Pesquisadores suecos testaram em cobaias uma forma de tratar o diabetes tipo 2 por meio da diminuição dos índices de gordura nos músculos. A técnica, descrita na edição eletrônica da revista Nature desta semana, consiste no controle da proteína que faz o transporte de ácidos graxos do sangue para o tecido muscular, a chamada VEGF-B. Depois de retirar o composto bioquímico em ratos por meio de manipulação genética e de medicamentos, os cientistas provaram que a terapia pode diminuir os níveis de glicose no sangue e aumentar a sensibilidade à insulina em diabéticos e em indivíduos com propensão a desenvolver a doença.
O experimento do Instituto Karolinska, em Estocolmo, na Suécia, partiu do princípio de que o acúmulo de gordura nos tecidos musculares bloqueia o efeito da insulina, aumentando a quantidade de açúcar no sangue. Para testar a teoria, os pesquisadores compararam os efeitos do diabetes e de uma dieta rica em calorias em ratos normais e em animais sem a proteína que leva a gordura aos músculos. Depois de observar os bichos, notaram que as cobaias modificadas apresentaram níveis menores de glicose no sangue, além de responderem muito melhor ao tratamento com insulina do que as normais.
De acordo com os pesquisadores, sem a VEGF-B, o endotélio vascular funciona como uma barreira eficiente contra a absorção de lipídios pelo músculo, mesmo em situações de obesidade severa. “O endotélio é o revestimento interno de todos os vasos sanguíneos. Ele é uma barreira funcional que previne o sangue de vazar para os tecidos e que transporta nutrientes para que os tecidos vizinhos tenham energia para funcionar”, esclarece Ulf Eriksson, autor do estudo. A obesidade, lembra a pesquisa, é a principal causa ligada às mudanças metabólicas que levam ao diabetes tipo 2. Com a alta concentração de gordura no sangue, o endotélio costuma absorvê-la como faz com um nutriente.
Mas, no caso dos ratos, a gordura no sangue causada pela alimentação calórica não foi um problema. A ausência da proteína de transporte barrou a gordura nos músculos, fazendo com que ela fosse desviada para o tecido adiposo, onde é menos prejudicial. Isso tornou as cobaias tratadas mais gordas que as outras, mas sem os sintomas típicos de diabéticos causados pela obesidade, como o nível de glicose elevado e os problemas no sistema cardiovascular.
Anticorpo criado Para os autores da pesquisa, os resultados positivos podem apontar o caminho para a criação de um remédio capaz de, sozinho, curar o diabetes tipo 2. Em parceria com um laboratório australiano, os pesquisadores desenvolveram um anticorpo que poderia ser injetado em indivíduos diabéticos e eliminar a ação do VEGF-B. A droga foi testada em animais e não apresentou efeitos colaterais graves.
“Esperamos que o VEGF-B tenha a mesma função em humanos que tem em ratos. Em caso positivo, esperamos reduzir o acúmulo de gordura no músculo esquelético e melhorar a sensibilidade à insulina no músculo, abaixando os níveis de açúcar no sangue. Mas ainda temos de fazer muitos outros testes clínicos. Esses estudos começam no próximo ano”, adianta Eriksson.
Segundo especialistas, o grande trunfo do experimento está em conseguir eliminar completamente um processo metabólico que torna a insulina menos eficiente mesmo em grandes quantidades, a causa do aumento de açúcar no sangue que leva à diabetes tipo 2. “Essa gordura ectópica, isto é, a que fica fora do tecido adiposo, produz várias substâncias que desencadeiam uma cascata de reações e levam um sinal hormonal para que as células do músculo resistam à insulina”, resume Rogério Friedman, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Mas a proteção contra a doença, ressalta o endocrinologista, seria apenas parcial. “A resistência à insulina está em vários mecanismos, esse é só um deles. É preciso pensar também no fígado – um órgão que, no diabetes, tem um quadro de resistência – e nos sinais produzidos no intestino que diminuem a produção de glicose”, aponta Friedman. De acordo com o médico, o tratamento proposto pelos suecos apenas complementaria o arsenal de medicamentos que já existe para combater o distúrbio metabólico.
O tratamento de inibição proteica, mesmo sendo incompleto, já mostra algumas vantagens sobre alguns medicamentos usados hoje no controle da doença. “A aplicação desse anticorpo promoveu muita coisa importante no corpo e ainda preservou a arquitetura das células beta, as produtoras de insulina”, observa a médica Hermelinda Pedrosa, presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) no Distrito Federal. Em pessoas diabéticas, a resistência à insulina costuma causar uma produção exagerada do hormônio, destruindo até 85% das suas células produtoras.
