofuscado pelo que há de novo hoje. Mas, quando o antigo atinge uma idade avançada, ele mesmo se torna uma notícia. Pela Hemeroteca Digital Brasileira, os curiosos podem conferir quais foram as novidades diárias dos avós e bisavós da atual geração, a Y.
Criada pela Fundação Biblioteca Nacional (FBN), a hemeroteca digital é um portal com 5 milhões de páginas digitalizadas provenientes do acervo físico bicentenário da fundação, que totaliza 17 quilômetros de prateleiras. A busca é gratuita e aberta a todos. Os internautas têm duas opções de pesquisa no site: por ordem cronológica ou por palavras. O segundo tipo é o mais interessante. Por meio de uma tecnologia cedida pela DocPro, empresa especialista em acervos digitais, é possível procurar qualquer palavra e obtê-la destacada nas páginas, onde ela aparece escrita no jornal especificado. Uma boa opção para saber quando os jornais começaram a usar termos como “informática” e “tecnologia” nas suas reportagens. O nível de acerto depende muito da qualidade em que se encontra o microfilme ou o original do periódico. A encadernação virtual foi feita fascículo por fascículo, gerando várias páginas em PDF. Até o momento, a versão digital tem o tamanho de 30TB, mas a pretensão é que chegue a 50TB, com quase 10 milhões de páginas.
200 mil visitas
São ao todo 638 publicações periódicas produzidas em 26 estados nas cinco regiões do país ao longo de dois séculos. A história começa com a introdução da imprensa no Brasil, em 1808, com a vinda da Corte portuguesa para terras tropicais. Exemplares do Correio Braziliense e da Gazeta do Rio de Janeiro, os primeiros jornais brasileiros, estão na hemeroteca para quem quiser saber como tudo começou até chegarmos à diversidade de produções nos tempos atuais. “Contamos também com manuscritos datados de antes de 1808, quando a imprensa ainda era proibida. Um exemplo é O Mosquito”, revela Ângela Monteiro Bettencourt, coordenadora da Biblioteca Nacional Digital.
A hemeroteca é a primeira com essa quantidade de títulos, possibilidades de pesquisa e livre acesso a ser criada no Brasil, e conta também com periódicos em outras línguas que circularam por aqui, como o italiano Il Pasquino Coloniale e o Diario Español.
De acordo com Ângela, o acesso mensal da hemeroteca atinge a marca de 200 mil visitas. O processo de digitalização começou este ano e a previsão de inclusão de todo o arquivo físico é para março de 2013. Três scanners importados fazem o trabalho de digitalização. Por microfilmagem, tudo é bem mais rápido: cerca de 20 mil páginas por dia. Quando é necessária a captura do original, apenas 500 páginas vão para o computador diariamente.
Ângela acredita que a popularização da hemeroteca é a maior importância da digitalização do acervo. “O arquivo deixa de ser solicitado apenas por pessoas mais eruditas e pesquisadores, encontrando um público mais comum, como alguém que quer saber das notícias do seu time do coração em 1923”, comenta.
Participação mineira
Todos os periódicos da hemeroteca são de domínio público, exceto o Jornal do Brasil, que cedeu suas publicações de 1950 a 2000 para compor o acervo. “Para aumentarmos ainda mais nossos arquivos, precisamos que os jornais que ainda estão em circulação tenham interesse em mandar suas publicações para nós”, acrescenta Ângela.
De Minas Gerais, 36 periódicos compõem a participação do estado na montagem da história do país por meio das notícias. Entre eles está O Sexo Feminino, semanário dedicado aos interesses da mulher, que circulou na cidade de Campanha entre 1873 e 1889, já cheio de ideais feministas. “Além dos próprios jornais, estamos redigindo artigos explicando mais sobre a história e o foco de cada um, para ajudar ainda mais no processo de pesquisa”, diz Ângela. A hemeroteca física fica na Biblioteca Nacional, na Avenida Rio Branco, 219, Rio de Janeiro.