Outra vantagem, aponta a endocrinologista, seria a preservação da saúde do sistema cardiovascular. “Se o endotélio passa a receber depósitos de ácidos graxos, isso termina evoluindo para uma obstrução desses vasos e ocorre uma doença cardiovascular. Uma barreira como essa reduz o processo inflamatório”, justifica.
Exame pela flora intestinal
Mudanças na flora intestinal podem ser mais um sinal relacionado ao risco de diabetes tipo 2. A descoberta foi divulgada por um grupo de pesquisadores do Instituto de Genética de Pequim, na China, na revista Nature, e pode ajudar no desenvolvimento de um novo teste para o diagnóstico do distúrbio. De acordo com os autores, a diminuição nos índices de bactérias básicas e o aumento de patogênicos prejudiciais são alguns dos indícios que apontam para a intolerância à insulina no organismo.
Depois de estudar e comparar as colônias microbióticas nas fezes de 345 indivíduos – 71 deles diabéticos e o restante saudáveis –, foi possível apontar diferenças significativas entre os dois tipos de pessoas. Além das mudanças dos níveis naturais da flora intestinal, os portadores do distúrbio metabólico apresentaram problemas em algumas funções digestivas, como o aumento do transporte de açúcares e a diminuição da metabolização de vitaminas.
Um exame aprofundado no DNA das bactérias destacou ainda vários fatores genéticos presentes em bactérias típicas do sistema digestivo dos portadores de diabetes tipo 2. Foram encontrados mais de 60 mil marcadores genéticos relacionados à doença, indicando que seria possível apontar grupos-alvo para exames clínicos.
Os códigos foram divididos em 47 genomas coletivos correspondentes a diferentes microbiotas e classificados como comuns ou típicos da flora diabética. Enquanto os tipos encontrados nas pessoas saudáveis tinham funções no organismo, as bactérias dos pacientes já eram conhecidas por causar infecções abdominais e por estarem presentes em pessoas obesas.
Para comprovar a teoria, os pesquisadores selecionaram 50 dos marcadores genéticos como sinais do distúrbio metabólico. Com base nesses dados, eles fizeram um teste na flora intestinal de outras pessoas, buscando por esses genes microbióticos relacionados ao diabetes tipo 2. O modelo foi testado em 23 indivíduos e mostrou ser eficiente para o diagnóstico da doença.
A análise da microbiótica já é objeto de estudo há alguns anos de problemas como a obesidade, o câncer colorretal, o envelhecimento e a doença de Crohn. Os cientistas esperam que, compreendendo quais organismos são maléficos e quais têm um papel de proteção no organismo, seja possível desenvolver novos tratamentos e formas de diagnósticos como essa proposta para diabetes tipo 2.
O experimento do Instituto Karolinska, em Estocolmo, na Suécia, partiu do princípio de que o acúmulo de gordura nos tecidos musculares bloqueia o efeito da insulina, aumentando a quantidade de açúcar no sangue. Para testar a teoria, os pesquisadores compararam os efeitos do diabetes e de uma dieta rica em calorias em ratos normais e em animais sem a proteína que leva a gordura aos músculos. Depois de observar os bichos, notaram que as cobaias modificadas apresentaram níveis menores de glicose no sangue, além de responderem muito melhor ao tratamento com insulina do que as normais.
De acordo com os pesquisadores, sem a VEGF-B, o endotélio vascular funciona como uma barreira eficiente contra a absorção de lipídios pelo músculo, mesmo em situações de obesidade severa. “O endotélio é o revestimento interno de todos os vasos sanguíneos. Ele é uma barreira funcional que previne o sangue de vazar para os tecidos e que transporta nutrientes para que os tecidos vizinhos tenham energia para funcionar”, esclarece Ulf Eriksson, autor do estudo. A obesidade, lembra a pesquisa, é a principal causa ligada às mudanças metabólicas que levam ao diabetes tipo 2. Com a alta concentração de gordura no sangue, o endotélio costuma absorvê-la como faz com um nutriente.
Mas, no caso dos ratos, a gordura no sangue causada pela alimentação calórica não foi um problema. A ausência da proteína de transporte barrou a gordura nos músculos, fazendo com que ela fosse desviada para o tecido adiposo, onde é menos prejudicial. Isso tornou as cobaias tratadas mais gordas que as outras, mas sem os sintomas típicos de diabéticos causados pela obesidade, como o nível de glicose elevado e os problemas no sistema cardiovascular.
Anticorpo criado Para os autores da pesquisa, os resultados positivos podem apontar o caminho para a criação de um remédio capaz de, sozinho, curar o diabetes tipo 2. Em parceria com um laboratório australiano, os pesquisadores desenvolveram um anticorpo que poderia ser injetado em indivíduos diabéticos e eliminar a ação do VEGF-B. A droga foi testada em animais e não apresentou efeitos colaterais graves.
“Esperamos que o VEGF-B tenha a mesma função em humanos que tem em ratos. Em caso positivo, esperamos reduzir o acúmulo de gordura no músculo esquelético e melhorar a sensibilidade à insulina no músculo, abaixando os níveis de açúcar no sangue. Mas ainda temos de fazer muitos outros testes clínicos. Esses estudos começam no próximo ano”, adianta Eriksson.
Segundo especialistas, o grande trunfo do experimento está em conseguir eliminar completamente um processo metabólico que torna a insulina menos eficiente mesmo em grandes quantidades, a causa do aumento de açúcar no sangue que leva à diabetes tipo 2. “Essa gordura ectópica, isto é, a que fica fora do tecido adiposo, produz várias substâncias que desencadeiam uma cascata de reações e levam um sinal hormonal para que as células do músculo resistam à insulina”, resume Rogério Friedman, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Mas a proteção contra a doença, ressalta o endocrinologista, seria apenas parcial. “A resistência à insulina está em vários mecanismos, esse é só um deles. É preciso pensar também no fígado – um órgão que, no diabetes, tem um quadro de resistência – e nos sinais produzidos no intestino que diminuem a produção de glicose”, aponta Friedman. De acordo com o médico, o tratamento proposto pelos suecos apenas complementaria o arsenal de medicamentos que já existe para combater o distúrbio metabólico.
O tratamento de inibição proteica, mesmo sendo incompleto, já mostra algumas vantagens sobre alguns medicamentos usados hoje no controle da doença. “A aplicação desse anticorpo promoveu muita coisa importante no corpo e ainda preservou a arquitetura das células beta, as produtoras de insulina”, observa a médica Hermelinda Pedrosa, presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) no Distrito Federal. Em pessoas diabéticas, a resistência à insulina costuma causar uma produção exagerada do hormônio, destruindo até 85% das suas células produtoras.
Outra vantagem, aponta a endocrinologista, seria a preservação da saúde do sistema cardiovascular. “Se o endotélio passa a receber depósitos de ácidos graxos, isso termina evoluindo para uma obstrução desses vasos e ocorre uma doença cardiovascular. Uma barreira como essa reduz o processo inflamatório”, justifica.
Exame pela flora intestinal
Mudanças na flora intestinal podem ser mais um sinal relacionado ao risco de diabetes tipo 2. A descoberta foi divulgada por um grupo de pesquisadores do Instituto de Genética de Pequim, na China, na revista Nature, e pode ajudar no desenvolvimento de um novo teste para o diagnóstico do distúrbio. De acordo com os autores, a diminuição nos índices de bactérias básicas e o aumento de patogênicos prejudiciais são alguns dos indícios que apontam para a intolerância à insulina no organismo.
Depois de estudar e comparar as colônias microbióticas nas fezes de 345 indivíduos – 71 deles diabéticos e o restante saudáveis –, foi possível apontar diferenças significativas entre os dois tipos de pessoas. Além das mudanças dos níveis naturais da flora intestinal, os portadores do distúrbio metabólico apresentaram problemas em algumas funções digestivas, como o aumento do transporte de açúcares e a diminuição da metabolização de vitaminas.
Um exame aprofundado no DNA das bactérias destacou ainda vários fatores genéticos presentes em bactérias típicas do sistema digestivo dos portadores de diabetes tipo 2. Foram encontrados mais de 60 mil marcadores genéticos relacionados à doença, indicando que seria possível apontar grupos-alvo para exames clínicos.
Os códigos foram divididos em 47 genomas coletivos correspondentes a diferentes microbiotas e classificados como comuns ou típicos da flora diabética. Enquanto os tipos encontrados nas pessoas saudáveis tinham funções no organismo, as bactérias dos pacientes já eram conhecidas por causar infecções abdominais e por estarem presentes em pessoas obesas.
Para comprovar a teoria, os pesquisadores selecionaram 50 dos marcadores genéticos como sinais do distúrbio metabólico. Com base nesses dados, eles fizeram um teste na flora intestinal de outras pessoas, buscando por esses genes microbióticos relacionados ao diabetes tipo 2. O modelo foi testado em 23 indivíduos e mostrou ser eficiente para o diagnóstico da doença.
A análise da microbiótica já é objeto de estudo há alguns anos de problemas como a obesidade, o câncer colorretal, o envelhecimento e a doença de Crohn. Os cientistas esperam que, compreendendo quais organismos são maléficos e quais têm um papel de proteção no organismo, seja possível desenvolver novos tratamentos e formas de diagnósticos como essa proposta para diabetes tipo 2.